20 ANOS DO PLANO REAL Vida do brasileiro melhorou, mas faltam reformas

O empresário canoinhense Feres Seleme não sente nenhuma saudades do que viveu no seu comércio 20 anos atrás. “A gente não podia descansar depois do almoço, era inviável, se não estivesse no trabalho, era prejuízo com certeza. As tabelas de preço eram atualizadas a cada cinco minutos. No meu caso, que tinha muitos produtos, isso era um pesadelo. Quando chegava no final da loja, o início estava 100% defasado”, recorda.

Ele se refere ao período mais crítico da inflação descontrolada, que reduzia o poder de compra do brasileiro e tirava clientes dos empresários e comerciantes.

“Nós não conseguíamos agregar nada. Nós não tínhamos um rendimento comercial adequado. Se eu tinha cem camisas, no mês seguinte não conseguia iniciar com este mesmo número de camisas no estoque. Se eu tivesse 90 camisas, eu já tinha perdido o poder real de compra de 10 camisas”, exemplifica o empresário que tinha cinco funcionários só para remarcar preços.

Ao completar duas décadas, o Plano Real conseguiu vencer sua principal batalha: acabar com a hiperinflação, que tirava o sono de empresários como Seleme em 1994. Antes de a nova moeda entrar em circulação, em junho de 1994, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) estava em 47,43% ao mês. Em julho daquele mesmo ano, a inflação caiu para 6,84%.

Para se ter uma ideia, há 20 anos, uma compra de R$ 100 em um supermercado brasileiro custaria hoje R$ 466, atualizado pelo IPCA até maio (dado mais recente).

Para que a transição não fosse tão traumática, três meses antes do Real entrar em vigor, foi criado a Unidade Real de Valor (URV). “Quando entrou a URV, demos uma relaxada, mas ainda ficamos apreensivos”, lembra Seleme.

 

DIFERENÇAS

O professor da Universidade do Contestado (UnC), campus Canoinhas, Roberto Bauer, lembra que havia um grande descrédito com relação ao plano. “Houve cinco planos anteriores que não deram certo. A credibilidade do real era muito baixa. Só que esse plano teve diferenças em relação aos anteriores.” Bauer explica que o Real foi calcado no tripé: controle da inflação, superávit primário para pagar os juros da dívida pública, e, por fim, controlar o câmbio. Para o economista, essa estruturação garantiu o sucesso do plano. A inflação de mais de 2.000% ao ano reduziu para uma média de 360% nas últimas duas décadas. “A maquininha estava de manhã, de tarde e de noite remarcando os preços”, lembra. Essa situação levou os brasileiros a perderem seu poder de compra, ou seja, o salário terminava muito antes do mês. Não havia valor fixo para financiamento, o que tornava um pesadelo a vida de quem comprava a prazo. “A nossa moeda perdia tanto valor que muitos produtos eram cotados em dólar”, conta Bauer.

O real começou igualando a cotação. Um dólar custava um real. Essa situação levou muitos jogadores da Seleção do Tetra a voltarem com as malas cheias dos Estados Unidos que, em 1994, sediaram a Copa do Mundo que consagrou o Brasil. Além da taça, os tetracampeões trouxeram no avião souvenires como televisões gigantes (de tubo), videocassetes e laptops, que acabaram presos na alfândega.

 

REAL NÃO É A SOLUÇÃO

Bauer reconhece que a recuperação do poder de compra proporcionado pelo real, aliado à geração de emprego, resgatou a combalida economia brasileira. “Mas só isso não segura o crescimento econômico. O crescimento é resultado de um PIB (Produto Interno Bruto) maior. Temos condições de chegar a um crescimento de 4,5%, mas isso só vai ocorrer se tivermos reformas”, afirma.

As reformas trabalhista, fiscal e política são consenso entre economistas como motores do desenvolvimento econômico. O Brasil se tornou pouco produtivo e acumula baixo crescimento. Os candidatos à presidência na eleição de outubro têm colocado o assunto em seus planos de governo, assim como vários  candidatos anteriores já fizeram.

 

ASSISTA TRECHO DA ENTREVISTA CONCEDIDA POR SELEME E BAUER AO JORNAL DA BAND, DA BAND FM 105,1:

 

Milhões de notas de R$ 1 estão perdidas no País

Símbolo do plano de estabilização da economia, a nota de R$ 1 teve a morte decretada há nove anos. Seu desaparecimento, entretanto, não pode ser considerado prematuro. Foi habilmente arquitetado pelo próprio criador, o Banco Central (BC). O papel de Darth Vader foi exercido sem piedade, porque o BC avaliou que não valia a pena produzir a cédula. Circulava tanto que acabava suja, rasgada, rabiscada e imprestável em pouco tempo. A Casa da Moeda acatou a ordem e interrompeu a impressão, mas como nos filmes de zumbis algumas notas ganharam sobrevida.

Nas contas do BC, ainda perambulam por aí 149 milhões de cédulas de R$ 1. Estão perdidas em forros rasgados de bolsas, fundos de gavetas ou reentrâncias de sofás. Sem falar nas que foram desintegradas por impiedosas máquinas de lavar, mas ainda são contabilizadas pelo BC porque não foram recolhidas para serem substituídas por moedas. A pratinha custa mais para produzir, mas dura muito mais. Resiste ao troca-troca de dinheiro para garantir o troco no comércio e, no longo prazo, pesa menos no bolso do contribuinte.

Engana-se quem pensa que só notas velhas estão na praça. As novinhas ocupam espaço de destaque: estampadas com um beija-flor, são guardadas em pastas de colecionadores. E provam que o Plano Real funcionou. Em sites de compra e venda de usados, chegam a valer R$ 100 se estiverem sem uso e com número de série baixo.

O Real mudou a cara do dinheiro no país, que deixou de estampar rostos famosos e passou a ter animais impressos. Não foi um desejo do BC deixar de homenagear personalidades brasileiras. É que as famílias dos que recebiam a honra de aparecer no papel-moeda reclamavam que ele perdia valor rápido. Em pouco tempo, um Machado de Assis, por exemplo, não valia nada. O BC escolheu animais cujos parentes não reclamariam se o Plano Real não desse certo.

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