Um amor em outra dimensão

À procura de algo, à procura de alguém ela passou a sua vida inteira. Dizia-me que sempre haveria um novo amor para preencher um vazio.

E num crescente amoroso foi encontrando pelos caminhos percorridos os mais fabulosos companheiros de jornada.

Sua solidão era curta e sempre compensada pela companhia de gente de grande sensibilidade como ela.

Tinha seus desencantos, tinha suas decepções. Mas quem não as tem?

Vivia intensamente. Entre livros e estudos, em busca da perfeição. Ouvindo as melodias que tocavam o fundo do seu ser. Ou assistindo concertos e aplaudindo espetáculos de balé. Quando seu interior estava em revolução, procurava demonstrar a todos que era a mais feliz das criaturas.

Havia fases de apatia total e levava então em escala metódica o seu quotidiano viver. Mas lá bem dentro do seu escondido eu estava sempre apaixonada.

Apaixonada pelos pássaros das canções do entardecer. Por aquelas ensolaradas manhãs de estonteantes céus azuis.

Por aquele sol filtrado através dos ramos coloridos das árvores.

Por aquele horizonte total, poético que era só seu e que só ela podia perceber, sentir e até palpar.

Pelos sorrisos das crianças.

Pelo verde que a primavera coloria. Pelo amarelo das folhas do outono. Pela álgida brancura das manhãs de inverno. E no multicolorido verão mudava até de humor. Deixava transparecer em sorrisos e alegrias aquele calor total que a natureza lhe trazia.

Eu jamais vira alguém sentir assim, tão intensamente, tudo o que de belo havia em seu redor. E ela via beleza até em coisas que o mundo em torno dela achava difícil de entender.

Realmente, poucos a compreendiam. E até esses poucos muitas vezes a tinham por louca. Louca ou desligada. Porque vivia ligada em outras esferas. Mas era alguém que tinha o dom de assim se mostrar para todos, como se um importante papel estivesse em um palco a desempenhar.

Mas, interiormente, sofria muito. Sentia sempre uma saudade intensa de algo indefinível. De uma vida já vivida. De lugares que nunca vira…

E procurava sempre encontrar alguém que com ela afinasse nos sonhos e nas ilusões. E depois de uma longa fase de solidão amorosa ela me contou ter encontrado alguém que cobria todas as aspirações que há tanto tempo buscava.

Mesmos ideais. Mesmas loucuras. Mesmos cismares. Até seus erros eram iguais. Foi sua última troca de amor. E nunca mais me falou que um amor curasse outro, como sempre afirmara.

Foi um desligamento abrupto e desde então tem estado a vagar de galho em galho, feito irrequieto passarinho. Sempre à procura de alguém que supere aquele último grande amor. Deu-me até a impressão de ter se prostituído.

Não, perdão, não é esse o termo, não seria esta a palavra para definir os amores passageiros que agora encontrava, não. Não eram amores mercenários. Eram efêmeros amigos num anseio doido e doído de ter novamente um carinho, um aconchego, mesmo que por poucas horas.

No amanhecer do dia seguinte a amargura da solidão outra vez. A fuga de si mesma. A lembrança de quem fora o clímax em sua vida.

E assim continuava. Às vezes muito triste, chorando em cataratas, em louco desespero, no isolamento de seu quarto só, fugindo de todos os ouvidos e todos os olhares. Chorando na chuva, a confundir suas lágrimas com as lágrimas que do céu desciam.

E enquanto cultiva em seu âmago a convicção de que o grande amor ainda apontará no infinito azul, continua sempre a se comover com os belos gestos, as belas músicas, com o obrigado que lhe dizem, com as flores que lhe mandam, com a chuva que cai, com a lua cheia no horizonte, com o sol que brilha, com o céu azulado, com o arco-íris…

E eu a vejo agora como se fora uma criança que começa a adolescer. Eu a vejo agora compreendendo que o amor está em tudo e deve ser procurado no sorriso das crianças, no colorido das flores, na ajuda ao velho estropiado e embranquecido pelos anos, no alívio à dor alheia.

Compreendeu ser este o amor que engrandece o solitário transeunte de nosso planeta.

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