A descoberta de Portugal (II)

Após o café da manhã de um novo dia que nascera esplendoroso saímos para novas aventuras com o amigo arquiteto que já nos esperava no saguão do hotel.

Um bonde foi o veículo inicial de nossas andanças. Depois riscamos Lisboa de metrô enroscando-nos em todos os cantos e recantos possíveis. Conhecendo os locais históricos, as deslumbrantes paisagens, o Tejo e suas margens cheias de lendas, as antigas carruagens, dos Jerônimos o Mosteiro, de nosso Dom Pedro I que deles era o IV as relíquias guardadas …

E enquanto vagávamos pelos subterrâneos o arquiteto ia nos contando as peripécias da pensão onde hospedado estava. Notamos que suas roupas estavam sempre limpíssimas, passadíssimas, não condizentes às de um viajante solitário. E ele ia nos contando que no horário nobre em que um canal de televisão de Portugal exibia os capítulos de uma novela brasileira o silêncio que se fazia era quase tumular. Então ele ameaçava contar os capítulos futuros. Para silenciá-lo faziam-lhe todas as vontades.

Desnecessário ficar tentando descrever os espaços e monumentos históricos. Não há quem deles não tenha tido conhecimento nos dias de hoje. Quem ainda lá não esteve viaja ao simples toque de uma tecla em qualquer instrumento interligado no espaço à rede mundial.

Mas gosto de falar da Torre de Belém debruçada sobre as águas. Enquanto estava me embevecendo com sua imponente estrutura, com as imagens nela esculpidas e com a sua magnífica arquitetura tecendo histórias percebo uma azáfama diferente entre as pessoas lá aglutinadas.

            Eram pessoas que colecionavam moedas de todas as partes do mundo e qual melhor local senão aquele onde centenas de turistas se cruzam diariamente? Lá deixamos os últimos centavos e cruzeiros em forma de moedas que carregávamos ainda nos bolsos e bolsas.

            O que achei de mais impressionante e que da memória não me sai é a imagem daquelas mulheres, todas de preto vestidas, com compridas saias, meias e sapatos pretos fechados, em pleno verão. E cobrindo-lhes a cabeça também um preto véu. Que não era de fina renda e nem de filó, mas de um grosso pano de algodão.

            Eu já as notara desde o aeroporto de São Paulo. Mulheres retornando à terrinha antiga. E em Lisboa, como no restante de Portugal onde estive, em todos os lugares eu as encontrava. Eram as viúvas eternas. Naquela época o traje simbolizando a viuvez era sagrado e permanente.

            Na última vez em que lá estive, ao nosso guia, que era português, perguntei por elas e ele, sorrindo me explicou que nem com lanterna, em pleno sol, hoje em dia eu as encontraria. Este hoje em dia foi há quase dez anos. Eram decorridos já vinte anos desde a minha primeira incursão à Península Ibérica.

            E eis que o nosso grupo encolhe. Nossa amiga segue para o norte em direção a Bélgica e o arquiteto ruma para o sul do continente em busca de sua meta.

Enquanto aguardávamos, na plataforma da gare Santa Apolônia, que cada um tomasse o seu comboio, Jucy e eu consultávamos os horários de partida dos trens para nossos itinerários futuros, as nossas andanças pelas ferrovias do velho continente.

            Mas muita coisa ainda para se desfrutar dentro de Lisboa.

Andar pelo bairro de Alfama é algo que deve ser repetido a cada vez que se vai até aquela terra. Casario antigo, sobrados altos e tão estreitas as ruas que mãos se alcançam em afagos, donas de casa trocam receitas e comidas, cochichos e segredos através das janelas olhando os passantes lá em baixo.

Bandolins solando fados e as mais apetitosas sardinhas assadas diretamente na brasa, cenário de musicalidade e poesia intensas a desfilar em cada esquina desta Alfama inesquecível.

Mãos e rosto encarvoados deram o toque diferente ao sabor inigualável do genuíno prato ali servido em toscas mesinhas de madeira com o mais puro vinho português. E tudo sob os acordes dedilhados dos sonoros instrumentos de corda acompanhando cantores a entoarem saudosos e melancólicos fados.

Esta Lisboa que eu vi, que eu vivi, que eu senti está no aconchego mais fundo de minh’alma, pois eu a desfrutei com intensidade e calor.

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