Leia novo texto de Adair Dittrich
Para ti, Amigo meu de tantos séculos.
Eu tenho sentido a tua presença amiga a embalar os meus sonhos. Raramente, no entanto. Tu te encontras numa esfera muito acima da minha mediocridade. Eu sei que é difícil e penosa a tua chegada até o meu lado para afagar meus cabelos. E sei, tristemente, que cheguei tarde demais para atingir esta compreensão.
A compreensão sobre um mundo infinitamente melhor.
Quantas vezes eu penso em uma moldagem mais severa para este espírito inquieto meu que não para de ciganear.
E, vezes sem conta, retorno sob os mesmos passos, aos mesmos erros onde já fui argamassa amargamente moldada.
Eu sei que não vim nua desta vez. Eu sei que não vim erva. Que nem hera eu vim. E por que então aquele torvelinho imenso e insano que me acomodou num plano terra para não enxergar o céu?
Por quanto tempo eu vagueei no nada pensando estar soberanamente acima de tudo? E afastei-me de ti.
Corri, alucinadamente, em busca de esferas douradas, de sonhos loucos de onde eu nada trouxe.
Eu me vi um dia estampada na colorida foto de um carro vermelho, conversível, supersônico, arrebentando-me com ele em um poste à beira da estrada… vi, em plano dominante, meu sapato dourado lá fora atirado com seu salto muito alto apontado para os céus…
Lembro-me de haver horrorizado a plateia de homens-chãos ao me ouvirem dizer que este seria o modo como eu gostaria de sumir deste recortado mundo…
Achei aquela morte tão fantasticamente linda… num instante de atordoamento total… e achei tão sem graça a estupefação e o escândalo que causei aos amigos que haviam chegado mais crus e mais nus que eu para esta jornada…
Não sei qual o sentido da palavra tristeza no lar onde moras. Mas deve ter sido isto o que sentiste naquela hora.
Não, meu amigo-irmão, eu jamais procuraria aquele final para esta minha terrena vida de agora… mas, naquela hora, achei lindo morrer assim… o carro espatifando-se como uma taça de cristal cheia de borbulhante champanhe…
… o vestido longo, vermelho, purpúreo, cintilando a madrugada inteira. O meu cavalo de rodas voando em vermelho.
Rosto algum, no entanto, ali eu vi. Ali, naquele flagrante real. E nem o meu naquela imagem eu conseguira colocar.
Se eu não vivia esta vida, em seu todo, com ela eu sonhava.
Sonhava carros voadores. Sonhava luzes. Sonhava cintilações de estrelas… e eu a estrela maior. Taças borbulhando champanhe num cristal sonando todas as escalas, em que brilhavam todas as cores.
É que eu vivia uma vida rodeando dores, sufocando angústias. E no meu alucinado sonho destes espectros de dores e de angústias eu fugia.
E me vi tantas vezes embalada em cantigas de amor. E sonhei apenas o belo. O belo material.
Fui envolta no alucinamento das piscinas azuis… verdes… nas mansões com veludo encobrindo pés… com janelas abertas e estendidas para um mundo multicor… com salões iluminados, cristais cantantes… orquestras inteiras em sinfonias de todos os matizes…
Eu via um mundo belo ao meu redor.
E, dentro dos meus alucinados sonhos, naquele mundo eu procurava me infiltrar.
Ω
Agora é a hora de sentar-me no espaço a tua espera.
Sei que é difícil a tua vinda até aqui.
Assim como eu sei também que o meu peso me prende e me amarra onde estou.
A saudade é grande, imensa, ilimitada, assim como toda a saudade o é. Conseguiste vencer e subir. E eu fiquei na distância, sem ver teu vulto, sem sentir tua presença, sem de ti nada saber. Apenas sei que existes.
Agora eu procuro o espaço, as nuvens, a aurora… o infinito… para tentar sentir tua presença, tua força, a energia que de ti emana. Mas a minha busca é falha, minha procura é falha. Limito-me nas coisas-terra que me rodeiam. Não posso sequer te dizer que tento, que sempre estou tentando. Porque sabes que não é verdade.
Sabes que miríades de pensamentos pululam em minha mente. Tu sabes. Eis o empecilho maior. Esta é a minha limitação. Eu não tenho desculpas, tu sabes. Porque eu poderia tentar múltiplas vezes sentar-me numa branca nuvem no longínquo espaço e lá ficar a tua espera.
Eu sei que poderia, mas nem tento.
Estes turbilhões de dardos agitados parecendo movimentação de elétrons dentro de seu átomo não permitem a elevação que em vão eu quero.
Digo quero, apenas, porque apenas quero e nada tento.
(Texto escrito em 1976).