Ministro do STF diz que são “estarrecedoras” as cenas da audiência
O Senado aprovou nesta terça-feira, 3, nota de repúdio contra a conduta do advogado, do promotor e do juiz envolvidos no julgamento do caso da influenciadora digital Mariana Ferrer. A jovem acusou o empresário André de Camargo Aranha de estupro, em episódio ocorrido em 2018, em Santa Catarina. A justiça, no entanto, inocentou o empresário, entendendo que não havia provas para caracterizar a intenção do estupro, no que foi chamado de “estupro culposo”. Como não existe esta tipificação criminal no Brasil, Aranha foi inocentado.
O Senado repudiou o advogado de defesa do acusado, Cláudio Gastão da Rosa Filho, o promotor de justiça Thiago Carriço de Oliveira e e o juiz do caso Rudson Marcos, por “distorcerem fatos de um crime de estupro, expondo a vítima a sofrimento e humilhação”. No requerimento apresentado à Mesa da Casa, o senador Fabiano Contarato (Rede-ES) afirmou que a modalidade de estupro “é crime onde a intenção sempre está presente. É crime doloso”.
“Não importa se a vítima está dormindo ou se está alcoolizada, drogada ou sob qualquer outro efeito. Não havendo consentimento, fica configurado o crime de estupro”, acrescentou Contarato.
Durante o julgamento do caso, conforme divulgado pelo site The Intercept Brasil, Mariana foi humilhada pelo advogado de Aranha. Ele mostrou fotos da vítima e, de acordo com o senador, “fazendo comentários impertinentes e misóginos”.
Alesc
Deputados criticaram veementemente a decisão sui generis da Justiça catarinense na sessão virtual desta terça-feira da Assembleia Legislativa.
“Estou indignado com uma matéria que a pouco o site Intercept publicou. Falar que teve estupro culposo, que estuprou sem vontade. Espera lá, vou falar de um caso antiguinho, da Mariana Ferrer, que disse que foi estuprada numa casa de eventos chic aqui de Florianópolis. Imagine que a Justiça quer dizer que o estupro foi culposo, que (o estuprador) não estava com intenção de estuprar”, ironizou Kennedy Nunes (PSD).
O deputado exibiu vídeo do julgamento, avaliou que a vítima foi desrespeitada pelo advogado do acusado e criticou a postura passiva do juiz e do promotor.
“A vítima é escrachada e ninguém ali, nem o juiz, nem o promotor público falou nada, permitiram esse escracho. Meu repúdio total ao advogado, pela ação que fez. E meu repúdio a este fato, tem de acabar com essa vergonheira da Justiça”, propôs o representante de Joinville.
Marcius Machado (PL) concordou com Kennedy. “A menina foi esculachada e o juiz e o promotor ficaram quietos”.
Ministro do STF fala em “tortura”
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, também se manifestou sobre o caso, no Twitter. Ele chamou de “estarrecedoras” as cenas da audiência e o tratamento dado a ela, classificado pelo magistrado de “tortura e humilhação”.
A Corregedoria Nacional de Justiça divulgou que vai apurar a conduta do juiz do caso Rudson Marcos, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, na condução do caso.
Governo
O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos divulgou nota sobre o julgamento onde manifesta “veemente repúdio ao termo “estupro culposo” e afirma que acompanhará recurso já interposto pela denunciante em segundo grau, confiando nas instâncias superiores”.
“O MMFDH informa que acompanha o caso e que, quando a sentença em primeira instância foi proferida, em setembro, a Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres (SNPM) manifestou-se questionando a decisão, com envio de ofícios ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ao Conselho Nacional do Ministério Público, à Corregedora-Geral de Justiça, à Ordem de Advogados do Brasil (OAB) e ao Corregedor-Geral do Ministério Público de Santa Catarina.”, disse a nota.
MPSC defende promotor
A 23ª Promotoria de Justiça da Capital, que atuou no caso, reafirma que combate de forma rigorosa a prática de atos de violência ou abuso sexual, tanto é que ofereceu denúncia criminal em busca da formação de elementos de prova em prol da verdade. “Todavia, no caso concreto, após a produção de inúmeras provas, não foi possível a comprovação da prática de crime por parte do acusado”. Leia a nota na íntegra:
“Cabe ao Ministério Público, na condição de guardião dos direitos e deveres constitucionais, requerer o encaminhamento tecnicamente adequado para aquilo que consta no processo, independentemente da condição de autor ou vítima. Neste caso, a prova dos autos não demonstrou relação sexual sem que uma das partes tivesse o necessário discernimento dos fatos ou capacidade de oferecer resistência, ou, ainda, que a outra parte tivesse conhecimento dessa situação, pressupostos para a configuração de crime.
Portanto, a manifestação pela absolvição do acusado por parte do Promotor de Justiça não foi fundamentada na tese de “estupro culposo”, até porque tal tipo penal inexiste no ordenamento jurídico brasileiro. O réu acabou sendo absolvido na Justiça de primeiro grau por falta de provas de estupro de vulnerável.
O Ministério Público também lamenta a postura do advogado do réu durante a audiência criminal, que não se coaduna com a conduta que se espera dos profissionais do Direito envolvidos em processos tão sensíveis e difíceis às vítimas, e ressalta a importância de a conduta ser devidamente apurada pela OAB pelos seus canais competentes.
Salienta-se, ainda, que o Promotor de Justiça interveio em favor da vítima em outras ocasiões ao longo do ato processual, como forma de cessar a conduta do advogado, o que não consta do trecho publicizado do vídeo.
O MPSC lamenta a difusão de informações equivocadas, com erros jurídicos graves, que induzem a sociedade a acreditar que em algum momento fosse possível defender a inocência de um réu com base num tipo penal inexistente.”