A lógica bolsonarista flerta com postura de seita

Quais razões a justificam?

 

 

Dr. Valdir Roque Dallabrida*

 

Tenho me perguntado constantemente: quais razões justificariam posicionamentos aparentemente irracionais, estúpidos, desumanos, e tantas outras adjetivações quantas nos venham na mente? Complementarmente, tenho me questionado: o que justifica o comportamento de seus seguidores, defendendo publicamente o que, civilizatoriamente, pareceria indefensável?

 

 

 

Arrisco-me numa primeira resposta: com certeza, não se trata de posicionamentos e comportamentos adequados de adeptos de algum partido político. Então, como poderíamos qualificar esse “bando”? Baseado no que os mais de vinte anos de bancos universitários me ensinaram e nas quase sete décadas de existência, só há uma resposta possível. Trata-se de posicionamentos e comportamentos próprios de um bando, uma facção! Falei difícil? Vou ser mais direto: uma seita.

 

 

 

 

Para que não criemos confusão, um rápido esclarecimento que justifica a razão de ter usado o termo seita.

 

 

 

Segundo os dicionários da língua portuguesa, seita se origina de outra palavra grega, háiresis (heresia)[1]. Heresia, do grego, significa escolha, tomar partido. Quando a palavra passou para o latim, foi traduzida por secta (seita). Portanto, seita se refere a uma doutrina propagada e seguida por um número significativo de pessoas, que se afasta ou diverge de outras doutrinas, ou formas dominantes de pensamento. O termo seita, também pode ser utilizada para se referir a um grupo religioso dissidente, ou um grupo com organização própria, com sua ideologia, opiniões e objetivos, ou um grupo organizado na forma de facção, ou bando. Os seguidores, ou conjunto de crentes de uma seita, são os que concordam com certa doutrina, ideologia ou certos princípios filosóficos.

 

 

 

 

E quais seriam os princípios básicos do que se poderia chamar de seita “bolsonarista”? Vou me deter num deles: a negação dos princípios científicos, do conhecimento aceito como mais adequado sob o ponto de vista civilizatório e humano. Exemplificando, a negação de que a terra é redonda, a negação da orientação da ciência quanto à forma de combater uma pandemia, como a covid-19.

 

 

 

 

Sinteticamente, penso que justifiquei a razão de utilizar o termo seita. Agora preciso explicar as razões de afirmar no título que o posicionamento do “bolsonarismo” tem lógica, quanto à pandemia.

 

 

 

 

Primeira razão: a crença (ainda não de todo comprovada, mas, em geral aceita) de que a forma mais rápida de passarmos pela pandemia é facilitar (ao invés de dificultar) a contaminação da população pelo vírus da covid-19. Assim, na medida em que a maioria da população fosse contaminada e seu organismo tenha adquirindo anticorpos suficientes para obter imunidade, a disseminação social deixaria de ocorrer e acabaria a pandemia, ou seja, interromperia a contaminação.

 

 

 

 

Segunda razão: como consequência da facilitação da contaminação social com o vírus, a disseminação seria rápida e a pandemia acabaria em pouco tempo. Com isso, em tese, não haveria interrupção maciça das atividades socioeconômicas, também, reduzindo drasticamente os gastos públicos a serem destinados ao combate à pandemia.

 

 

 

Atenção leitor: se você achou lógica nas duas razões acima mencionadas, pode-se considerar adepto (se ainda não tinha descoberto) da “seita bolsonarista”!

 

 

 

 

Mas alguns dos leitores diriam: mas com isso, em muitos dos que tivessem contraído o vírus, ele teria agravado seu estado de saúde, como consequência, teriam vindo à óbito. Mais: mais gente adoeceria e viria necessitar de cuidado médico, causado um caos no sistema público, com o que, a maioria dos agravados não teria conseguido o tratamento médico necessário, aumentando a quantidade de mortes.

 

 

 

“E daí? Que querem que eu faça? Posso me chamar de Messias, mas não faço milagres?”

 

 

 

 

Daí? Daí, vou ser sintético, para não cansar as(os) leitoras(es). Malmente falando, socialmente, pelo princípio do evolucionismo, teria se avançado na seletividade genética, ou seja, teríamos nos livrado de muitos dos convalescentes, sejam ou não idosos, de pessoas malnutridas e sem resistência às doenças, os quais geram altos custos ao sistema público de saúde. Malmente falando, economicamente, teríamos mantido a atividade econômica menos tempo paralisada. Aliás, no futuro próximo ter-se-ia ganhos, pois se manteria como mão de obra ativa, sujeitos mais aptos ao trabalho. Em alguns setores, até haveriam ganhos econômicos significativos, a exemplo do setor funerário e farmacêutico.

 

 

 

 

Viste como a “seita bolsonarista” tem razão quanto à condução do combate à pandemia covid-19? Viste como tem lógica os seus posicionamentos e comportamentos? Ficaste chocado? Eu também!

 

 

 

 

Dirias: cadê os princípios civilizatórios e humanos? Cadê a ética? Cadê o respeito a quaisquer princípios religiosos?

 

 

 

 

As seitas têm seus próprios princípios, criam uma ética própria, reinterpretam até os princípios religiosos para colocá-los à serviço de seus objetivos. Algumas seitas veem na espécie humana e na natureza (fauna e flora) um recurso econômico, por isso, quando podem, pagam o mínimo possível aos seus empregados, apenas o suficiente para mantê-los com vigor físico e intelectual para continuar produzindo cada vez mais, etc. etc… Algumas seitas, frequentemente, se vestem com as cores dos símbolos nacionais e seus seguidores se dizem patriotas! Alguma coincidência com o que estamos falando?

 

 

 

 

Uma lembrança: os líderes e seus seguidores não são extraterrestres. Andam por aí, perto da gente. Alguns estão transvestidos de empresários empreendedores, outros até se dizem profetas milagreiros, uns ocupam cargos políticos, muitos outros, infelizmente, são pessoas simples e de “boa origem” familiar, mas que foram convencidos ou chantageados para seguir o que pensam seus patrões, ou falsos profetas.

 

 

 

 

E daí? Daí, eu “tô fora dessa parada”, porque me oriento pelo respeito e ética humana, além de princípios religiosos. E você? Você tem o arbítrio de decidir, continuar ou não sendo um seguidor dessa ou de outras seitas! O problema não é só ser seguidor de seita; o pior é seguir uma seita que se orienta pela lógica da propagação da morte.

 

 

 

Pior que, se nada diferente for feito, nem resolve trocar seu líder, pois parte da sociedade que se orienta por princípios nefastos socialmente e falta de ética humana, em breve buscará outro líder, pois o “bando” continuará sedento de mais poder em suas mãos, para defender seus interesses grupais, excluindo do “banquete” os que historicamente foram excluídos.

 

 

 

*Dr. Valdir Roque Dallabrida atua no Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado (UnC)

 

 

[1] Por exemplo: https://www.dicio.com.br/seita/

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