A entrada era por uma escada de madeira, como de madeira era todo o prédio de cor marrom que se afigurava a minha frente. Subindo por ela é que se chegava até um minúsculo e quadrado saguão. Do lado de fora, bem à direita, uma corrente pendurada com um cabo de madeira torneada em sua ponta inferior e que no alto, após se encaixar em uma roldana, sumia para o interior da construção.
Minha mãe puxou a corrente e, ao longe, ouvimos o tilintar de uma campainha, mais toque de sino que de campainha. Naquele pequeno quadrado havia três portas e na porta bem a nossa frente uma pequena janela que, ao ser aberta nos mostrou um rosto sorridente. Rosto apenas porque o todo mais coberto era por uma touca branca que descia até o pescoço e encimado ainda o era por um negro véu.
E eu, ali embaixo, com uma das mãos segurando minha mochila escolar e na outra a mão de minha mãe que, ao apertar a minha sinalizava silêncio. Ela carregava ainda uma pequena mala com minha roupa de uso pessoal. O grande enxoval de menina já havia chegado, antecipadamente, dentro de um grande, velho e muito usado já, baú de madeira.
Para uma criança tudo é grande e eu olhava a grande freira cujo rosto aparecera na janelinha falando para minha mãe que já iria abrir a porta da grande sala que era a sala de visitas.
Nesta sala eu vi muitas cadeiras e uma mesa, tudo de vime, e havia também um antigo piano. E sorrindo nos deixou dizendo que a Irmã Superiora, Madre Albertina, já viria nos receber.
E ela chegou. Sorridente. Como sempre era. Aquele rosto que já me parecia ser de uma santa. Olhos brilhantes. Suave era a sua voz. E ela não me pareceu tão grande com toda aquela meiguice com que nos recebeu. Eu já conhecia aquele sorriso. Já conhecia aquele rosto. Já conhecia aquela voz. Inúmeras vezes ali eu já estivera, com minha mãe, em visita às minhas irmãs mais velhas que naquele vetusto educandário já haviam estudado. Internas. Como agora seria eu dali em diante.
Acompanhamos Madre Albertina numa romaria por todo o Colégio que se chamava “Instituto de Educação Sagrado Coração de Jesus”.
Pela porta da direita daquele pequeno saguão entrava-se numa outra salinha onde funcionava a secretaria e a tesouraria. E também lá havia um piano.
Saímos para um corredor e Madre Albertina foi explicando os detalhes: Pela porta, à esquerda, a capela. À direita, o refeitório das internas, depois a sala de música com mais dois pianos, violinos, acordeões e eu embasbacada, quase sem respirar, a tudo olhando. “Por esta escada sobe-se para a Clausura onde as Irmãs se recolhem para ler, estudar, rezar, meditar e dormir. E além de nós, freiras, só o padre-capelão ali pode entrar. Ninguém mais”, completou Madre Albertina.
Saindo desse corredor chegamos a uma varanda aberta. Mais outra porta, à esquerda, onde estava escrito Clausura e a Madre explicou que era o refeitório das Irmãs com a cozinha ao lado. Depois a lavanderia. E no lado oposto um jardim, uma horta pequena e os sanitários.
Quando chegamos ao final desta varanda, ainda de madeira, subimos então por uma pequena escada e entramos na parte nova do Colégio que era todo em alvenaria, com três pavimentos, tudo na cor do cinzento cimento.
Avarandado imenso com um assoalho em azulejos em xadrez preto e branco. Inúmeras portas que se abriam para as salas de aula. E depois de passarmos por uma grande porta apareceram as escadarias, lindas escadarias que nos levariam ao segundo piso.
E então, logo depois, à esquerda das escadas, a grande sala de estudo, onde eu já tinha um lugar designado, bem à frente, onde ficou minha mochila com meus livros, meus cadernos, o penal e toda aquela parafernália que toda criança carrega e que só criança sabe para o que serve. Algumas internas já lá se encontravam. Em silêncio absoluto. Fui apresentada. Alguns sorrisos amigos e alguns sorrisinhos sem graça.
No alto de uma enorme prateleira encostada a uma parede lateral lia-se em enorme faixa: ”Um lugar para cada coisa e cada coisa no seu lugar.” Era onde se guardavam panos a serem bordados, lãs, fios, agulhas e outros pertences mais.
Não havia quadro negro porque não era sala de aula. Em seu lugar a imagem de Nossa Senhora das Graças, rodeada de frescas flores lá em seu nicho, bem no alto, na parede da frente. E um púlpito onde a Irmã encarregada nos vigiava enquanto corrigia cadernos e ou preparava lições.
Mais um lance de escadas e estávamos nos dormitórios. De um lado o das chamadas médias e grandes e do outro o das pequenas aonde eu iria me acomodar para dormir.
Mostraram-nos o local de minha cama, o armarinho embutido onde o meu baú já se encontrava e o espaço para mim designado em outro grande armário cheio de cabides onde seriam pendurados os uniformes.
Minha mãe me ajudou a arrumar a cama e a colocar tudo em ordem no pequeno armário embutido. Foi esta ajuda que me deu ânimo na hora da despedida. Porque tudo ficara impregnado com o perfume dela e assim eu poderia fingir que a teria comigo em todas as próximas noites que me aguardavam na solidão de um internato de meninas.