Nova Iorque: a despedida

Adair Dittrich se despede de seu tour pela América do Norte                                                      

 

As imagens que vislumbrei no Museu Metropolitano de Nova Iorque foram as mais marcantes que ficaram em minha memória. E fomos visitá-lo já ao fim de nossa estadia na grande cidade.

 

 

Não se pode dizer que se conhece um museu apenas por um passar de olhos. Mas foi um passar de olhos o que nos restou fazer. Foi uma experiência marcante em minha vida o passar por seus infinitos corredores, por suas amplas salas. Lá, toda a arte do mundo me parecia concentrada. São peças da antiguidade, são pinturas e esculturas que remontam há muitos séculos e que nos mostram a arte em todos os continentes.

 

 

“O Pensador”, de Rodin

De tempos em tempos são expostas peças de algum artista em especial. E no dia em que eu lá me encontrava pude embevecer-me com a instigante escultura “O Pensador” de Auguste Rodin. E minha retina, para sempre, daquela visão ficou impregnada.

 

 

Passei, como um relâmpago, pelas sessões onde se encontram expostas as peças de arte romana, egípcia, grega e de arte medieval e também um templo egípcio completo. Interessava-me mais, ver de perto, as pinturas de Van Gogh, Picasso, Monet, Rubens, Degas, Renoir entre outros.

 

 

Passavam das duas horas da tarde quando percebemos que o nosso organismo reclamava por uma refeição. Naquela manhã, antes ainda de conhecermos as maravilhas do museu, eu fora em busca de uma loja Kodak. Precisava lá deixar, para revelação, um pacote com fotos em Kodakrome. Após o almoço eu tinha em minhas mãos várias caixinhas de slides, já devidamente montados em suas molduras.

 

 

Havia, ainda, uma variada gama de artigos que eu precisava adquirir. Na véspera, ao retornar para meu apartamento no hotel e olhar para aquelas montanhas de compras que necessitariam ser acondicionadas nas malas, imaginei que nem em uma noite em claro eu daria conta do recado. E havia adquirido, também, naquele dia, uma enorme mala xadrez, de colorido vibrante, de material bem leve.

 

 

Eu estava com vários volumes avantajados, entre malas e a caixa do televisor, que, embora fosse um aparelho de pequeno porte, necessitava ser bem acomodado em sua caixa. Caixa que já vinha até com uma alça para facilitar o transporte.

 

 

O desespero bateu ao olhar para o enorme volume que continha o meu material de anestesia… Preocupei-me com a possibilidade de que, ao passar pela alfândega, no momento de nosso retorno, eu pudesse ser confundida com alguém que estivesse querendo transportar um grande carregamento de algo para vender no contrabando. Em vez de levar a caixa fechada, eu fui espalhando as cânulas de intubação oro e naso traqueal, uma a uma, dentro da bolsa, da frasqueira e dos variados bolsos de meu grande casaco de inverno. Casaco quer eu levaria na mão.

 

 

Enquanto sentava-me na cama, para descansar de tantas atividades, meus amigos chamam-me para o nosso jantar de despedida. E lá fomos nós, com mais um casal que Geraldo conhecera nos escritórios da West Virginia, para nossa última noite. Antes de irmos a um restaurante, levaram-nos a um teatro, pois não seria possível deixarmos a Grande Maçã sem conhecermos uma sala da Broadway.

 

Cabaret

Cabaret foi a peça escolhida. Sim, Cabaret, que já recebera o prêmio como o melhor musical da temporada. Flanei no ar. Saí do teatro, aos suspiros. Só então fomos jantar. Valeu a pena ter deixado meu quarto no hotel na maior desorganização. E antes de deitar-me, repor tudo em seus devidos lugares. Porque o sono era inadiável. Dormir primeiro. Depois o resto.

 

 

Uma manhã inteira para tudo empilhar, economizando espaços. Deveríamos deixar o hotel antes do meio-dia. Deixamos nossa bagagem no guarda-volumes e saímos para um último almoço e uma última olhada pela arborizada Avenida Madison, uma paisagem que ficou em minha memória até hoje.

 

 

Por mais que eu tente aprofundar-me em minhas lembranças, não consigo encontrar a hora em que nós nos dirigimos para o aeroporto. Precisamos tomar um táxi que fosse quase do tamanho de uma caminhonete para acomodar nossas bagagens. Só o tal do equipamento de radioamadorismo que um amigo de Geraldo lhe encomendara já tomava um volumoso espaço.

 

 

O táxi especial deixou-nos no Worlport, o grande terminal exclusivo da Pan American. Imenso. Totalmente envidraçado. O teto assemelhava-se a um disco voador estático no espaço.

 

 

Hora do suplício. Hora de despachar as bagagens. Ainda bem que eu não consumira todos os meus cheques de viagem. Pois havia, e muito, a se pagar de excesso pelas minhas quatro malas e mais as caixas extras. Sim, quatro. Eu levara, em realidade uma. Só que eram três. Uma dentro de outra. E retornava com tudo aquilo. Inimaginável no dia do embarque aqui há mais de um mês. E a tarifa, nada amigável, era de cinco dólares por quilo adicional. Já pensei naquelas calças jeans, as famosas calças Lee, que, pesando mil gramas cada uma, já conferiam um acréscimo e tanto de peso.

 

 

Ficamos por algum tempo a vaguear pelo imenso terminal. A olhar as pessoas que por lá desfilavam. Foi então que me assombrei ao notar pessoas de raça negras, muito altas, muito elegantes, trajando vestimentas de caríssimas grifes, portando malas e bolsas finíssimas. Ali circulava a elegância do mundo.

 

 

Depois de desvencilhar-me da bagagem pesada, restava muito ainda em minhas mãos. Lá era calor. Mas eu precisava estar preparada para o frio que me esperaria em Curitiba. Era um tempo em que as geadas aqui em nosso sul não davam trégua. Então eu vestia uma saia de lã e uma blusa leve. E carregava, além da bolsa e da frasqueira, mais um casaquinho leve de lã, o casaco do tailleur e o grande casacão de inverno com todos os seus bolsos abarrotados com as minhas cânulas de intubação.

 

 

 

Enfim, raiava o dia quando chegamos em São Paulo. Passagem pela alfândega. Revista de toda a bagagem. O que chamou a atenção do senhor fiscal aduaneiro? Não, não foram as cânulas. Foram as calças jeans da marca Lee. Para ele, um carregamento para venda. Era um item não declarado. Sujeito a alto imposto. Configurava contrabando. Até que consegui convencê-lo a verificar a numeração. Eram várias, sim, mas cada uma com um tamanho diferente. Com um sorriso cínico disse-me que fingia acreditar que eram para os meus sobrinhos. Liberou-me. Quem não teve sorte igual foi meu amigo Geraldo com aquele enorme aparelho de radioamador que portava, atendendo ao pedido de um conhecido dele… Além de haver pago uma exorbitância pelo excesso de bagagem, tinha mais este ônus alfandegário.

 

 

Era hora de eu correr para não perder minha conexão para Curitiba. Meus amigos seguiriam para Belo Horizonte. Haviam deixado as crianças na casa dos pais de Regina que moravam lá.

 

 

Tomei um voo da então Cruzeiro do Sul. Já era hora de almoço. Juro, inesquecível o sabor daquela refeição servida em pleno ar. Finalmente, comer algo bem temperado ao gosto da original cozinha brasileira.

 

 

 

O inverno exibia ainda todo o seu auge. Ainda bem que eu estava com todos aqueles agasalhos quentes em minhas mãos, pois foram mais que necessários ao desembarcar em Curitiba.

 

 

Tomei um táxi e lá fui eu com minha parafernália toda para o local onde meu fusquinha 1966, com 1200 cilindradas, ficara estacionado. Imaginem se o motor deu partida logo que eu coloquei a chave na ignição… Não era um estacionamento pago. Não. Era apenas um terreno vago, ao lado do prédio onde morava uma colega minha. Por sorte, o motorista do táxi ainda se encontrava por ali, tentando acomodar toda a minha bagagem no carrinho… Fez a tal de chupeta e, enfim, lá fui eu pegar a estrada para casa. A longa estrada em direção à minha vila encantada.

 

 

A alegria em rever minha família. A entrega dos mimos a cada um. O sucesso das calças Lee que quase ficaram retidas na alfândega em São Paulo. Ligar o televisor. E apenas chuviscos em branco e preto na telinha. Aguardar para alguns dias depois a compra e a instalação da grande antena rotativa externa. Ligar logo o Kodak Carrossel para mostrar a coleção de slides. De imagens captadas por mim e as inúmeras coleções que fui adquirindo pelos locais por onde andei. E contar, sem parar, todas as peripécias da viagem. A noite foi curta para tanta coisa. Porque eu também queria saber de tudo o que por aqui se passara.

 

 

Ainda bem que eu tinha mais um dia de folga antes de começar a minha peregrinação sem fim pelos corredores do hospital, pelas salas dos ambulatórios, pelos recantos todos onde pautei a minha vida.

 

 

Fim de uma viagem marcante em minha vida. Onde aliei um estágio, embora curto, em um Serviço de Anestesiologia a um imenso cabedal em cultura. Porque viajar não é apenas circular o corpo por lugares ainda não conhecidos. Viajar é impregnar a mente com o novo e o belo que se sente com todos os sentidos.

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