Acadêmico de Filosofia reflete sobre a vitória do candidato do PSL
Alaércio Bremmer*
Essa foi a eleição do medo; a eleição da exclusão; da indignação. Ao me questionar sobre quais motivos levaram uma figura do porte de Jair Bolsonaro ao cargo mais alto da nação, chego a uma diversidade de motivos, alguns conectados e outros não. Entretanto, há um motivo central que perpassa todos os outros, ou antes, é o cerne de todos os outros: a abdicação do pensamento (do qual tratarei mais a frente).
De longe, o maior motivo que levou tanta gente a votar em Bolsonaro foi o ódio ao PT, ódio este criado e sustentado nos idos de 2014 por setores da oposição, da mídia e do judiciário, que veio a desencadear no impeachment de Dilma Rousseff e que com os casos de corrupção que iam surgindo depois deste, veio a ser reforçado e internalizados por uma grande massa de brasileiros, que de uma forma ou de outra se sentiu traída/enganada pelo Partido dos trabalhadores. Somado a isso, entram em cena algumas agruras sociais, tais como alto índice de desemprego, problemas crescentes de segurança pública, crise econômica e claro, mais e mais casos de corrupção advindos da política de um modo geral. O povo se sentiu revoltado (e com alguma razão até) o problema, é que com esta revolta inflamada, ele foi ansiando soluções imediatas e foi abdicando cada vez mais de sua capacidade de pensamento; mas, revolta irracional, como bem a história já nos provou, não melhora absolutamente nada, pelo contrário, só faz mesmo é piorar o que já está ruim.
É nesse contexto de extrema desorganização do país, que surge por meio de programas sensacionalistas como Superpop e CQC, a figura caricata de Jair Messias Bolsonaro, um indivíduo famoso por seus incontáveis discursos de ódio, que se colocava como uma figura nova na política (muito embora já estivesse nela há 28 anos e com apenas dois projetos aprovados) e que irá se aproveitar dessa onda de indignação crescente para se promover como um “salvador da pátria”. Amparado numa política do medo, ele cria monstros e ameaças discursivas, que não existem ou não tem a menor possibilidade de ocorrer, como comunismo, socialismo, doutrinação esquerdista e coisas do tipo. Além disso, sua fala enquanto político, irá direcionar-se para a culpabilização do outro, isto é, “o outro” é a causa dos problemas que o Brasil está enfrentando. Importante lembrar, que o outro sempre será as minorias, aqueles pequenos grupos que não constituem ameaça alguma, mas que com seu discurso do medo, acabam por se converter em grandes monstros; nesse sentido, a comunidade LGBT vai ser a culpada pela “imoralidade” da sociedade, imigrantes são os responsáveis pelo desemprego, pessoas e políticos de esquerda são os corruptos e índios e quilombolas são grupos que não servem pra nada e só atrapalham. Evidentemente que a solução é muito simples: se suprimirmos o outro, boa parte dos nossos problemas estarão resolvidos. Como as pessoas estão revoltadas com absolutamente tudo e procuram a todo custo os culpados de seus problemas, esse discurso contra o outro é facilmente comprado.
Outro motivo que também explica o crescimento de Bolsonaro, é que, para além de ser um simples político, ele também acabou por se converter em uma causa, um movimento e uma “marca”, tanto é que é isso, ao meu ver, que explica seu considerável número de eleitores jovens nessas eleições. Vejamos bem: o jovem de hoje em dia, na sua grande maioria, leva uma vida “vazia”. Sua vida consiste num show de trivialidades e aqueles ideais, que um dia conquistaram com veemência os jovens lá no século XX, já não o conquistam mais (pelo menos não como antes); e onde entra Bolsonaro nessa história? Bom, essa juventude “frustrada”, viu em Bolsonaro uma “causa” pela qual lutar, causa esta que supre o vazio existencial de suas vidas, já que nesta causa, ele encontra outros pares lutando pelo mesmo, ou seja, cria-se um “senso de comunidade”. Nesta comunidade, ele encontra um código ético a ser seguido, o que pensar e o que não pensar, e sobretudo, um “ideal” para defender. Em suma, eles têm suas vidas organizadas e seu vazio suprido, nem que seja pelo ódio.
O curioso ao ver Bolsonaro eleito presidente da república, é ver que o mesmo não apresentou propostas construtivas por assim dizer. Quase tudo o que ele falou ao longo deste ano, foi focado no discurso de medo e de culpabilização do outro como já citado, ou então, em propostas de cunho negativo, do tipo “vamos acabar com isso” ou “não vai ter isso” ou então “acabar com X pra ter Y”. Se as pessoas parassem pra analisar e deixassem as paixões um pouco de lado, veriam que as propostas de Bolsonaro são horríveis, falaciosas e vazias. Por exemplo: Bolsonaro diz que irá aumentar empregos, tirando alguns direitos trabalhistas (já que segundo ele, é preferível ter mais emprego e menos direitos, do que ter muitos direitos e pouco emprego); qualquer pessoa minimamente sensata, percebe que com isso ele não resolve problema algum, já que, do que adianta arrumar uma coisa piorando outra? os problemas continuam da mesma forma, ficam eles por eles, afinal, de que adianta gerar mais empregos, se estes empregos terão as piores condições possíveis? O mesmo ocorre no que tange a educação- Bolsonaro diz que irá investir mais no ensino fundamental, mas quer fazer isso tirando do ensino superior público, ora, do que adianta arrumar um setor e sucatear outro? Percebam de que, se analisadas a fundo, as “propostas” de Bolsonaro não se sustentam, e são tão vazias quanto ele. Aí que mora o problema; aí que mora a causa central de Bolsonaro ter conseguido ganhar as eleições: a abdicação do pensamento, da análise e da racionalidade (muitas vezes de forma voluntária).
Recuso-me a pensar que a grande maioria das pessoas que votou em Jair Bolsonaro sejam pessoas ruins; Recuso-me a pensar que 55% dos brasileiros sejam protofascistas. Não, definitivamente não podemos generalizar (toda generalização é burra, lembremo-nos disso). Há diversos eleitores de Bolsonaro que não compactuam com seus discursos de ódio e preconceito (inclusive, penso que os que compactuam são a minoria dentro do grande círculo bolsonarista), muitos estavam apenas, querendo mais empregos, uma melhor situação para poder empreender ou simplesmente tirar o PT do poder. Entretanto, o ponto que liga desde o eleitor mais extremista de Bolsonaro até seu eleitor mais “brando” é a abdicação do pensar, sobre o qual, tratou com grande maestria, a filósofa alemã Hannah Arendt, no século XX. No seu famoso livro “Eichmann em Jerusalém”, publicado em 1963, Hannah Arendt analisa e comenta o julgamento de Adolf Eichmann, um indivíduo aparentemente comum, que, no entanto, havia sido um dos principais organizadores do holocausto. Quando era indagado sobre o porquê tinha feito todos aqueles horrores, ele respondia que estava apenas cumprindo ordens e obedecendo a um juramento que prestou. A filósofa constata então, que Eichmann era de fato um sujeito cotidiano, que realmente só estava a obedecer a ordens, a questão é que nesse ínterim de obediência, Eichmann abdicou daquilo que mais nos caracteriza como humanos: nossa capacidade de pensamento; nossa capacidade de formular juízos de bem e de mal. Quando isso acontece, o humano é capaz de compactuar com coisas terríveis (ainda que indiretamente) como sistemas totalitários. O mesmo ocorre agora no Brasil: ao abdicarem de sua capacidade de pensamento, de análise, e sobretudo, de empatia, muitos estão compactuando com um sistema autoritário, que ameaça o estado democrático de direito, o meio ambiente e as minorias, sejam elas quais forem.
Os motivos agora nos ficam claros, fica fácil traçar um panorama das razões que levaram Bolsonaro ao cargo de presidente da república. A segunda pergunta que devemos fazer é: o que esperar de um governo Bolsonaro? Essa questão flutua no ar e as mais incontáveis respostas acabam por surgir e desaparecer, envoltas ainda numa névoa, que só irá se desfazer mesmo a partir do dia 01 de janeiro de 2019. É difícil dizer ainda com exatidão o que nos espera, já que como foi posto anteriormente no texto, suas propostas são vazias; seus discursos mais ainda, de modo que fica difícil saber o que é mentira e o que é verdade, o que vai ser aplicado e o que não vai. Aqui entra em cena, o dito “esperar pra ver”. Mas, se aqui no texto ficou evidente o ponto central do que levou Bolsonaro ao poder (ausência de pensamento), penso que, se não conseguimos estabelecer o que pode vir a acontecer em 2019 em seu governo, conseguimos pelo menos, traçar um ponto central do que ele vai ser: retrocesso. Como esse retrocesso irá se demonstrar na sociedade e o nível que ele atingirá, só o tempo mesmo pra nos dizer. Até lá, vamos pensar, refletir, ponderar, sopesar (já vimos o efeito que a ausência disso causou no país) afim de já estarmos preparados para a prática e pra resistirmos quatro anos obscuros que nos aguardam. Pensemos… pensemos… esse poder ninguém há de nos tirar.
*Alaércio Bremmer é acadêmico do curso de filosofia na Unespar, campus de União da Vitória