Um diferente amanhecer em minha vida.
Um diferente amanhecer, prazerosamente instalada, dentro de um trailer em um camping. Sensação de aventura. Sensação de um diferente viver.
Um diferente amanhecer na expectativa de descobrir de Paris os encantos, de Paris os jardins, de Paris, os recantos.

Um diferente amanhecer com um café da manhã bem Paris. Com croissants fresquinhos. Com os inigualáveis baguetes quentinhos onde o derretido dourado da manteiga se estendia.
Depois encontrar um Banco em Joinville a oferecer um câmbio mais favorável para trocarmos nossa moeda. E ao lado dele o terminal de um ônibus que nos deixaria na mais próxima estação de metrô em Paris.
Tomamos a direção de Notre Dame. A tão famosa, cantada e decantada e de todas as formas contada Catedral de Notre Dame de Paris.

Por mais que dela se fale e por mais filmes com ela por cenário que eu tenha visto, nada jamais será igual às emoções que se tem ao vê-la, majestosa, por fora. Às emoções que me invadiram quando em seu interior eu entrei.
Eu juro ter visto o Corcunda, encurvado a se arrastar por seus nichos e torres, arcobotantes e gárgulas ou como efêmero vulto atrás da grande rosácea.
Eu juro ter visto Quasímodo ajoelhado, a olhar apaixonadamente para a sua amada musa Esmeralda envolta em chamejantes e bruxuleantes vestes vermelhas.

Costeando o Sena encontramos a Pont des Arts. Foi só atravessá-la e logo o Louvre se descortina a nossa frente. Só de vê-lo, ao longe, um frisson percorre-me inteira. O sonho dos meus sonhos do longínquo adolescer!
Frear o ímpeto de sair correndo e nele entrar foi a ordem de nossas pernas. Foi a ordem de nossa fome.
Em uma das mesas na calçada de um bistrô nós nos deliciamos com uma refeição ligeira. Onde, sentada, em cartões para minha mãe, meus irmãos e meus amigos eu derramava a saudade de casa e descrevia os encantos que já deslumbrara nesta cidade tão ímpar.
E depois, sem pressa, ver o Louvre. Sentir o Louvre. Viver o Louvre. Caminhar entre pinturas e esculturas nas quais pessoas iluminadas imprimiram a própria alma.

Naquele Louvre da década de oitenta do século passado, onde pirâmides ainda não existiam, passamos a tarde inteira. E deixar para, em visitas futuras, completar o deslumbramento do todo se ver.
Muitas obras que eu sabia lá estarem expostas não puderam, naquela primeira vez, ser contempladas. Mesmo tendo em mais duas outras ocasiões percorrido aqueles corredores e galerias sei que nem tudo ainda vislumbrei. Para que o todo possa ser realmente visto e admirado, com calma, necessárias serão infinitas horas de paciência.
Queríamos ainda subir as encostas do Sacré Coeur e desfrutar da noite em Montmartre. Mas apreciar os jardins de Paris era preciso.

Caminhar entre as coloridas flores do Jardim das Tulherias, flores que exibem todos os tons possíveis que a natureza criou embriagando-nos com sua beleza e seus aromas.
Flores de todos os tamanhos dispostas em degraus que ao rés do chão começam com miudinhas miosótis e violetas, passando pelas begônias e tulipas e chegando ao patamar mais alto com azaléas, dálias e jasmins.
E entre elas, em cada degrau, uma infindável variedade de cores e desenhos de diferentes matizes e formatos, deslumbraram-me sem cessar. Algo mais a ficar indelevelmente gravado na memória pela vida.

E foi com o perfume destas flores impregnando nossa alma que subimos as encostas da colina até a Basílica do Sacré Coeur, a branca Basílica que de longe se avista, altaneira sobre Montmartre.
Para apreciar o crepúsculo do entardecer de Paris do alto daquelas escadarias tomamos um metrô para até a sua base chegar.
Quase tive a impressão de que deveríamos ter reservado, antecipadamente, um espaço naqueles degraus de tanta gente ali acumulada para se embevecer com o espetáculo do por sol do alto do monte onde se encontra a magia daquela igreja.
E depois Montmartre, o bairro dos encantos e dos encontros da boemia parisiense. Montmartre dos artistas que com tintas impregnam telas que em inúmeros cavaletes desfilavam em minha frente.

Place du Tertre, o coração de Montmartre onde músicos enchem os ares com o antigo e tradicional som de bandoneons tão Paris.
Onde o toque parisiense mais impressionante é encontrado em cada prato saboreado, em cada taça de vinho degustado.
Com suas luzes diáfanas, amarelo-laranja, com suas coloridas lanternas mágicas em cada vitral, em cada porta.
Onde eu vi Toulouse-Lautrec alcandorado a frente de um cavalete a retratar as bailarinas do cancã. Onde eu vi Monet e Matisse, Renoir e Picasso, Utrilo e Cézanne a rir com suas taças de champanhe a mão enquanto mostravam ao povo sua arte.
Onde eu senti a embriaguez na forma de iluminados textos de Victor Hugo, Dumas, Musset, Balzac, Maupassant, Daudet, Simone de Beauvoir, Sartre …
Onde, nas paredes e nas árvores eu ouvi todos os tons e todos os sons de Piaf derramando lágrimas em cada sílaba de “Hymne a l’amour” e suas demais inolvidáveis canções.
Sentir Paris é sentir-se em Montmartre.
Mas o último metrô da noite com seu horário inexorável, com sua alma nada boêmia logo sairia.
O bom foi que para lá eu ainda pude retornar antes de cruzar o Atlântico de volta para casa.