Artigo abre série de publicações dos professores Walter Birkner e Sandro Bazzanella sobre os desafios do Brasil para o desenvolvimento
Walter Marcos Knaesel Birkner*
Com grande satisfação, estamos inaugurando nossa coluna política no JMais. De modo intencional, a abertura deste espaço coincide com o início da campanha eleitoral de 2018. Antes e depois das eleições, faremos aqui uma continuada análise interdisciplinar sobre os problemas do desenvolvimento brasileiro. Os desdobramentos reflexivos não serão totalmente previsíveis, já que, por certo, muitos acontecimentos futuros orientarão nossos artigos. Não obstante, nosso ponto de partida será uma reflexão sobre os problemas do Estado brasileiro e sua espinha dorsal centralizadora, extrativista e patrimonialista.
Estamos certos de que para compreender o Brasil e vislumbrar a promoção de seu desenvolvimento precisamos decifrar o enigma do Estado e de suas relações com a Sociedade. “Decifra-me ou te devoro”, não há melhor parábola. Nesse sentido, o País precisa encontrar-se consigo mesmo, através de uma revisão intestinal, com o perdão de mais uma parábola. Significa abrir-se, reconhecer seus problemas estruturais e corrigi-los. Significa abandonar as farsas ufanistas que criamos para nós mesmos, redivivas a cada ciclo eleitoral e copa do mundo. Nosso encontro com o desenvolvimento só virá a partir da conciliação com a verdade.
Nessa perspectiva, a provocação está em redirecionar a perspectiva sociológica que fundamenta o “pensamento crítico brasileiro”. Segundo essa, nosso problema fundante seria o de qualquer outra nação capitalista, qual seja, o conflito entre o capital e o trabalho. Não que ele inexista, mas não é nosso problema estrutural. Nesse sentido, sugerimos redirecionar a perspectiva sociológica para o conflito entre o Estado e a Sociedade. Assim, estamos propondo um desafio e uma provocação ao “pensamento crítico brasileiro”, ao sugerir que o verdadeiro problema esteja na conformação do Estado brasileiro e de sua relação com a Sociedade.
Grosso modo, o Estado brasileiro é centralizador porque concentra poder de decisão e de recursos na União. A esfera federal retém a maior fatia da riqueza. Estados e municípios sofrem sem recursos. A Sociedade produz, transfere renda para a manutenção das estruturas governamentais e tem retorno precário na forma de serviços públicos e investimentos. O informado leitor desta coluna já deve ter imaginado o que mais seria o estado catarinense se o retorno fiscal fosse correspondente à contribuição de Santa Catarina ao País. Portanto, a centralização política é ruim ao desenvolvimento, gerando má gestão, injustiça e corrupção.
Ao centralizar, o Estado distancia-se da vigilância social e cresce desmesuradamente. Fica excessivamente burocrático e paradoxalmente antirrepublicano, sendo a autopreservação sua principal finalidade. Nessa direção, é caracteristicamente extrativista. Toma a Sociedade como fonte aparentemente inesgotável da extração de recursos à sua manutenção, sobrando pouco para investimentos. Em tempos de bonança, usa os recursos do extrativismo das commodities para criar cargos e promover ações que rendem votos. Quando a bonança acaba, lança mão do extrativismo fiscal, estrangulando o desenvolvimento, empobrecendo cidadãos e comprometendo gerações futuras.
Por decorrência, escancara sua face patrimonialista. O patrimonialismo é a velha prática de se apoderar do patrimônio público e usá-lo como extensão do patrimônio privado. Uma parte disso é corrupção e o exemplo explícito são as práticas de sobrevivência da quadrilha que governa o País. A outra parte é o conjunto de privilégios constitucionalmente garantidos aos grupos mais organizados e instalados na estrutura pública. Segundo o economista Marcos Mendes, do Ministério da Fazenda, a maioria dos servidores federais está entre os 1% mais ricos do País e praticamente todos estão entre os 5% mais ricos.
O regime previdenciário nacional é a expressão final, embora não a mais aguda, desse patrimonialismo legalizado. Segundo Mendes, em artigo de 27/04/2017 no sítio do Ministério da Fazenda, “dados do Banco Mundial mostram que (no Brasil) a União, os estados e os municípios, juntos, gastam 4% do PIB com aposentadoria de servidores públicos”. Enquanto isso, “o México gasta 0,5%, a Espanha gasta 0,8%, a Coréia 1% e a Grécia, cuja previdência quebrou, gasta 3,5%”. E, para iluminar apenas a casca dessa jabuticaba patrimonialista, lancemos mão do demonstrativo de gastos per capita com as aposentadorias no Brasil. Veja-se:
Despesa Média por Aposentado do Setor Público Federal vs. Valores Mínimo e Máximo dos Benefícios do Regime Geral de Previdência Social em 2016 (R$)
Fonte: Boletim Estatístico de Pessoal, dez 2016, e Previdência Social
*PS : Segundo a Revista Exame, 26/01/2017, O valor médio no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) foi de R$ 1.284.
São questões como essas que pretendemos apresentar, entre outras que surgirão ao longo do debate com o leitor. Inicialmente, elas tenderão a reforçar nossa hipótese sobre o caráter centralizador, extrativista e patrimonialista do Estado brasileiro. Por extensão, queremos testar nossa hipótese sobre o método analítico. Isto é, pretendemos reorientar o foco para o conflito entre Estado e Sociedade, em alternativa à conhecida premissa sociológica do conflito entre capital e trabalho. A intenção é exercitar as reflexões sobre os problemas do desenvolvimento brasileiro e explicitá-las. E nada mais conveniente que começá-lo em tempo de eleições.
*Walter Marcos Knaesel Birkner é sociólogo, professor da UFRR