Com 1.387 ações ajuizadas em 2017, a Vara do Trabalho de Canoinhas viu despencar o número de ações depois da reforma; apenas 42 foram protocoladas desde então
Das 1.387 ações que ingressaram na Vara do Trabalho de Canoinhas em 2017, pelo menos 1,2 mil foram liquidadas no mesmo ano. Surpreende o número de ações protocoladas somente nos 11 primeiros dias de novembro (180). Desde então, até o final do ano, foram 42. O motivo: a entrada em vigor da Reforma Trabalhista, tema da entrevista a seguir com o juiz trabalhista da Vara, dr Lauro Stankiewicz.
Estima-se até em 90% a queda no número de novas ações trabalhistas em todo o País desde que a reforma entrou em vigor. Como o sr tem sentido os efeitos da Reforma Trabalhista na Vara de Canoinhas?
Foi constatado que em 2017 foram ajuizadas menos ações que em 2016. Mas um fato curioso aconteceu em novembro. Com a reforma houve uma alteração significativa, tanto que da média de 4,5 mil ações mensais, aumentou para 10,5 mil ações ao longo dos 20 primeiros dias de novembro. Só no dia anterior a entrada da reforma em vigor, foram ajuizadas 4,2 mil ações na Justiça do Trabalho de SC.
Quantas ações trabalhistas tramitam hoje na Vara de Canoinhas?
Estávamos com 1.340 mil ações até 11 de novembro. A partir deste dia, percebemos uma diminuição significativa. Tivemos umas 180 ações ajuizadas em novembro antes da reforma entrar em vigor. Neste espaço de tempo (entre 11/11 e 22/12, último dia de trabalho da Vara) tivemos 42 ações ajuizadas. Os advogados estão aguardando como a reforma será aplicada na prática. Lembrando que todas as ações que entraram até 11 de novembro seguem a legislação antiga. A partir de então obedecem à reforma.
Para o sr, quais das mudanças que a reforma fixa são as mais significativas?
Na verdade sempre se ouviu falar muito sobre a litigiosidade. Parece que a reforma teve a preocupação de diminuir essa litigiosidade, justamente dificultando o ingresso na Justiça de ações trabalhistas. Antes para comprovar que não podia pagar as custas do processo bastava uma declaração. Agora já se exige provas disso. Ainda, aquele que ajuíza a ação trabalhista e não comparece a audiência, tem de pagar as custas do processo, senão não poderá ajuizar outra ação. Se o reclamante perder a ação, terá de arcar com os custos dos honorários periciais e vice-versa. A aventura jurídica deixou de existir. O advogado terá de analisar bem o pedido de seu cliente para evitar que tenha de arcar com os honorários da parte contrária. Os advogados estão preocupados com isso. O reclamante tem de ter consciência do que é devido e do que não é.
O que o ser destaca como pontos positivos da reforma?
Antes, um trabalhador que prestou serviços em Salvador, por exemplo, move uma ação trabalhista contra um empregador daquela cidade aqui em Canoinhas e o empregador terá de vir pra cá para as audiências. Com a reforma isso foi modificado. O empregador pode alegar exceção de incompetência até cinco dias antes da audiência em casos como esse. Assim, o empregador não precisa vir até Canoinhas. Isso (o pedido) terá de ser analisado pelo magistrado.
E de pontos negativos?
Pela legislação anterior, ganhar o processo era uma coisa, levar até as últimas consequências e garantir o valor inicial era outra coisa. Se o empregador discordasse dos cálculos ele tinha de garantir o juízo, ou seja, ele tinha de depositar o valor em juízo ou dar algum bem em penhora. A reforma modificou isso. Hoje elaborados os cálculos, as partes são intimadas a em um prazo de oito dias se manifestarem sobre os cálculos. O devedor poderá discutir os cálculos sem a necessidade do depósito, portanto. Na minha ótica esse é um aspecto bem negativo porque vai dificultar a negociação.
O sr acha que essas novas regras vão reduzir a tensão entre patrões e empregados. Hoje muitos patrões têm medo de contratar porque acham que a qualquer momento podem ser alvos de ações trabalhistas.
Tenho a impressão que vai acabar com a aventura jurídica e isso profissionaliza. O direito processual do trabalho passou a ser técnico, necessitando de uma avaliação antes do ingresso da ação. Muito cedo para dizer de forma conclusiva, mas tenho a impressão que essa coisa de ‘tem direito a 10, reclama 100’, acabou.
O sr vê uma mudança radical na relação patrão e empregado a partir da reforma?
Não sei se radical, mas vejo uma mudança interessante que é da criação do representante dos empregados. Com essa figura que seria o canal entre empregado e empregador fica mais fácil que o empregado se manifeste sobre alguma discordância. Isso tende a facilitar a relação entre patrões e empregados, na minha ótica. Muitas coisas acontecem por falha na comunicação.
O sr não teme que esse representante se transforme em figura retórica?
Essa é uma preocupação, mas acho que interessa as duas partes. Um funcionário desmotivado ou contrariado tem sua produtividade afetada.
O caso da Estácio de Sá, para citar um exemplo, que demitiu 1,2 mil professores, que dizem ter sido em função da reforma, causou pânico em muitos. A reforma estimula demissões em massa?
Analisando a legislação a preocupação é bem o contrário: é gerar empregos e trazer o informal para a formalidade. Na minha ótica acho que a reforma estimula a criação de empregos.
Há muitas críticas sobre pontos obscuros da lei, que não estão bem esclarecidas. O sr se sente bem esclarecido para julgar com base nas novas regras ou também percebe alguns pontos que merecem melhor reflexão?
Temos algumas questões que precisam de melhor análise. A norma trouxe no seu bojo a parte de direito material e processual. Só que tem algumas normas processuais que têm efeito material. Um exemplo são os honorários advocatícios. O trabalhador que procurou o advogado para ajuizar ação trabalhista antes da reforma não contava com a possibilidade de pagar honorários à parte contrária. Antes da reforma essa parte era regida de modo diferente. Então, agora, se a sentença condenar o trabalhador a pagar os honorários vai entrar o efeito surpresa. E vai garantir também a retroatividade da norma. Isso vale tanto para o empregado quanto para o empregador. É o fator surpresa.
Como funciona o conceito de que o ‘negociado prevalece sobre o legislado’?
Isso tem se falado muito, mas a questão não é tão ampla. Há algumas coisas que a reforma flexibilizou, mas há uma preocupação para que isso não fuja das normas. O artigo 611 da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) deixa claro o que pode e o que não pode ser negociado. Muita coisa pode ser negociada como a jornada de trabalho, mas, respeitando a Constituição.
O sr consegue detectar como as empresas da região estão assimilando as novas regras?
Consigo porque é uma preocupação diária dos advogados. Por enquanto eles estão na expectativa. Não estão utilizando muitas coisas que a reforma prevê, temendo que isso tenha outra repercussão. Empresas também estão aguardando.