A bidirecionalidade da onda conservadora

Bolsonaro foi o grande herdeiro político da onda conservadora, mas não foi o único

 

Dr M. Mattedi*

 

Bolsonaro foi o grande herdeiro político da onda conservadora, mas não foi o único… Esta onda começou nas Jornadas de Junho de 2013, cresceu a polarização nas Eleições de 2014, foi impulsionada pela Solução Temer em 2016, e atinge sua crista nas Eleições de 2018. O Bolsonarismo constitui apenas o meio atual de transferência de toda esta insatisfação para o sistema político. A amplitude desta onda não pode ser ainda plenamente estimada, porém é possível supor os possíveis impactos. Para examinar estes impactos é preciso considerar três forças desencadeadoras: a) a perda da legitimidade do sistema de político; b) a ação política nas mídias sociais; c) a estratégia de oposição pelo PT.

 

 

Desde a redemocratização a reprodução do sistema político provocou um progressivo bloqueio da insatisfação social. Por um lado, as Jornadas de Junho de 2013 materializaram a insatisfação com as políticas públicas escolhidas pelos representantes. Por outro, com a atuação da Lava-Jato na questão da corrupção aumentou o clamor popular pela higienização do sistema político. Além disso, a tentativa de autoproteção do sistema político por meio da Solução Temer acabou intensificando a crise de legitimação. O efeito combinado deste processo foi a destruição das referências políticas e a confiança nas convenções institucionais fixadas a partir da Constituição de 1988.

 

 

Ao mesmo tempo as mídias sociais quebraram o padrão de curadoria da informação exercido pelos meios de comunicação convencionais. É que a diminuição do custo de produção da informação permitiu que, por um lado, o candidato fale diretamente com o eleitor por meio da customização da informação; mas também,a redução das implicações individuais do ativismo político por novas modalidades de participação. Por isto, grande parte da interação política permanece latente em contextos difíceis de serem monitorados. Neste sentido, a mudança na forma de fazer política pelas mídias sociais permitiu que a insatisfação se propagasse.

 

 

Além disso, para sobreviver eleitoralmente o PT pós-impeachment pôs em operação uma estratégia política muito bem-sucedida de reconquista do monopólio da oposição. Esta estratégia baseou-se em dois movimentos. Primeiro, encobrir os erros do passado: no período pré-eleitoral combinou o Discurso do Golpe (#ForaTemer e a Disciplina do Golpe) e Vitimização de Lula (#LulaLivre e Acampamento Pró-Lula). Segundo, neutralizar as lideranças de centro: no primeiro turno com a Polarização (Autoritário x Democrata com #Elenão) e no segundo turno Unidade Forçada (Bolha do Medo com #Elenunca). O PT sobreviveu, mas deixou para trás um cenário político desolador.

 

 

A turbulência criada por estas três forças enfraqueceu a confiança do eleitor na ordem discursiva e institucional existente. Neste sentido, o Bolsonarismo constitui o direcionamento eleitoral de toda insatisfação. Soube canalizar politicamente o desencanto com o passado, raiva com o presente e o medo com relação ao futuro, soltos desde 2013… E é por isto que o Bolsonarismo é constituído por uma articulação heterogênea de desanimados, indignados e assustados. Portanto, o sucesso do Bolsonarismo foi o alinhamento eleitoral entre a descrença com os governantes e a desconfiança com a alteridade, num pacote antilulista propagado pelas mídias sociais.

 

 

Porém, talvez, converter a insatisfação, raiva e medo em capital político para ganhar a eleição seja o menor dos problemas. O desafio do Bolsonismo é transformar a confiança eleitoral em condições de governabilidade. É que Bolsonaro pode se tornar presidente sem partido, sem programa e sem campanha. E em um curto espaço de tempo terá que controlar a agressividade de militantes, entender a burocracia, conciliar interesses no congresso, conviver com a crítica da imprensa, enfrentar a resistência das ruas… Considerando estes fatores, a onda conservadora representa três grandes riscos: a) o Bolsonarismo Descontrolado; b) o Bolsonarismo Improvisado; c) o Bolsonarismo Sitiado.

 

 

Bolsonarismo Descontrolado diz respeito ao efeito da onda conservadora na vida cotidiana. Mais precisamente, evitar que a instrumentalização do ressentimento da campanha se converta em revanchismo contra opositores.Neste sentido, o desafio parece ser impedir que espuma emocional criada pela dialética excitados-angustiados dificulte uma reconciliação futura. Afinal, os afrontamentos que marcaram a campanha podem acabar exacerbando as agressões físicas. O que está em jogo aqui são as condições das lideranças de conter uma eventual escalada de violência. Portanto, trata-se da capacidade política do Bolsonarismo de administrar o ódio.

 

 

Já o Bolsonarismo Improvisado refere-se ao risco de paralisia da máquina pública. O PSL constitui um partido em formação e com pouca experiência administrativa. Faltam ainda ao Bolsonarismo quadros suficientes para tocar a burocracia federal. Isto significa que os desacertos da campanha podem se intensificar durante a gestão. Isto pode acontecer devido a dificuldade de formar uma equipe experiente para ocupar os cargos de segundo e terceiro escalão; mas também devido a necessidade de respeitar o ritmo incremental da administração pública. Portanto,a curva de aprendizado do Bolsonarismo pode ter um custo social alto.

 

 

Porém, a principal ameaça constitui o Bolsonarismo Sitiado. O Bolsonarismo Sitiado compreende o rebote militar de uma eventual crise institucional causada por um bloqueio de ordem política ou mesmo judicial do governo. Por um lado, trata-se da capacidade do Bolsonarismo de atrair e manter apoio parlamentar; por outro, a capacidade do Bolsonarismose respeitar o perímetro do Estado de Direito. Trata-se da imprevisibilidade institucional do Bolsonarismo caso seja pressionado politicamente pelas ruas ou encurralado pelo congresso. Em outras palavras, a possibilidade de uma variante autoritária para constrangimentos institucionais.

 

 

Portanto, a onda conservadora é um movimento bidirecional. Paradoxalmente, o sucesso eleitoral de Bolsonaro implicou a sobrevivência do PT. É que, se na crista da onda quem brilha é Bolsonaro, no vale quem aparece é Lula.Assim, na verdade, o PT também saiu fortalecido eleitoralmente da onda conservadora. A apostado PT é que se hoje o Lulismo é o problema, amanhã será a solução…Afinal, se o Bolsonarismo não conseguir aumentar a renda, melhorar o governo e conter a fúriaa direção da onda vai mudar de direção.Ironicamente, talvez amanhã o Lulismo não seja mais suficiente para reconstruir os impactos causados pelo efeito combinado Bolsonarismo de hoje!

 

*Dr M. Mattedi é sociólogo

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