Em Roma lágrimas brotam… como chuva de primavera…

Há tão poucos dias nos tornamos uma nova família. E no dia seguinte cada qual seguiria o seu caminho

 

 

 

Vaguear um pouco através das estreitas vielas do Trastevere. Enroscar-se entre mesas e cadeiras que para fora das portas dos restaurantes se esparramam. Envolver-se nas melodias que ao espaço se elevam. Deliciar-se com o aroma que das trattorias pelo ar evola…

 

 

Uma mistura de lusco-fusco com milhares de pequeninas lâmpadas coloridas enrodilhadas em verdes festões sobre portas e janelas a conferir uma diferente luminescência aos exíguos corredores, a céu aberto, entre paredes.

 

 

E através de que porta sumiram meus amigos? Enquanto eu me perdia em meus enlevos, e tentava captar imagens físicas em minha câmera e imagens transcendentais em minha memória, sumiram…

 

 

 

Foi através da risada cristalina de Mariane, minha coleguinha especialista em Dermatologia que consegui distingui-los, já dentro de um alegre, buliçoso e festivo restaurante.

 

 

 

Ainda era cedo… Cedo para se jantar em uma noite de verão em Roma… Pudemos escolher uma privilegiada mesa onde confortavelmente nós todos pudemos nos acomodar. E entre tantas massas e molhos, um mais apetitoso que o outro, o quê escolher? Era o nosso último jantar na Itália. Na terra dos antepassados de pessoas que em torno daquela mesa se encontravam. Porque foi em torno de uma mesa, há tão poucos dias apenas, que nos juntamos, trocamos nossas histórias e nos conhecemos. Há tão poucos dias nos tornamos uma nova família. E no dia seguinte cada qual seguiria o seu caminho…

 

 

 

Foi uma mistura de massas e risotos fumegantes que enfeitou a nossa mesa. Despedi-me daquele macio e suave nhoque que das mais macias e suaves batatas parecia ser feito. Com um molho que não posso descrever. Deixei a escolha por conta do Maître. Um molho onde não poderia faltar tomates, claro. Os mais rubros tomates, que deixam saudade. E nem manjericão. Sem faltar o mais puro parmesão, ralado em grossos fios. Sem faltar aqueles pães com um óleo de oliva que nos deixava embasbacados a anunciar a entrada lá chamada de coperto.

 

 

 

Brindamos à nossa amizade, e a um próximo encontro nas colinas sagradas de Roma, com um vinho muito especial. Era mais um Montepulciano D’Abruzzo, mas desta feita um Collemoro, de origem protegida. Como éramos cinco pessoas a degustá-lo, não ficou muito onerosa para cada um a parte que lhe tocava…

 

 

 

 

Bandoneons, imiscuídos a instrumentos de corda, adoçavam meus ouvidos com as mais antigas e envolventes melodias italianas. Não percebi que as lágrimas escorriam sem cessar. E não de meus olhos, apenas.

 

 

 

Lembrei-me dos velhos tempos de nossa Rádio Canoinhas e seu programa “Gentilezas” que, em todas as tardes, homenageava pessoas com as mais diversas canções. No aniversário de minha mãe, melodias italianas soavam a tarde inteira. Cada um de nós a ela dedicava tantas quantas o nosso cofrinho conseguia… Sim, a nossa velha Rádio Canoinhas tinha tudo isto em seu acervo. E foram estas as músicas que naquela noite encantada do Trastevere, dentro de um colorido restaurante, eu ouvi. E foram estas as músicas que naquela noite encantada do Trastevere me fizeram chorar.

 

 

 

Fora, nas vias, vielas e na grande praça o murmurejar já era imenso. Multidões se acumulavam. Barracas vendendo suvenires. E sempre percebe-se que mais alguns precisam ser adquiridos.

 

 

Mas era a hora de retornarmos ao nosso ônibus.  E então estátuas iluminadas, luzes de todas as formas, cores e feitios, fontes dançantes com águas luminescentes desfilavam através da panorâmica janela.

 

 

 

Uma última noite para colocar toda a minha parafernália em seus devidos lugares, dentro das malas. Parecia-me que o coração palpitava diferente. Os dados já haviam sido lançados. Muito complicado adiar o retorno. Era hora de voltar para casa. E assim pensando dormi e acordei.

 

 

 

Foi um último café da manhã. Com uma infindável variedade de frutas. E eu sem saber qual escolher entre figos, pêssegos, maçãs, peras, uvas, nêsperas, ameixas e outras tantas mais. Despedir-me daquelas máquinas de café. nas quais sempre o mais forte eu escolhia. Que creio era o impulso que me permitiu tanta movimentação, por tantos e tantos locais e recantos, algo por mim nem sequer imaginado antes de iniciar estas andanças durante aquela dezena de dias.

 

 

 

Logo após o café da manhã, pudemos ainda fazer um giro através das ruas que ficavam no bairro, no entorno do hotel. Alguns amigos ainda foram atrás de um supermercado, em busca de vinhos para presentear amigos em São Paulo.

 

 

 

Imaginei-me ser um polvo a fim de poder carregar mais uma sacola com este néctar da Itália… Faltavam-me mãos… Separamo-nos. Cada qual com seu voo, nos mais diferentes horários.

 

 

 

Perto do meio-dia, puxando minha bagagem, entreguei as últimas chaves, no último hotel de meu roteiro e fui em busca de uma confortável poltrona, naquele imenso saguão. Nessas horas de espera, a sós, abro o meu inseparável amigo, o livro. Estava eu a devorar insanas e aventureiras passagens quando uma voz, da qual um pouco eu me lembrava, chama por mim.

 

 

 

 

E foi então que, talvez, a mais longa conversa entre duas mulheres, que pela segunda vez se viam, teve início. Era Júlia. A amiga argentina que eu conhecera ainda em Verona, e que comigo viera conversar, logo que o grupo de turismo — que a partir do dia seguinte seria o meu —, acabara de entrar no vestíbulo do hotel em que eu me encontrava. Estivera com ela por pouco tempo. Depois de Verona, apenas a vira no café da manhã ainda em Veneza. E outros rumos, com outras pessoas, em outro ônibus então seguira. E naquela hora estava ela ali. Sua turma fizera uma viagem para o sul, cortando por outras tantas cidades. E findava sua viagem conosco, no mesmo hotel, embarcando de volta para casa no mesmo aeroporto.

 

 

 

Não haveria tempo para procurarmos um restaurante ou trattoria pelas vizinhanças, pois logo seria chegada a hora de nosso traslado para o local onde tomaríamos o nosso voo.

 

 

 

Fiquei feliz em reencontrar Júlia, uma pessoa que não poupa palavras e tudo conta. Enquanto almoçávamos, trocamos as novidades de nossos trajetos desde o momento em que nos separamos.

 

 

 

E foi então que, com lágrimas nos olhos, ela me fala que visitou Montecassino. Montecassino, tida como a batalha onde as forças aliadas fizeram a sua maior investida contra o exército nazista, entrincheirado na abadia (ou convento, ou algo assim), incrustada em meio a rochedos. O mundo glorificou a investida americana.

 

 

 

E então, com a maior emoção sentida em minha vida, eu ouvi Júlia me contar. Júlia com avós maternos italianos e um pai polonês. Um pai que tinha o seu nome inscrito na laje, como um dos heróis poloneses, da Batalha de Montecassino. Onde cinco mil poloneses perderam a vida. Para desalojar o exército nazista dos rochedos. E conseguiram. Abriram o caminho para que, dias depois, os exércitos aliados lá conseguissem colocar as bandeiras vencedoras.

 

 

 

Fico imaginando a sanha com que aqueles jovens poloneses lá se infiltraram e lutaram depois de tudo o que a fúria nazista fizera na sagrada Polônia. Polônia onde, há mais de um século, o imortal músico e compositor Frédéric François Chopin imortalizara em sua Polonaise Guerreira (ou Militar) e seu Concerto Revolucionário, quando sua terra por outras hordas havia sido subjugada…

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