Foi num domingo que o Mestre entrou na Grande Cidade ovacionado pela multidão.
Tapetes amaciavam seus passos.
E ramos ornavam o caminho que Ele percorria.
Sinos e tambores, cornetas e alaúdes enchiam os ares com sons que só O glorificavam.
E o Mestre sabia da incoerência e insensatez, da volubilidade e inconstância humanas.
Mas, seu sorriso e suas bênçãos e seu olhar de paz e de amor para com todos os Homens do mundo permanecem eternos. Porque Ele sempre soube esquecer. E Ele sempre soube perdoar.
Foi num domingo assim que o Mestre entrou na Grande Cidade.
E depois chorou.
Havia semeado em todos os caminhos por onde andara as flores e os frutos e a relva macia de sua bondade e amor.
Havia mostrado a beleza das aves do céu e a beleza dos peixes dos lagos e mares.
Disseminara o conhecimento de uma nova vida a ser vivida, a vida que valesse a pena a ser vivida, uma vida que só de amor fosse de uns pelos outros, a vida em um trilhar diferente para que no final todos encontrássemos o conforto de um canto macio e cheio de ternura e paz onde pousássemos os nossos cansados pés e o nosso inquieto espírito.
E a multidão, que alucinada o aplaudia, era a mesma turba convulsa que mais tarde iria aplaudir os seus algozes.
Mas Ele apenas pediu que o Pai nos perdoasse porque nós não sabíamos o que estávamos fazendo. Mas estamos tentando saber agora…
Depois o seu corpo partiu, tentando alcançar o mundo com seus braços abertos no espaço…
… e a Sua cabeça, inerte, tombou curvada para o chão onde nós sempre estivemos…
… e o Seu Espírito permaneceu belo, brilhando sempre mais nos Espaços do Universo imenso onde Sua luz penetra.
…
…
…
… e nós aqui permanecemos, cabeças baixas, olhos apagados, joelhos curvos, na doce esperança de um dia partilharmos tua mesa, Mestre.
Aqui permanecemos na doce esperança de conseguirmos encontrar o nosso perdido Eu um pouco mais brilhante quando tentamos te encontrar na face agonizante de um irmão desesperado, na face angustiada de um irmão faminto, na gélida face de um maltrapilho irmão, na face de desprezados irmãos que apenas nos imploram algumas migalhas em palavras de amor, em palavras amigas…
Mestre, foi num domingo assim, de quase plenilúnio, como este que agora está chegando, que entraste na Grande Cidade… quando nós… teus servos…te saudamos…
Depois…
… depois…
… depois…
… muito depois nós descobrimos que o teu reino não era deste mundo, mas, o nosso interesse imediato e mesquinho, interesse mesquinho e imediato que já conhecias e que sempre conheceste, impediu que sofrêssemos a teu lado e te empurramos para o Calvário e te pregamos em uma ignominiosa cruz.
… essa cruz, essa mesma cruz que nos prende agora a este solo pedregoso e áspero onde tentamos colher as flores e os frutos que semeaste.
… essa cruz, essa mesma cruz que irrompe de braços abertos aos céus, estes mesmos céus onde tentamos encontrar as aves de brancas e translúcidas plumagens que distribuíste pelos infinitos azuis.
… essa cruz, essa mesma cruz refletida nos lagos e nos mares onde tentamos buscar os reluzentes e macios peixes que saciariam a nossa fome.
Mestre, nós não entendemos o teu amor na época em que aqui chegaste. Éramos apenas cópias apagadas e mal feitas dos seres que deverias nestes páramos encontrar.
Mas nós não sabíamos o que estávamos fazendo.
E que, aos poucos, rompendo e fragmentando os nossos tecidos fracos que nas pontiagudas pedras de nosso caminho se esfacelam, tentamos conhecer, tentamos compreender e tentamos agora saber o que estamos fazendo.
Perdoa-nos!
(Para quem, remotamente, se lembrar das palavras acima escritas:
Este texto meu foi publicado no Jornal “Barriga Verde” há quarenta anos,
em um Domingo de Ramos. Ampliando-o, o reescrevo agora.)