Poemas nas mesas e a voz e o violão de “El Angel Negro”

Cuba Adair 236Jamais eu ou qualquer outra pessoa poderia dizer que conheceu alguma cidade em apenas um piscar de olhos, em curto espaço de tempo. Impossível a nós, vagantes do mundo que ainda somos, com nossos sentidos parcos, tentando captar o todo.

Assim foi em Havana. Um primeiro vislumbre em um ônibus de dois andares para uma volta pela cidade com uma narrativa, trilíngue, explicando detalhes de todos os pontos altos por onde se passava. Um turismo pela cidade toda que chamamos de “Ver Havana pela janela”. Mas, com uma vantagem adicional. O bilhete é válido para o dia inteiro e pode-se desembarcar e embarcar quantas vezes se queira.

E foi então que paramos num grande parque com monumentos históricos e cheio de frondosas e coloridas árvores. E, claro, muitos “recuerdos” sendo ali oferecidos, vendidos e comprados.

Um antigo, majestoso e tradicional hotel lá se encontra. Com enorme avarandado aberto para a grande-verde-praça-parque. Já da rua se ouvia um animado som de antigos e tradicionais boleros conhecidos que eram tocados no ritmo alucinante da salsa envolvendo ouvidos e corações. Um conjunto de músicos e cantores com vários instrumentos de sopro, cordas e percussão fazia a festa com e para quem entrasse na grande varanda.

E foi ali que encontrei um tesouro. Mesas de ferro cobertas com azulejos carregados de arte em poemas e pinturas chamaram minha atenção pela originalidade. Tentei escrever algumas em uma folha de papel até que alguém me chama e diz que voltaria no dia seguinte para me buscar, quando eu acabasse de copiar tudo. Eram inúmeras mesas e os poemas não se repetiam. Fui embora com meu povo a fim de continuarmos nossas andanças. E, em vez de rabiscos no papel, para lá voltei noutro dia e fotografei várias mesas com os seus poemas e sua arte.

Cuba Adair 237 Já escrevi que Cuba poreja arte em cada esquina, em cada viela, em cada velha parede.

Em cada bar, em cada restaurante, nas ruas, ou no grande muro que separa a avenida beira-mar do oceano, o velho e famoso Malecon, estão os músicos. E eles, com seus instrumentos, deixam o ar mais alegre, mais animado, fazendo com que se sinta uma nostalgia ao mesmo tempo em que vibrações interiores transformam um velho espírito em criança.

Pessoas nas ruas nos perguntam se queremos almoçar e nos indicam um restaurante que teria música ao vivo e que seria climatizado. Depois de longas horas com horário de almoço vencido, sob um sol radiante, de quarenta graus à sombra e de um estonteante céu azul e intenso, seguimos o personagem rumo ao desconhecido. Seguimos por vielas e corredores, por verdadeiros labirintos entremeados de flores em janelas e, já quase desconfiados e exaustos, chegamos a um pequeno espaço onde não havia mais que dez mesas com arranjos florais multicoloridos.

Fomos recebidos com ufanismo pelas garçonetes e lá nos acomodamos saboreando as famosas cervejas cubanas enquanto as pedidas lagostas iam sendo preparadas.

Lá, num canto, abraçado a seu violão que dedilhava com arte e amor, estava um homem de cabelos brancos que cantava sorrindo.

As melodias que ele tocava e cantava eram todas conhecidas. Por mim. Clássicos boleros com mais de meio século de vida. E, lá fui eu, timidamente, pedindo outros mais e mais outros e ele lá, dedilhando ao violão, cantando e encantando.

Pedi que cantasse “Angelitos Negros” que ele não se recordou de imediato. Fui, então, tentando entoar com minha desafinada voz algumas frases e então brotou a música inteira que assim termina:

        “…          

                                                                … por que nunca te acordaste

                                                                              de pintar un Angel Negro?”

 

Cuba Adair 238Depois dos acordes finais em seu violão o cantor sorriu para nós e nos disse:

“Mi nombre es Angel”.

E ele era negro.

Emociono-me ainda quando lembro dos olhos de Angel, ao violão, marejados de lágrimas e depois o abraço único, abraço irmão, que parecia ser o abraço de reconhecimento de quem se conhecia a milhares de anos.

E ele, ali, continuou tocando e cantando pelo resto da tarde fazendo com que o mundo dançasse feliz.

 

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