Freira franciscana foi homenageada pela Academia de Letras do Brasil – seccional de Canoinhas – nesta semana
Quando você chegou, pela vez primeira, vinda dos pagos do sul, para integrar o corpo de noviças das Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria Auxiliadora, aqui em nosso Colégio Sagrado Coração de Jesus, era eu uma menina ainda. Era eu uma menina que então fazia parte do rol do grupo das pequenas, das que dormiam no dormitório menor, das que eram acomodadas nas carteiras da primeira fila de nossa eclética e vetusta sala de estudos. Os dez anos de vida que nos separam e que hoje parecem até que se encostam, naquela época marcavam uma grande distância.
Olhando, dias atrás uma foto das alunas internas encontramo-nos. Eu na fila de baixo, entre as pequenas e você, ocupando um espaço alguns degraus mais acima.
Sei que vocês eram a retaguarda daquelas crianças levadas, que não conheciam o perigo.
Cruzávamo-nos, em todas as manhãs na capela do colégio. Depois no refeitório, pelos corredores, pelas salas todas que compunham aquele conglomerado misto de madeira e alvenaria.
O nosso Colégio Sagrado Coração de Jesus já estava instalado no local onde até hoje se encontra e o primeiro bloco, construído em alvenaria já se erguia altaneiro, ao lado das antigas construções de madeira, quando você, ainda muito jovem, chegou à nossa cidade para completar os seus estudos e também colaborar no ensino aos jovens de nossa terra.
Depois que você fez os votos perpétuos, os nossos caminhos tomaram rumos diferentes. Eu parti em busca de outros cursos que por aqui ainda não haviam sido instalados. E você continuou a missão para a qual o Alto a destinara.
Retornei à minha cidade alguns anos depois de formada. Logo após o início dos tenebrosos anos cinzentos que marcaram duramente a nossa vida, Madre Maria Albertina Bischoff chama-me ao colégio, dizendo que precisava muito falar comigo. Atendendo ao seu chamado comecei a lecionar Puericultura no Curso Normal. Curso do qual você era diretora. Então entendi. Madre Albertina chamara-me, mas depois de ouvir a diretora, depois de atender ao pedido de Irmã Maria Cármen.
Foram alguns anos em que, novamente, trilhávamos os mesmos corredores, as mesmas salas, as mesmas antigas e sempre novas escadarias de madeira escura.
Mas, as correrias da vida não me permitiam ficar por muito tempo naqueles espaços tão amigos, tão familiares. E Irmã Cármen também não tinha tempo para longas conversas que não fossem as estritamente necessárias para o desempenho de seu mister.
Todos os que trilharam aqueles caminhos, Irmã Cármen, tecem loas à maneira e à maestria com que você empunhava a batuta, como diretora do curso básico, do curso ginasial e o da Escola Normal. Professores graduados em escolas superiores contam-me que mais aprenderam com o que você lhes ensinava do que nos anos que passaram pelos bancos das universidades.
Sim, Irmã Cármen, porque você nunca parou de estudar, você jamais parou de aprender. Você foi o exemplo de muitas gerações, demonstrando que o saber, realmente, não ocupa lugar.
Você provou que o tempo passa, da mesma forma, tanto para quem fica a meditar como para quem se aprofunda no conhecimento.
Você optou por aproveitar o seu tempo, entrosando-se, a cada dia mais, nas atmosferas da ciência, da cultura, da literatura.
Entre a suas citações encontrei:
“Educar para a responsabilidade, para com a própria vida, para com Deus, para com a família, para com a sociedade.”
“Para alcançar este objetivo tive que morrer muito a mim mesma e usar de braço forte com os educandos e professores.”
E, se assim não tivesse sido, sua passagem entre nós teria sido em brancas nuvens, você seria como aqueles que realmente passaram pela vida e não viveram. Você viveu.
A sua vida foi e continua sendo uma vida que valeu e vale a pena ser vivida.
Para mais aprimorar-se no mister a que dedicou a sua vida você passou um longo tempo longe desta terra brasileira que tanto você ama.
Por algumas vezes você esteve na Europa, para, de perto observar e captar o ensino nas escolas de lá, mormente na Áustria e Suíça.
Mas, a Congregação das Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria Auxiliadora percebeu, mais que sentiu, captou, mais que observou que você nascera para lideranças maiores.
E colocou você em cargos mais relevantes. E assim você assumiu o posto de Coordenadora Geral, tendo sido eleita, como Superiora Provincial.
Mas, para mais altos postos você foi burilada. E então assumiu o cargo de Conselheira Geral. De toda a Congregação.
E assim, passaram-se alguns anos, com você distante dos longos braços de nossas araucárias, as nossas araucárias que estão sempre com seus frondosos galhos elevados em prece aos céus, elevados em prece ao Criador.
E você então mudou-se para longe, muito longe, para o alto das montanhas distantes, para um canto perdido entre os Andes Setentrionais, na longínqua Colômbia, no mesmo canto que a fundadora da Congregação das Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria Auxiliadora, então Madre Maria Benwarda Butler, hoje Santa Benwarda, escolheu para o início de sua missão na América Latina. Lá, por longo tempo você permaneceu, fiel aos seus princípios, fiel ao seu mister.
Hoje, Irmã Maria Cármen Welter, você é a pessoa que representa esta plêiade de mulheres que, há quase 100 anos, atravessou o Atlântico e veio trazer as bases do conhecimento, da cultura, da arte e da religião para as terras de Santa Cruz de Canoinhas.
Tudo o que somos, somos pelo que aprendemos com as mestras que, do velho mundo aqui aportaram incutindo em nosso âmago o gosto pelo conhecimento.
E então, por meio de suas asas, vagamos pelas mais altas esferas da música. Imiscuímo-nos nas tramas dos fios e das agulhas para a tecitura dos mais belos bordados. Empunhamos pincéis e lambuzamo-nos nas tintas, na tentativa de alcançar os píncaros dos mestres da pintura. Vocês nos ensinaram o segredo de percebermos como era fácil estudar matemática. Mas, entre as aulas de literatura e de ciências, de línguas latinas e anglo-germânicas, da história e da geografia de nosso planeta, as de etiqueta e de religião sempre estiveram presentes, moldando as nossas atitudes para o futuro.
Mostraram-nos os meandros da didática e da metodologia, entre profundos estudos do amor pela sabedoria e a investigação da dimensão do mundo real, nas magistrais aulas de filosofia ou o comportamento e os traços psicológicos do indivíduo nas incríveis aulas de psicologia.
Não havia caminho que não fosse desbravado. Jamais ficamos sem respostas aos nossos questionamentos. Porque aquelas que, no momento vocês não poderiam nos dar em outro dia as recebíamos. Pois, em horas noturnas de pesquisas vocês as buscavam, a fim de não nos deixarem com dúvidas na mente.
A história da Congregação das Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria Auxiliadora em nossa terra, confunde-se, no tempo, com a própria história de Canoinhas.
Instaladas, as pioneiras, naqueles idos anos do início da década de 20 do século passado, precariamente, em um prédio onde funcionara a cadeia pública, foram, com seu profícuo trabalho de ensinar, moldando a cultura e a educação de nossa terra.
Através de sua luta diária construíram, tijolo após tijolo, o conjunto de prédios que hoje compõem o nosso Colégio Sagrado Coração de Jesus.
E elas, que vieram de regiões ricas, civilizadas, vieram a conhecer os insetos que por aqui grassavam a rodo, sem nem saber como deles se livrar.
Vinham das regiões das neves, sim, mas onde o aquecimento das casas e prédios era coisa corriqueira. E vieram para o nosso inverno do sul para morar em uma casa onde o vento gélido pelas frestas penetrava sem cessar.
Podemos afirmar, com a mais pura convicção, que tudo aquilo que somos, nós devemos a estas mestras abnegadas que tanta coisa nos ensinaram.
Tudo o que somos, o que sabemos, a estas artífices do verdadeiro progresso nós devemos. Quem não estudou diretamente com elas, estudou com aqueles e aquelas que com elas aprenderam a arte do saber, a arte do ensinar.
Homenageando à Irmã Maria Cármen Welter, a Academia de Letras do Brasil/Canoinhas estende este preito de gratidão a todas as Irmãs-Mestras que com ela, antes dela e depois dela trilharam este caminho que deixou em seu rasto tantas realizações.
Irmã Maria Cármen, receba esta nossa Comenda Ouro Verde, instituída e outorgada pela Academia de Letras do Brasil/Canoinhas, receba este nosso preito de gratidão por tudo aquilo que você fez e por tudo o que as nossas mestras pioneiras nos legaram.