Em terras de Espanha (III)

Continuando a nossa caminhada pelas estreitas e sinuosas ruas da medieval cidade de Toledo nos deparamos com a monumental catedral (foto) que impressiona por sua iluminação natural. Construída em uma época onde janelas e vitrais ainda não faziam parte da arquitetura destes “Pilares da terra”(*), a luz emerge, fulgurante e bela, de uma abertura na imensa abóboda, calculadamente projetada para fazer incidir os raios do sol por toda a nave.

Personagens retratados por El Greco nas maravilhosas imagens que impregnam suas paredes parecem saltar de seus nichos para vir confabular conosco e nos contar dos mistérios que as envolvem.

Chegada era a hora de almoçarmos. Uma ocasião eu lera numa revista que lá não se poderia deixar de saborear a famosa galinha estufada de Toledo e fomos atrás do citado restaurante onde este prato era servido. Realmente, o tempero era excelente, o sabor era excelente, o aroma era excelente. Mas, afinal o que era a famosa galinha estufada de Toledo?  Era nada mais que a nossa tão conhecida e corriqueira galinha recheada, igual a que minha preparava em todos os domingos …

Tudo é importante ver e admirar nessa instigante cidade. Cidade do mais forte, místico e inquebrantável aço forjado, de espadas famosas e das peças damasquinadas.

Ver in loco o artesão montando brincos, camafeus, pingentes, enfim o que se imagina em ourivesaria, incrustando partículas de ouro ou prata em finíssimas placas de aço ou ferro, formando imagens coreográficas até.

 E depois de um tal de sobe e desce ladeiras chegada era a hora de retornar a Madrid. Hora de arrumar nossas trouxas, dar mais uma olhada na noite madrilena e ouvir mais uma vez seus cantos e suas vozes. Cedo, muito cedo, quase madrugada ainda do dia seguinte, partiríamos rumo à Riviera Francesa.

Através da vidraça meus olhos encontram, do outro lado da rua, as grandes letras que anunciavam o filme em cartaz no cinema em frente: “Férias frustradas na Europa”. A frustração nossa era apenas o escasso tempo e os poucos dólares de que dispúnhamos, não nos permitindo uma estadia mais longa.

 E a manhã ainda era jovem quando chegamos em Barcelona onde deveríamos fazer uma baldeação e aguardar o comboio que nos levaria a Nice.

Houve tempo suficiente para, na terra de Gaudi, percorrermos, a pé, algumas ruas no entorno da estação ferroviária e tomarmos um bom café da manhã. E logo percebemos o diferente espanhol falado na Catalunha. No cupom que discriminava o nosso consumo escrito estava cafelé significando a taça de café com leite que eu havia tomado.

Muitas pessoas circulando naquela estação, a maioria vinda de países do norte da Europa, em busca do sol do verão mediterrâneo. Percebia-se que eram jovens estudantes em férias, tendo sempre como única bagagem um grande e comprido volume que carregavam às costas. Um volume que continha seus pertences, suas roupas, sua barraca e seu saco de dormir. Eram os caracoles, levando sua casa às costas.

Conhecemos ali uma moça nórdica, muito alta, muito esguia, muito magra, muito loira, de pele muito alva, com um bebê ao colo, um enorme cachorro de um lado, imensa mala de outro e às costas ainda o seu saco de dormir, seu caracol, enrodilhado. Pediu nossa ajuda para atendermos seu bebê enquanto tomava um banho. Já estava viajando há quase dois dias e aguardava amigos que a vinham encontrar para seguirem a Biarritz.

E logo depois estávamos embarcadas no comboio que nos levaria até a Riviera Francesa. Passamos por lugares maravilhosos à beira-mar. Passar por Marselha foi algo indefinível. Parecia que a cidade, margeada por longuíssimo cais, não acabava mais.

Desembarcamos em Nice já quase à noite. Quase, porque era verão. Quase porque era horário de verão. Mas ainda fizemos um giro pela cidade antes de mergulharmos em profundo e repousante sono.

No dia seguinte iríamos conhecer a região dos sonhos dourados, onde abonados do mundo, por décadas, desfilaram lágrimas e fortunas, onde artistas de cinema subiram aos píncaros da glória ou relegados foram ao ostracismo absoluto.

(*) “Pilares da Terra”, romance de Ken Follet, uma história de ficção que gira em torno da arquitetura das catedrais europeias.

 

 

 

 

 

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