Jardim Esperança, em Canoinhas, já foi Invernada Robertão

Pioneiro de Canoinhas, Roberto Ehlke dominou boa parte do território da cidade e se tornou célebre por sua astúcia e bom coração

 

Quem anda pela rua Roberto Ehlke, uma das vias mais movimentadas de Canoinhas, famosa por suas robustas lombadas, já deve ter se perguntado quem foi o homem que batizou o principal acesso aos bairros Jardim Esperança e Industrial 1.

 

Pois então, saiba que há pouco mais de meio século você não poderia andar por essas bandas sem pedir autorização ao robusto Robertão, como era conhecido na cidade. Todo o território acima da área onde hoje está localizada o campus da UnC era de propriedade de Ehlke.

 

Ehlke (1946) foi o 1° delegado da então Vila de Santa Cruz de Canoinhas/Arquivo da Fundação Cultural de Canoinhas

Comerciante, madeireiro, ervateiro e político, nasceu em Joinville em 11 de julho de 1866, filho de Fernando e de Carolina Ehlke. Chegou por estas terras em agosto de 1896, dezesseis anos antes da fundação da cidade de Santa Cruz de Canoinhas.

 

Ehlke prosperou e muito vivendo aqui. Em pouco tempo instalou uma casa comercial no início da rua Coronel Albuquerque, na esquina com a Travessa Sete de Setembro e depois, por volta de 1920, passou seu comércio para a praça Vidal Ramos.

 

Em 1902, quando em Curitibanos foi criado o distrito de Canoinhas, Ehlke gastou 15 dias na viagem destinada à sua posse como primeiro subdelegado distrital. Em 1906 foi um dos fundadores da “Sociedade Escolar”, a primeira escola do distrito. Seu pé-de-meia começou a ser feito com dez lotes entre as ruas Wolff Filho, José Boiteux e Coronel Albuquerque, obtidas em 1912.

 

ASTÚCIA

Pioneirismo: Roberto e Amélia/Arquivo da Fundação Cultural de Canoinhas

Para provar a inteligência de Ehlke, Alinor Pereira conta uma história bem peculiar. “Certa vez, um empregado do Robertão o levou para a Justiça, por um motivo que não me recordo. Como naquele tempo, rico sempre ganhava de pobre, os dois foram falar com o delegado e não houve acerto. Ao voltarem, o Robertão chegou no açougue do falecido Anastácio (onde hoje está o Centro Comunitário da Cohab 1), e comprou cinco quilos de linguiça. Chegando em sua propriedade, amarrou o portão com aquela linguiça, sob o olhar atônito do empregado que lhe perguntou, incrédulo, o porquê de tal atitude. Ao que Robertão respondeu simplesmente, ‘Porque eu quero’. Na segunda conversa com o delegado, o empregado foi logo avisando – ‘Sei não delegado, mas o patrão louco, amarrou o portão com linguiça’. Como Robertão já havia alertado o delegado de que o empregado gostava de mentir, foi logo rindo da situação e negando que fosse capaz de cometer tal despautério. Resultado: ganhou a demanda”.

 

EMERGENTE

Casa Roberto Ehlke & Cia ficava no centro de Canoinhas/Arquivo da Fundação Cultural de Canoinhas

Como disse Osvaldo de Oliveira um dia, “em terra de cego, quem tem olho é rei”. Analisando a trajetória de Ehlke percebe-se que ele entendeu muito bem o significado deste ditado. Em 1913, foi o segundo juiz de paz do então município de Santa Cruz de Canoinhas. Político de mão cheia, em 1918 elegeu-se vereador ao conquistar 189 votos.

 

Entre 1919 e 1920 era um dos acendedores dos lampiões a querosene que iluminavam o centro da vila de Canoinhas.

 

Em maio de 1919 prestou compromisso legal no cargo de primeiro substituto do prefeito Otávio Xavier Rauen, assumindo interinamente o cargo de prefeito em diversos períodos. Também integrou a primeira diretoria e ajudou na fundação do Canoinhas Tênis Clube, em 1922.

 

NEGÓCIOS

Casa Roberto Ehlke & Cia ficava no centro de Canoinhas/Arquivo

Seus negócios se ampliaram rapidamente. Era dono de uma serraria na localidade de Parado, ainda em 1925. Sua renda vinha em boa parte, dos financiamentos que fazia a colonos para custear suas plantações. Sem dinheiro, os agricultores quitavam as dívidas com imóveis, segundo contou José Sabatke em depoimento dado em juízo em 1916.

 

Em 1939, Ehlke já tinha mais uma serraria na localidade de Rio dos Poços, à época conhecida como Invernada. Em agosto de 1946 recebeu o título de cidadão honorário de Canoinhas. Pouco depois morreu como quem só esperava a honraria para descansar em paz.

 

A HISTÓRIA DO JARDIM

A história dos bairros Industrial 1 e Jardim Esperança se confunde com a de Ehlke.

 

O local onde está hoje o Frigorífico Canoinhas S.A. (Fricasa), era chamado de Invernada do Robertão e assim era conhecido de todos. Ao lado ficava a Invernada Krüger.

 

De estatura avantajada e robusta, Ehlke era dono de um grande coração.

 

Casado com Dona Amélia Wendt, lapeana de bom coração, que teve três filhos biológicos e um adotivo com Ehlke.

 

Na Invernada, além de outras casas, existia a imponente Casa Grande, sede da fazenda. Pela sua reduzida distância da cidade e pela grande afeição a família Ehlke, ali era ponto de contínuas reuniões e piqueniques. Todos os filhos do casal dedicavam-se à música. Selma e Judith tocavam piano e Sady era um flautista de mão cheia. Havia sessões de cinema (mudo) nos fins de semana.

 

Dona Amélia – que quase um século depois inspiraria Alfredo Scultetus a denominar seu loteamento na área antes de propriedade dos Ehlke – sempre liderou campanhas filantrópicas na cidade. Uma delas, que não chegou a ver concretizada durante sua vida, foi pela construção do hospital da cidade. Com seu falecimento em 1932, Ehlke passou a morar com uma irmã, Emma Romais.

 

Na Invernada, só ficaram os empregados, que a desfrutaram a seu bel prazer por vários anos, quando os herdeiros venderam parte ao Frigorífico Canoinhas S.A..

 

Em 1966, o jornal Correio do Norte informava que além do Fricasa, a propriedade dos Ehlke acomodaria dois loteamentos – a vila Dona Amélia e o jardim Roberto Ehlke, o que efetivamente não foi concretizado. Anos depois, no entanto, a história foi justa com estes pioneiros dando a Roberto Ehlke o nome de uma das principais ruas da cidade e Amélia passou a nomear o bairro que fica nas terras pelas quais um dia ela parece ter sido muito feliz. O Jardim Dona Amélia fica hoje entre o loteamento Santa Cruz, Cohab 4 e Serrajão. Tudo isso, no entanto, um dia, se chamou Invernada Robertão.

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