Laudo que apontou que aparente suicídio teria evidências de homicídio provocou reviravolta em caso
No dia 14 de agosto de 2013, Maria do Carmo Marczak Reichardt, 59 anos, foi dormir tarde. Era noite fria em Bela Vista do Toldo e, o frio que se intensificou quando deitou, a fez se lembrar do conselho do marido, Alcindo Reichardt, 71 anos. Depois de esquentar seus pés com garrafas PET cheias de água quente, ele recomendou que a esposa as levasse para seu quarto. Os dois dormiam em quartos separados por causa dos problemas de saúde de Cindo, como chama a viúva. “Jamais imaginava que ele fosse fazer o que fez”, afirma Maria, que já deitada, não quis incomodar o marido. Só o viu, segundo ela, no dia seguinte, quando um dos filhos de Alcindo bateu em sua casa para avisar que a filha do casal estava internada no Hospital Santa Cruz se recuperando do parto de sua primeira filha. Ao abrir o quarto onde estava Alcindo, Maria gritou e levou as mãos à cabeça: “Por que você foi fazer isso comigo?”, questionava ela ao ver o marido com a cabeça estourada por um tiro que entrou no seu ouvido e se alojou em seu crânio. Dali em diante, em choque Maria de pouco se lembra. De uma coisa, no entanto, tem certeza: nenhum policial a questionou. Foi ouvida na Delegacia, dias depois, por iniciativa dela mesma. O perito Marco Antonio Bubniak, diretor do Instituto Geral de Perícias (IGP) de Canoinhas, esteve na casa somente dois dias depois. O responsável pela Delegacia de Bela Vista do Toldo, Deivid Mota, assinou o boletim de ocorrência apontando aparente suicídio. Os dois peritos do IGP foram chamados, mas não compareceram por estarem viajando. Como ninguém do IGP compareceu no local, o policial civil requereu exame de alcoolemia e toxicologia em função de Alcindo usar remédios controlados. O revólver, cujo porte Alcindo tinha, foi recolhido e encaminhado ao IGP.
As testemunhas começaram a ser ouvidas na semana seguinte. Sebastião Reichardt, filho de Alcindo e enteado de Maria, que encontrou o pai morto junto com a madrasta, disse que Maria demorou a atendê-lo. Quando o fez, o levou ao quarto do pai. Ele afirmou que não via motivos para o pai se matar, mas ressalvou que naquele dia o pai havia ido até um banco fazer um empréstimo para trocar de carro e descobriu que tinha uma dívida de R$ 12 mil contraída por um dos filhos tendo ele como avalista. Como o filho não pagou a conta, Alcindo não teve cadastro aprovado. Isso o teria deixado muito nervoso. Maria, mais tarde, relataria que ele chegou a chorar por causa da situação, mas ele mesmo garantiu que eles resolveriam o problema. Outros três dos oito filhos do primeiro casamento de Alcindo prestaram depoimento sempre afirmando que o pai não tinha motivos para se matar e estranhando a versão de Maria de que não ouviu nenhum disparo de arma de fogo naquela noite. “Não sei o que dizer, só sei que não ouvi nada”, garante Maria que, depois de morar 21 anos com Alcindo, teve de deixar a casa, segundo ela, por pressão dos filhos. Os herdeiros, por sua vez, dizem que não culpam ninguém, mas que acham estranho a madrasta não ter ouvido o tiro. Essa estranheza se agravou quando em setembro de 2015, dois anos depois da morte de Alcindo, um laudo assinado por Bubniak atestou que ele não se matou. “Não estou dizendo que ele foi assassinado, apenas afirmo que não houve suicídio”, diz o perito. O laudo jogou gasolina na relação já inflamada entre os herdeiros de Alcindo. Os filhos não aceitam que Maria divida o espólio do pai, com quem ela era casada em regime universal de comunhão de bens e tinha uma filha. A defesa de Maria afirma que não havia motivos para Maria matar o marido. “Se fosse pela herança, bastava se separar que ela garantiria sua parte de qualquer forma”, afirma o advogado de Maria, Wilson dos Santos. Segundo Maria, os filhos passaram a rondar a casa que ela dividia com o marido, por isso, ela decidiu deixar a casa e hoje paga R$ 250 de aluguel por um puxado no fundo de uma casa no Campo d’Água Verde, em Canoinhas. O inventário de Alcindo está em processo judicial.
FATOS E VERSÕES
O laudo de Bubniak suscitou um pedido de exumação do corpo por parte do delegado Wagner Meireles, o terceiro que cuidou do inquérito que investiga o caso. Ele quer saber se a bala alojada na cabeça do morto saiu da arma que pertencia a Alcindo e que ficava na cozinha da casa coberta por um pano de louça. A juíza criminal Gisele Ribeiro ainda analisa o pedido. O laudo cadavérico assinado pelo dr Fernando Voigt é bastante óbvio nas conclusões e não esclarece o porquê de a bala não ter sido retirada.
Quem assumiu o inquérito num primeiro momento foi o delegado Osmar Simplício de Amorim, que solicitou o laudo do exame toxicológico ao IGP. A resposta só veio um ano depois, em 8 de agosto de 2014. O perito Fernando Voigt diz em ofício que o exame seria impossível considerando que não houve coleta de material, mais especificamente, agulha adequada e mesa de necropsia, além de condições físicas e sanitárias, mais especificamente, falta rede de esgoto, “o que impossibilitou a coleta de sangue e urina para os exames de alcoolemia e toxicológico”, diz o perito. Bubniak confirma a resposta do médico.
Em 5 de setembro de 2014, Simplício fez nova tentativa de juntar os laudos ao processo. Recebeu a resposta do legista, mas lembrou o juiz criminal que ainda faltava o laudo pericial da arma que matou Alcindo. Em vão.
Em 10 de novembro de 2014, novo pedido, desta vez, partiu do delegado Lauro Langer Jr. Desta vez, no entanto, a juíza criminal deu prazo de 15 dias para que o IGP entregasse o laudo. Não foi o suficiente para o laudo ser emitido.
No começo de 2015 nova perícia foi solicitada no local da morte. Dessa vez, o delegado Lauro pediu que o IGP medisse os níveis de pressão sonora a fim de confrontar a versão de Maria de que não havia ouvido o tiro. Mais três pessoas foram intimadas a depor. Um dos filhos de Alcindo depôs acrescentando vários elementos como uma suposta discussão dentro da casa do pai na noite da morte que teria sido ouvida por vizinhos. A suposta testemunha disse, no entanto, não ter ouvido nada de anormal na noite da morte de Alcindo. Frisou, inclusive, que o casal era bastante pacato.
O laudo pericial da arma só foi emitido em 29 de julho de 2015. O laudo assinado por Bubniak conclui somente que a arma estava em boas condições de uso. Pouco depois, Bubniak emitiu o laudo completo, atestando que Alcindo não seria vítima de suicídio.
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