Na Italia dos meus sonhos (VI)

Em Pádua de Antônio e em Verona de Nonna Thereza

 

[dropcap]N[/dropcap]um amanhecer um tanto ainda nebuloso com os raios do sol espalhando-se pelas águas do Adriático, pelas águas da Laguna de Veneza, pelas águas do grande canal, fomos deixando aquele pedaço encantado. Embarcamos num vaporeto que nos levou até a estação ferroviária onde as nossas mochilas ficariam guardadas junto com as malas que já há alguns dias lá se encontravam.  E tomamos um trem, primeiramente rumo a Pádua e depois a Verona.

Basilica_di_SantAntonio_da_PadovaEm Pádua queríamos apenas visitar a Basílica do miraculoso Antônio, o santo que conseguiu deixar seu físico estático em um local e aparecer com seu espírito materializado em outro.

Uma Basílica de encantos. Com milhares de velas votivas acesas. Com um desfilar sem fim de peregrinos a pedir graças e a agradecer bênçãos do Alto emanadas.

Uma Basílica com um jardim interno belo e pleno de paz onde o trinado dos passarinhos parecia acompanhar o som do órgão que dentro da nave ecoava.

Foi rápida nossa passagem por Pádua. Porque Verona era a cidade, o local aonde eu mais ansiava estar.

E foi num dia de muita luz que percorremos a cidade dos eternos namorados, a cidade de Romeu e Julieta, mas, o mais importante, para mim, a cidade de minha Nonna Thereza.

Conhecer Verona, a cidade italiana da qual muito mais que de Roma, já em criança, em minha casa, eu ouvia falar. Verona, a terra de onde viera minha Nonna Thereza que era Caillotto de família. A minha linda Nonna Thereza de olhos azuis por quem um veneziano que tinha uma argola de ouro em uma das orelhas se apaixonou. Meu Nonno veneziano, o Nonno que eu não conheci, o Nonno Marcelino Castagna que depois Castanha se tornou nos documentos da terra que adotou.

  Verona, considerada a mais italiana das cidades da Italia, a cidade do nascedouro das artes, a cidade de Paolo Veronesi, com tantos lugares para se ver além da casa de Julieta. Debrucei-me na amurada da bela ponte Scaligero sobre o Adige, o rio que corta Verona e visitamos a bem conservada Arena, o Anfiteatro Romano, a Catedral Gótica e a Igreja Românica de San Geno.

Mas a emoção maior foi passar pela Porta de San Michelle, a porta por onde passava o povo da campanha de San Michelle, da campanha onde os Caillotto viviam. A campanha de San Michelle de Verona onde minha Nonna Thereza nasceu e viveu sua juventude de sonhos.

 A Porta de San Michelle por onde minha Nonna Thereza passou tantas vezes com seu carreto carregado de produtos do campo para vender na cidade. Trazendo ovos e leite, manteiga e queijo, frutas e verduras, couro e banha. Mas trazendo também tecidos de seda. Trazendo também tecidos de lã.

Sim, tecidos de lã, da lã das ovelhas que nos pastos criavam, da lã que enrolavam, da lã que enleavam e em tecidos em seus teares transformavam.

Sim, tecidos de seda, da seda dos bichos-da-seda que nas frondosas amoreiras cultivavam, da seda que enrolavam e enleavam e em tecidos em seus teares transformavam.

Porta de San Michelle
Porta de San Michelle

A Porta de San Michelle por onde da cidade saiam portando consigo o que não produziam e do que necessitavam para o seu dia-a-dia.

A Porta de San Michelle de onde Nonna Thereza saiu um dia, muito jovem ainda, com seus poucos pertences e seu já grande conhecimento da vida rumo à América, à nossa América.

A Porta de San Michelle por onde Thereza Caillotto Castagna e depois Gobbi, saiu com as preciosas joias que lhe couberam como herança de família. As preciosas joias de família das quais ela se desprendeu para que em nossa terra fosse erguido um hospital.

Nonna Thereza que veio de Verona e que não apenas de suas preciosas joias de família se desprendeu. Desprendeu-se, também, de milhares de horas de sua vida num imenso trabalho para ver concluído e inaugurado o Hospital Santa Cruz de Canoinhas.

 Nonna Thereza que não aceitou que o nome do hospital fosse Thereza Gobbi como pedia o povo de nossa terra há quase oitenta anos.

Nonna Thereza que não aceitou ver seu nome, ainda em vida, em uma praça da cidade de Canoinhas, como propusera um prefeito daquela época.

Nonna Thereza que nunca mais foi lembrada para que seu nome fosse consagrado e se perpetuasse em alguma via pública de nossa cidade.

Pela Porta de San Michelle, em Verona, passou um dia, pela última vez, uma jovem sonhadora de nome Thereza Caillotto Castagna, depois Gobbi que semeou e plantou um hospital na Terra de Santa Cruz de Canoinhas.

As sombras alongavam-se já pelo Adige quando retornamos à gare de Veneza. Para ainda procurarmos por um hotel em sua cercania. O dia tinha sido de intenso caminhar e de intensas emoções. Na manhã seguinte, de Veneza Mestre seguiríamos para Viena, para a terra de meu outro avô. Para a terra de meu avô paterno.

 

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