100 ANOS DA COMARCA: A comarca de Canoinhas e os primeiros jurados

Em 2 de agosto de 1913 era instalada oficialmente a Comarca da cidade de Canoinhas, pouco menos de dois anos depois de a cidade ser desmembrada de Curitibanos

 

Fernando Tokarski *

 

Em 2013 comemora-se o centenário da comarca de Canoinhas. Vale a pena anotar alguns fatos que agora chegam a um século e permeiam a história da justiça em Canoinhas. Festivamente instalada aos 15 de novembro de 1913, bem num dia em que se registrava o décimo quarto aniversário da teatral proclamação da República, a comarca de Canoinhas logo foi abalada pelas refregas da Guerra do Contestado. As ações judiciárias foram paralisadas e suas autoridades preferiram fugir da cidade. Justo num momento em que o judiciário devia estar mais presente, preferiu a omissão. A salvar a lei e a ordem, preferiu-se salvar a pele! A comarca ficou às traças e a vida forense local em petição de abandono e de miséria.

 

 

Porém, neste artigo preferimos fazer ligeira retrospectiva acerca dos primeiros integrantes do corpo de jurados e do expurgo de alguns àquelas listas, invocando-se razões que hoje nos apresentam chistosas. Claro que há um século os tempos eram outros e o sistema legal também muito diferia dos nossos dias.

 

 

 

Aos 19 de dezembro do mesmo ano o juiz Mileto Tavares da Cunha Barreto presidiu a junta que qualificou os primeiros 75 membros do júri da novel comarca. Obviamente que a escolha recaiu sobre os “homens bons” do vasto município, que naquela época ainda não compreendia os territórios incorporados a partir de 1916, quando oficialmente se encerrou a Guerra do Contestado. A maioria dos jurados era composta das gentes rurais. Hoje é difícil de imaginar as andanças de um oficial de justiça daqueles tempos, sertão adentro, troteando no lombo de um cavalo, à procura dos jurados, intimando-os. Cavalgava-se até mais de 50 km para intimar um jurado que poderia estar ausente!

 

 

 

Mas só aos 12 de fevereiro de 1914 realizou-se o sorteio dos primeiros 28 jurados que um mês depois deveriam comparecer à primeira sessão ordinária do tribunal do júri. Da urna o menino Gotlieb, filho de Carlos Seckellin, escolheu esses jurados: Amador de Deus Bueno, Francisco Affonso Ribeiro Cubas, João Antonio Bueno, Theodolindo Villanova, Lucas José Prates, Julyo Eloy da Costa, Guilherme Grein, Theodoro Maria de Agostinho, Américo Alves Lourenço, Luiz Damaso da Silveira Filho, José Gonçalves dos Santos, José Sabatke, Alberto Sidral Schwartzbach, Ermelino da Rocha Possidonio, João Correa de Oliveira, Francisco Teixeira da Rocha, Antonio dos Santos Veiga, Augusto de Almeida Mello, Antonio Soares dos Santos, Evaristo Rodrigues da Silva, Clementino Thomaz Vieira, José Corrêa da Silva, Frederico Grobe, Theodoro de Andrade, Henrique Damaso da Silveira, Estanislau Schumann, João Leandro de Souza e Avelino Bueno de Siqueira. Nenhum deles residia na área urbana de Canoinhas.

 

 

 

Para a segunda sessão ordinária do tribunal, aos 12 de maio do mesmo ano foram sorteados mais 28 jurados. Alguns nomes já haviam integrado a lista anterior e todos deveriam comparecer à sessão prevista para 12 de junho: Melchisedeck de Deus Bueno, José Thomaz de Mattos, Laurindo Cordeiro Bello, Theodolindo Villanova, João Estacio dos Santos, Francisco Salles, José Gonçalves dos Santos, João Leandro de Souza, Sebastião José da Silveira, Timotheo Borges Pinto, Evaristo Rodrigues da Silva, Estanislau Schumann, Julyo Eloy da Costa, Rufino Ferreira Fernandes. Adolpho Hoepers, João Antonio Bueno, Odorico Braz da Costa, Antonio Bueno de Siqueira, Ermelino da Rocha Possidonio, Simeão Estellita de Souza, Luiz Ignacio Vieira, José Romão Pereira, Alberto Sidral Schwartzbach, José Sabatke, Ameico Alves Lourenço, João Corrêa de Oliveira e José Corrêa da Silva. Da mesma forma que a anterior, essa lista completou apenas moradores do interior, incluindo agricultores, comerciantes e fazendeiros. Essa sessão foi a última a funcionar antes que se desencadeasse em Canoinhas a Guerra do Contestado. Aos 16 de julho de 1914, um dia após o primeiro ataque dos revoltosos, o juiz Barreto abandonou a cidade. No dia seguinte, o promotor público Augusto Lustosa Ferreira de Freitas, que assumira há 30 dias, também deixou o seu cargo.

 

 

 

Porém, meses depois, aos 15 de fevereiro de 1915, no acirramento dos principais confrontos bélicos regionais, o escrivão interino Bento de Oliveira Sobrinho redigiu ligeira ata esclarecendo que o juiz Antonio Selistre de Campos “…não convocava o Jury em vista de estar esta Commarca em completa anormalidade com levante dos fanaticos  e occupada militarmente pelas forças federaes, paralisando destarte a vida forense.” A pequena cidade de Canoinhas era uma praça de guerra. Os soldados estavam por toda a parte e a maioria da população civil abandonou suas casas, confinando-se no Paraná e alguns no vale do Itajaí.

 

 

 

 

JUIZ EM EXERCÍCIO

Nova ata foi redigida aos 10 de maio, desta vez sob a presença do juiz de direito em exercício, Adolph Bading, figura das mais ilustres de Canoinhas, que assumiu as funções em substituição aos fujões. No entanto, a reunião não prosperou pela ausência do escrivão de paz João Vicente Ferreira, o “Nenê Vicente”, decerto outro que se evadiu da cidade. Assim, na sua rigidez prussiana, Bading estabeleceu multa ao ausente. Com o arrefecimento das hostilidades da Guerra do Contestado, cinco dias depois Bading convocou nova reunião, designando 15 de junho para a data do novo sorteio de jurados e realização de uma sessão do tribunal de júri.  Desta feita, mais da metade dos jurados era composta por moradores da cidade: Miguel Arnold, Augusto de Almeida Mello, Luiz Guilherme Scholz, Juvenal Firmo de Carvalho, Henrique Damaso da Silveira, Herculano Xavier Neves, José Bonifacio da Cunha, João da Silva Trindade, Avelino Rosa dos Santos, Rudolph Wolff Filho, Timotheo Borges Pinto, Guilherme Weber, Antonio Rodrigues Pereira, Carlos Lenz e João Franck.

 

 

 

Só aos seis de outubro, quando as beligerâncias da guerra estavam amainadas, o juiz Antonio Selistre de Campos voltou a presidir uma reunião para nova escolha dos membros do júri popular da comarca. Antes, aos 15 de julho, após um ano de paralisação dos serviços forenses, Campos realizou a primeira audiência tratando de ações executivas de cobrança.

 

 

 

Aos 18 de dezembro ocorreu a primeira revisão da lista dos jurados, presidida pelo juiz de direito em exercício, Virgílio Carlos Marcondes. Outros nomes foram incorporados, subindo a relação para 142 pessoas. A revisão se fez necessária por razões óbvias e por outras que, como já dissemos, hoje nos parecem curiosas. Americo Alves Lourenço, Sebastião José da Silveira, Francisco Reckssua e Emilio Gothard Wendt foram excluídos por falecimento; Guilherme Grein, Simeão Estellita de Souza, Manoel Freitas Trancoso, Pedro Leão de Carvalho, João Silveira de Souza, Juvenal Firmo de Carvalho, Antonio Tavares Junior, Octavio Leão de Carvalho, Eugenio Manoel de Souza e Francisco Salles deixaram de integrar a lista porque foram viver em outras praças. Já Evaristo Rodrigues da Silva, João Antonio Bueno, João Estacio dos Santos, Alberto Sidral Schwartzbach, Avelino Bueno de Siqueira e Antonio dos Santos Veiga foram expurgados por “… não terem renda sufficientes, que possam se apresentar decentemente.” Ou seja, eram paupérrimos e não podiam vestir os trajes de costume! Logo, não podiam comparecer a uma sessão do tribunal do júri.

 

 

 

 

EXCLUÍDOS

Uma nova devassa na lista de jurados ocorreu aos 10 de dezembro de 1917, impetrada pelo juiz Gil Costa. Desta feita por morte foram excluídos Miguel Pereira dos Santos, João da Silva Trindade e Augusto Pfau; por motivos de moléstia os nomes substituídos foram os de José Romão Pereira, Antonio Soares dos Santos, Candido Thomaz Vieira, Miguel Bento de Oliveira, Lourenço Taborda Ribas e Manoel José Leôncio. Ermelino da Rocha Possidonio foi defenestrado da lista sob o argumento de não possuir recursos, assim como Amancio Soares dos Santos. João Corrêa de Mello e Antonio Schaidt tiveram seus nomes riscados por serem idosos. Uma leva de dezessete nomes, porque deixaram o município. Entre eles, Wilhelm Hasse, o primeiro farmacêutico de Canoinhas. Paulo Müller, Henrique Kessin, Feres João Sphair e João Corrêa da Silva deixaram de constar no rol dos jurados em razão de serem analfabetos.”

 

 

 

José Rodolpho Sobrinho teve seu nome suprimido por estar sofrendo de perturbações mentais, enquanto Antonio Elias Sphair, Joaquim Gonçalves dos Santos e Joaquim Brande dos Santos, o famigerado “Nero” da Guerra do Contestado, braço direito de Pedro Leão de Carvalho, o “Pedro Ruivo”, por estarem respondendo a processos. Logo depois, em razão das estripulias praticadas durante o conflito, “Nero” foi indiciado num summario de culpa, nome que naquele tempo se dava ao processo-crime, e acabou assassinado pelas mesmas razões aos 18 de janeiro de 1919.  Como não entendia a língua portuguesa, Oscar Schindler também foi suprimido da lista forense, ocorrendo a mesma situação com Otto Kintzel, que era estrangeiro. Depois de 1917 a renovação da lista de jurados não teve grandes novidades; a maioria saiu dela por simples mudanças de domicílios. Porém, aos 30 de dezembro de 1923 o juiz Lauro Sodré Lopes determinou que José Schiessl e José Grosskopf fossem banidos da lista, pois tinham dificuldades em se expressarem em português.

 

 

Fazendo-se simples análise dos sobrenomes dos integrantes da primeira lista de jurados, pode-se considerar que dos 75 nomes arrolados, tão somente 18 tinham descendência europeia não ibérica. Desses, 14 eram de origem germânica, três eram polacos e um descendia de italianos. Praticamente todos os germânicos eram urbanos. Assim, 57 ou a maioria dos jurados compunha-se dos chamados elementos nacionais. Na segunda lista, qualificada aos 18 de dezembro de 1915, dos 142 componentes 58 tinham descendência europeia: 44 eram germânicos, quatro polacos, quatro italianos, cinco libaneses e um francês.

 

 

*Fernando Tokarski, historiador, sócio-efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina (IHGSC); membro da Academia de Letras Vale do Iguaçu.

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