Considerado um dos últimos grandes ícones da época de ouro da erva-mate, fazendeiro diversificou suas atividades
Na próxima quarta-feira, 9, completam-se 10 anos da morte de Delby Machado, considerado o último grande ícone da época de ouro da erva-mate em Canoinhas. Para lembrar a data, o JMais replica perfil escrito pelo editor do site para o jornal Correio do Norte em 2005, a partir de entrevista feita com Delby. Acompanhe:
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A trajetória da erva-mate, maior riqueza da região, nos primórdios da colonização, se confunde com a da família Machado. O avô de Delby Machado desembarcou com a família, por essas terras, no início do século e soube fazer bom uso da abundância colossal de erva-mate que se perdia no horizonte para quem ousasse tentar mensurá-las.
A herança empreendedora do avô prosseguiu por gerações, passando pelo pai de Delby, Dodany, até os filhos de Delby.
Seus dois irmãos, também trabalham com erva-mate. Um no Rio d’Areia e outro em Bonetes.
LEMBRANÇAS
Delby nasceu em 1938 (se vivo, faria 80 anos em 2018). Ele lembra que o povo de Canoinhas, na época, desconhecia o sentido da palavra desenvolvimento. “Os barbaquais eram movidos a cavalo, não existia energia elétrica. Quem tinha um rádio, era rico”, recorda.
No entanto, Delby acha que era uma época fácil de ganhar dinheiro. “As pessoas se satisfaziam com pouco também”, pondera.
Mas para as crianças, a vida não era muito fácil não. Saíam de casa para estudar, escapavam da autoridade paterna, mas ficavam sob a tutela de autoridades bem mais rigorosas, como os irmãos maristas do Colégio Santa Cruz e as irmãs do Colégio Sagrado Coração de Jesus.
Da época de escola, Delby tem lembranças bem peculiares. “Aos oito anos, eu parava de favor na casa de uma tia, na cidade, a fim de estudar no Santa Cruz. Fui expulso do 2.º ano do Ginasial (equivalente a sexta série do ensino fundamental), porque briguei com o Orestes Golanovski. Eu tinha o apelido de ‘cavalo de raça’ e o Orestes era chamado de ‘sapateiro’. Nesse dia da briga, ele me imitou e eu, sentei o pé na bunda dele. Os irmãos maristas foram chamados e nos expulsaram”, conta.
Perguntado se a mágoa da briga ainda persiste, Delby ri e diz, “Aquilo foi coisa de piá. Hoje somos grandes amigos, eu sou freguês dele e ele é meu freguês. A única divergência é no futebol – ele é Corinthians e eu sou Palmeiras”, admite.
A VOLTA PARA A ROÇA
“Se quisesse ter estudado mais, poderia, meu pai queria, mas preferi voltar para a roça”, conta. Aos 14 anos, depois de ter sido expulso do Santa Cruz, foi essa a decisão que Delby tomou para sua vida. Iria se dedicar ao trabalho.
De volta ao Rio d’Areia, Delby recorda que o trabalho na roça não era fácil. “Colhíamos a erva-mate e carregávamos em feixes, Plantávamos milho e trigo, para nosso consumo próprio e para vender também”, recorda.
Foi no interior que, há 45 anos, Delby conheceu Neuza Pietrovski, com quem casou e teve três filhos.
CANOINHAS DO PASSADO
“Conheci Canoinhas com nove automóveis e dois táxis apenas”, conta se referindo a época em que Canoinhas começava a descobrir as benesses dos automóveis. Mesmo numa terra cheia de obstáculos. “Não existia rua pavimentada, nem pedras ou cascalho. Lembro de ter visto caminhões encalharem em plena rua (Francisco de) Paula Pereira”, conta. E lança uma opinião polêmica – “Se nós tivéssemos ruas boas, o povo achava outra coisa para reclamar”.
Mas admite que Canoinhas está atrasada em comparação com outras cidades. “O primeiro fator que atrasou nosso progresso foi a demora da chegada da energia elétrica em Canoinhas. Muitas empresas foram embora por causa disso.”
ERVA-MATE
Delby formou sua ervateira própria somente em 1980, depois de anos trabalhando com a família e com sócios. Mas antes dele, muitos outros ervateiros passaram por aqui. Empreendedores que não tiveram a mesma sorte de Delby, mas que deixaram gravado na história, sua importância para o desenvolvimento da indústria ervateira do município. Dentre esses, Delby destaca Euribes Marques, Jordan, Alenir Pereira, Caprioni e a famosa Cooperativa do Mate, que em meados dos anos 1970, viveu seu auge como uma das mais poderosas ervateiras da região, com mais de 3 mil associados.
Na década de 1980, Delby recorda que a erva-mate começava a sentir o impacto da devassa nas áreas plantadas, sem planejamento, e da desaprovação do consumidor, que já não estava tão interessado em elaborar todo o processo para se tomar um chimarrão. “Mas onde tem conforto não tem progresso”, fala como um legítimo empreendedor que vê na crise uma oportunidade de crescimento.
Foi nessa época que Delby assumiu o Sindicato dos Ervateiros de Santa Catarina. Foi durante sua gestão que os ervateiros catarinenses conseguiram uma importante vitória contra os paranaenses. Até então, existia um sistema de cotas para exportações. O Paraná detinha a maior parte dessas cotas, enquanto que Santa Catarina e Rio Grande do Sul, eram relegadas a raspar o tacho dos paranaenses. Com a derrubada do sistema de cotas, sob pressão dos catarinenses e gaúchos, estabeleceu-se um livre mercado para a exportação de erva-mate, o que gerou concorrência e uma corrida entre os ervateiros para oferecer, cada vez mais, qualidade ao consumidor.
O prestígio dos canoinhenses, como prova Delby, ainda é alto com o Sindicato dos Ervateiros do Estado, tanto que, atualmente, Mario Dranka Filho, produtor canoinhense, é o presidente do Sindicato.
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A ERVA-MATE AINDA RESISTE
Para quem acha que erva-mate é coisa do passado, Delby dá o alerta. “A produtividade da erva-mate é alta, o problema está no comércio. Depois que o preço da erva deixou de ser tabelado, o preço caiu muito, mas não existe excesso de produção, o que equilibra o mercado”, analisa.
Outro problema enfrentado pelos produtores de erva-mate foi a abertura do mercado argentino para a produção de erva-mate. “Antes a erva argentina não era bem aceita por ser muito forte. Desde que eles começaram a colocar açúcar na erva para deixá-la com sabor mais suave, conseguiram entrar em diversos mercados”, conta, acrescentando que na sua erva não entra açúcar – “Sou a favor da erva-mate pura”, enfatiza.
AMIGO DA POLÍTICA
Mesmo militando há anos no Partido Progressista, Delby não quer falar de política. Mas abre um parênteses para falar de seu grande amigo, Esperidião Amin, ex-governador do Estado. “Conheci Amin quando ele era candidato a deputado pela primeira vez”, conta.
A admiração pelo amigo está expressa em uma placa exposta na frente de sua propriedade na localidade de São Pascoal. “Obrigado governador Esperidião Amin, o senhor tem a nossa mania. Cumpre com a palavra”.
MORTE
Delby morreu vítima de enfarte no dia 9 de maio de 2008. Seu corpo foi velado na residência da família, na localidade de São Pascoal, interior do município de Irineópolis. O ex-governador Esperidião Amin (PP), amigo íntimo de Delby, acompanhou o féretro.