A música e os sabores de Budapest

Quando a noite em Budapest já se anunciava, em busca de um restaurante a necessidade orgânica nos impelia. Aleatoriamente fomos em busca de algo perto de nosso hotel.

Seriam estes locais todos assim? Ou por sortilégio escolhemos um maravilhoso espaço intuídas por fadas de almas sensíveis?

Não era um grande salão. Era um aconchegante salão. Não havia uma suntuosa decoração barroca. Nem vitrais ou lustres reluzentes. Nem paredes lisas e nuas. Era sóbrio e era alegre.

E era pleno de música. De viva música. Tiradas das cordas de afinados violinos. De um quarteto de violinos. De inebriantes cordas solando de Monti, as Czardas, de Sarasate, as Canções Ciganas, de Lizst, as Rapsódias e ainda de Brahms as Danças Ciganas. E, ao fundo, um piano a tudo acompanhando.

Impressão de um banquete em minha mente. Com flores e velas acesas em finos castiçais em todas as mesas.

E o delicioso manjar húngaro sendo servido em fina porcelana. Com talheres de prata lavrada. E em taças de cristal, o saboroso vinho da região do Balaton. E a cristalina água mineral oriunda dos Cárpatos. E uma divina torta folheada gelada com creme de cerejas como sobremesa.

A surpresa maior veio ao final quando nossos olhares incidiram sobre o total de nossa despesa. Quanto seria de se imaginar por todo este deslumbre gastronômico e musical? Estarrecida ainda fico ao me lembrar. Incluindo a gorjeta não pagamos mais de dez dólares … para duas pessoas.

Piscina de águas termais em Budapeste/Divulgação
Piscina de águas termais em Budapeste/Divulgação

Budapest esbanja fontes de águas termais de grande valor terapêutico. Embora nosso modesto hotel não oferecesse locais específicos para delas desfrutarmos, tenho certeza que as águas que fluíam das torneiras e chuveiros provinham de uma dessas fontes. Porque foi um inefável bem estar que por mim passou após sentir aquelas águas envolverem meu corpo todo dentro de uma confortável banheira.

O impensável e o imprevisível foi a mesa do buffet do café da manhã. Havia a costumeira variedade de pães claros e escuros, havia o salame e a salsicha, havia a manteiga e o queijo, havia o creme de leite e o chá. E muito mais eu vi naquele buffet de café da manhã. Eu vi pepinos e pimentões cozidos e picantes sendo saboreados com avidez por muitos hóspedes vindos da própria Hungria e ou das regiões eslavas circunvizinhas.

Mas e o café? A nossa Coffea arabica? Havia sim, mas não fazia parte da diária. Era servido à parte. Em xicrinhas. Claro que em uma única dose não daria para ficar. Somos movidos a café.

Então deixamos o hotel. Muitos giros ainda a se fazer. Do outro lado do Danúbio.

Estávamos já na calçada, defronte ao hotel, com nossas mochilas às costas, estudando o rumo a tomar, quando, esbaforida, uma camareira corre ao nosso encontro, portando consigo várias peças de roupa. Que eram minhas. O meu indefectível conjunto que em todas as noites comigo passeava. Com todo o cuidado, na véspera, eu o dependurara no armário. Para o mínimo amarrotamento. E la na Hungria teria ele permanecido para sempre se aquela jovem camareira não tivesse, em fogo gravado em seu caráter, em sua educação, em seu modo de ser, as mais lídimas convicções do certo e do errado.

Tive que colocar, sob protestos, alguns florins no bolso de seu uniforme. Porque, para ela o seu ato era uma obrigação, um dever.

Ponte das Correntes, a Láckép a Lánchiddal/Divulgação
Ponte das Correntes, a Láckép a Lánchiddal/Divulgação

E o nosso ciganear vagabundo daquela manhã foi em metrô, sob as águas do Danúbio para vermos alguma coisa na parte de Pest, a cidade da outra margem. Andando por entre parques e jardins, harmonicamente desenhados e coloridos não encontramos adjetivos para definir o conjunto arquitetônico circundante. Aproximamo-nos da famosa Ponte das Correntes, a Láckép a Lánchiddal, construída no século dezenove, com a intenção de, através dela, retornarmos a Buda.

Algo, no entanto, atrai a nossa atenção. Carregando uma enorme cesta de vime cheia de maduros pêssegos, vinha em nossa direção um sorridente rapaz. Não, ele não foi atraído por nossos belos olhos. Não, ele não veio nos vender pêssegos. O que encantava a juventude húngara eram as nossas calças jeans. Desolado ele entendeu que não havia tempo suficiente para adquirirmos outros trajes em alguma loja. Um traje que ele insistia em comprar para nós em troca de nossa indumentária índigo-blue.

Conversamos muito, ele com seu inglês de sotaque húngaro e nós com o nosso abrasileirado inglês. Mas nossos olhares divagavam entre o sorriso e os olhos dele e os pêssegos no interior da cesta. Eram dourados frutos, com todas as nuances que tem o arco-íris desde o amarelo-esverdeado até o laranja-avermelhado. Não eram enormes pêssegos e nem tão sumarentos como aqueles que experimentamos em Cannes. Tinham o tamanho adequado e a adequada quantidade de sumo e um sabor … Bem, era o sabor de um fresco pêssego trazido da colônia. Sabor de um pêssego que parecia ainda estar com o orvalho daquela manhã em que do pé fora colhido.

Amante do futebol e, como todo mundo, logo ao saber que éramos do Brasil, já foi ele também falando sobre a precoce eliminação de nossa seleção naquela Copa sediada no México. Meneando a cabeça só dizia “Socrráts, Socrráts, Socrráts …” … com ar triste, como a dizer da decepção, também dele, com o nosso Sócrates.

Despedimo-nos com nossas mãos carregadas de pêssegos. Chegada era a hora de rumarmos para o cais. Ao meio dia começaríamos a subida do Danúbio em nosso retorno a Viena.

Logo ao entrar no Aliscafo o som familiar de nossa portuguesa língua com sotaque bem catarina, bem açoriano, com aquela entonação característica da Ilha, chegou aos meus ouvidos. Eram duas catarinenses usufruindo suas últimas horas na Europa. Uma era morena, franzina, de longos cabelos pretos. A outra era alta e loira. Conversa inteligente enquanto subíamos o Danúbio e depois na Westbahnhof, em Viena enquanto aguardávamos a hora de embarcarmos em nosso comboio.

 

 

 

A música e os sabores de Budapest

Quando a noite em Budapest já se anunciava, em busca de um restaurante a necessidade orgânica nos impelia. Aleatoriamente fomos em busca de algo perto de nosso hotel.

Seriam estes locais todos assim? Ou por sortilégio escolhemos um maravilhoso espaço intuídas por fadas de almas sensíveis?

Não era um grande salão. Era um aconchegante salão. Não havia uma suntuosa decoração barroca. Nem vitrais ou lustres reluzentes. Nem paredes lisas e nuas. Era sóbrio e era alegre.

E era pleno de música. De viva música. Tiradas das cordas de afinados violinos. De um quarteto de violinos. De inebriantes cordas solando de Monti, as Czardas, de Sarasate, as Canções Ciganas, de Lizst, as Rapsódias e ainda de Brahms as Danças Ciganas. E, ao fundo, um piano a tudo acompanhando.

Impressão de um banquete em minha mente. Com flores e velas acesas em finos castiçais em todas as mesas.

E o delicioso manjar húngaro sendo servido em fina porcelana. Com talheres de prata lavrada. E em taças de cristal, o saboroso vinho da região do Balaton. E a cristalina água mineral oriunda dos Cárpatos. E uma divina torta folheada gelada com creme de cerejas como sobremesa.

A surpresa maior veio ao final quando nossos olhares incidiram sobre o total de nossa despesa. Quanto seria de se imaginar por todo este deslumbre gastronômico e musical? Estarrecida ainda fico ao me lembrar. Incluindo a gorjeta não pagamos mais de dez dólares … para duas pessoas.

Piscina de águas termais em Budapeste/Divulgação
Piscina de águas termais em Budapeste/Divulgação

Budapest esbanja fontes de águas termais de grande valor terapêutico. Embora nosso modesto hotel não oferecesse locais específicos para delas desfrutarmos, tenho certeza que as águas que fluíam das torneiras e chuveiros provinham de uma dessas fontes. Porque foi um inefável bem estar que por mim passou após sentir aquelas águas envolverem meu corpo todo dentro de uma confortável banheira.

O impensável e o imprevisível foi a mesa do buffet do café da manhã. Havia a costumeira variedade de pães claros e escuros, havia o salame e a salsicha, havia a manteiga e o queijo, havia o creme de leite e o chá. E muito mais eu vi naquele buffet de café da manhã. Eu vi pepinos e pimentões cozidos e picantes sendo saboreados com avidez por muitos hóspedes vindos da própria Hungria e ou das regiões eslavas circunvizinhas.

Mas e o café? A nossa Coffea arabica? Havia sim, mas não fazia parte da diária. Era servido à parte. Em xicrinhas. Claro que em uma única dose não daria para ficar. Somos movidos a café.

Então deixamos o hotel. Muitos giros ainda a se fazer. Do outro lado do Danúbio.

Estávamos já na calçada, defronte ao hotel, com nossas mochilas às costas, estudando o rumo a tomar, quando, esbaforida, uma camareira corre ao nosso encontro, portando consigo várias peças de roupa. Que eram minhas. O meu indefectível conjunto que em todas as noites comigo passeava. Com todo o cuidado, na véspera, eu o dependurara no armário. Para o mínimo amarrotamento. E la na Hungria teria ele permanecido para sempre se aquela jovem camareira não tivesse, em fogo gravado em seu caráter, em sua educação, em seu modo de ser, as mais lídimas convicções do certo e do errado.

Tive que colocar, sob protestos, alguns florins no bolso de seu uniforme. Porque, para ela o seu ato era uma obrigação, um dever.

Ponte das Correntes, a Láckép a Lánchiddal/Divulgação
Ponte das Correntes, a Láckép a Lánchiddal/Divulgação

E o nosso ciganear vagabundo daquela manhã foi em metrô, sob as águas do Danúbio para vermos alguma coisa na parte de Pest, a cidade da outra margem. Andando por entre parques e jardins, harmonicamente desenhados e coloridos não encontramos adjetivos para definir o conjunto arquitetônico circundante. Aproximamo-nos da famosa Ponte das Correntes, a Láckép a Lánchiddal, construída no século dezenove, com a intenção de, através dela, retornarmos a Buda.

Algo, no entanto, atrai a nossa atenção. Carregando uma enorme cesta de vime cheia de maduros pêssegos, vinha em nossa direção um sorridente rapaz. Não, ele não foi atraído por nossos belos olhos. Não, ele não veio nos vender pêssegos. O que encantava a juventude húngara eram as nossas calças jeans. Desolado ele entendeu que não havia tempo suficiente para adquirirmos outros trajes em alguma loja. Um traje que ele insistia em comprar para nós em troca de nossa indumentária índigo-blue.

Conversamos muito, ele com seu inglês de sotaque húngaro e nós com o nosso abrasileirado inglês. Mas nossos olhares divagavam entre o sorriso e os olhos dele e os pêssegos no interior da cesta. Eram dourados frutos, com todas as nuances que tem o arco-íris desde o amarelo-esverdeado até o laranja-avermelhado. Não eram enormes pêssegos e nem tão sumarentos como aqueles que experimentamos em Cannes. Tinham o tamanho adequado e a adequada quantidade de sumo e um sabor … Bem, era o sabor de um fresco pêssego trazido da colônia. Sabor de um pêssego que parecia ainda estar com o orvalho daquela manhã em que do pé fora colhido.

Amante do futebol e, como todo mundo, logo ao saber que éramos do Brasil, já foi ele também falando sobre a precoce eliminação de nossa seleção naquela Copa sediada no México. Meneando a cabeça só dizia “Socrráts, Socrráts, Socrráts …” … com ar triste, como a dizer da decepção, também dele, com o nosso Sócrates.

Despedimo-nos com nossas mãos carregadas de pêssegos. Chegada era a hora de rumarmos para o cais. Ao meio dia começaríamos a subida do Danúbio em nosso retorno a Viena.

Logo ao entrar no Aliscafo o som familiar de nossa portuguesa língua com sotaque bem catarina, bem açoriano, com aquela entonação característica da Ilha, chegou aos meus ouvidos. Eram duas catarinenses usufruindo suas últimas horas na Europa. Uma era morena, franzina, de longos cabelos pretos. A outra era alta e loira. Conversa inteligente enquanto subíamos o Danúbio e depois na Westbahnhof, em Viena enquanto aguardávamos a hora de embarcarmos em nosso comboio.

 

 

 

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