Contornar o corredor e acompanhar os quadros da via sacra é como se em uma galeria de arte eu estivesse
Tanto teríamos para ver e admirar em Perugia, uma das mais importantes cidades da Italia. E para ela foi destinada, pela empresa de turismo que desde Verona eu acompanhava, apenas um pedaço de uma manhã. Participar de um grupo de excursão traz as facilidades de se chegar a um hotel, em confortáveis ônibus, com pessoal encarregado de levar a sua bagagem, de fazer o check-in. Mas há o inconveniente de não se poder apreciar uma cidade no seu todo. Muita correria. Como se os monumentos e as obras de arte fossem logo desaparecer do mapa…
E assim passamos, como num relâmpago, por Perugia também. Logo ao chegar na avenida que margeava o hotel defronto-me com a primeira ladeira. Meu primeiro pensamento foi retornar pelos meus próprios passos ao hotel e aguardar a hora em que o ônibus para lá se dirigiria a fim de pegar as nossas bagagens. O guia, no intuito de incentivar-nos, avisou-nos que logo chegaríamos às escadas rolantes e o trajeto seria facilitado. Mas este logo não era tão logo. Foi preciso o amparo dos amigos para a íngreme colina subir.
De um ponto em diante as coisas tornaram-se mais fáceis. E foi então que nos deparamos com o famoso festival anual de chocolate que pelas ruas e praças de Perugia se estende em todo o mês de agosto. Mas era muito cedo para que aquele rebuliço todo, inerente a qualquer festival, pudesse ser notado. Mas com muito chocolate nosso ônibus ficou abarrotado naquele dia.

Havia um Mini Metrô que se poderia tomar. Mas se quiséssemos ver, mesmo que apenas pelo seu exterior alguns palácios e igrejas em locais mais distantes um táxi deveríamos tomar. E foi o que fizemos. Conseguimos olhar o diferente frontispício da Catedral de San Lorenzo, o Palazzo dei Priori e a instigante Fontana Maggiori que a seu lado foi construída. Não havia tempo para se observar os detalhes das esculturas que a cercam. Ficamos com suas imagens externas na memória, como se uma introdução fossem para uma próxima viagem, com mais tempo para em seus interstícios nos imiscuirmos.

Havia algo mais, que há muitos já eu ouvira falar, e que ao menos por fora eu queria ver. A famosa Universidade de Perugia. Uma Universidade que data das eras medievais. Uma Universidade que desde sempre ensinava não só a arte da Medicina e do Direito, mas as Belas Artes também.
E não só ela lá existe. Há também a Universidade Italiana para Estrangeiros, com a finalidade de difundir a língua e a cultura italianas para o resto do mundo. Foi nela que meu sobrinho Érico Celso concluiu uma pós-graduação em engenharia. E muito sobre Perugia fiquei sabendo através do que ele contava. E então eu a conheci. De relance.
No ponto indicado, por fora das muralhas, embarcamos em nosso ônibus, que naquela manhã tomou o rumo da cidade onde nasceu Francisco, o homem que revolucionou a igreja de seu tempo.

Assisi não ficava muito longe de onde estávamos. Nem tempo deu de tomarmos uma garrafinha de água e nas muralhas da cidade já nos encontrávamos.

Em meio a elas, paredões dos castelos medievais, que desde o sopé do monte Subásio, onde Assisi se situa, já podem ser avistados. Há um estacionamento próprio para os ônibus. Situado em ponto distante da Basílica e dos pontos por onde Francisco andou em sua vida terrena. Então foram novas inspirações e expirações profundas para subir a colina. Um tanto escorada nos paredões, outro tanto nos braços amigos.
Chegamos à mística e energizante igreja. Só o fato de naquele santuário entrar já se sente eflúvios diferentes que só de um místico local como aquele podem emanar.
Contornar o corredor e acompanhar os quadros da via sacra é como se em uma galeria de arte eu estivesse. Afrescos em todos os lados. De Giotto grandes obras lá se encontram. Vitrais com a arte de grandes mestres neles incrustadas.
Não havia filas para lá se entrar. Mas era um entrar e sair de pessoas numa interminável procissão. Lá eu vi o mundo vestido com trajes indianos, algumas mulheres com sári, outras com trajes muçulmanos. Lá eu vi alguns homens com turbantes e outros com indumentárias próprias de países africanos. Vi outros barbudos com um solidéu a lhes cobrir a cabeça.

Sob a Basílica a cripta onde foi colocado o corpo de São Francisco. E onde se encontram a suas relíquias. Lá estão todos os seus pertences. Os pertences por ele usados depois que aos pés de seu pai jogou as suas nobres vestes. Os seus pertences. Apenas o texto original das regras franciscanas, uma sandália de couro, duas túnicas e um capuz. O que foi o suficiente para ele viver. E deixar este lastro de caridade e amor espalhado pelo mundo.
Não se pode fotografar e nem filmar os afrescos e demais obras de arte. A ciência comprova o estrago ocasionado pela radiação e calor dos flashes. Caso alguém ouse infringir o expresso regulamento, logo uma voz se faz ouvir em toda a nave pedindo que não se captem imagens por qualquer tipo de câmeras.

Uma rápida visita à igreja de Santa Clara, em um patamar mais elevado e era chegada a hora de procurarmos uma trattoria para almoçarmos. Difícil descer devagar a colina. O panorama que do alto se desfruta é deslumbrante. As escarpas dos Apeninos ao longe, o verde vale a se perder na distância…
No caminho, encostado a uma pilastra, uma figura inesquecível. Um monge vestido com uma túnica de um tecido de cor e teor igual ao de um saco de estopa.Com um cordão envolvendo sua cintura. Com capuz. E uma tigela nas mãos. Tentamos fotografá-lo. Pediu-nos que não. Não estava ali para ser capturado em imagens. Estava para ali para abençoar-nos e entregar-nos folhetos com a Oração de São Francisco. Aceitava um óbolo para uma organização que ajuda os pobres do mundo.
Muitas lojas de lado a lado nesta íngreme descida em busca do local de nosso almoço. Onde alguns suvenires foram adquiridos. Até chapéus ou gorros de Chef em puro algodão cru. No qual pode ser bordado o seu nome. Em instantes. Com uma máquina de costura especial, claro!
E então saboreei a melhor salada da estação. Sempre com pães especiais e o imprescindível óleo de oliva. Minha amiga pediu uma pizza. E ainda belisquei um pedaço que ela, gentilmente me ofereceu. Uma delícia de massa crocante e a maciez de uma das melhores moçarelas que eu já provei na vida.
A tarde corria. Vontade de permanecer em Assisi por muito mais tempo. De lá pernoitar e tomar o café da manhã sem me cansar de ver a paisagem lá do alto.
O motor do ônibus já roncava há alguns minutos à espera dos últimos retardatários. Descemos, lentamente, o que restava do monte até chegarmos em seu sopé e logo tomarmos a rodovia que nos deixaria, ainda em plena luz do dia, em nosso hotel em Roma.