A cada 3 dias, um adolescente comete crime em Canoinhas

 Foto: Arquivo

Desde os 12 anos, Paulinho, como se popularizou no meio policial canoinhense, perdeu as contas de quantos furtos praticou. Envolveu-se, também, com drogas, e foi detido (e liberado) inúmeras vezes. Quando completou 18 anos, ninguém se surpreendeu quando foi preso pela primeira vez na Unidade Prisional Avançada (UPA).

O exemplo é recorrente em todo o Brasil. Bem por isso, o envolvimento de menores de idade com a criminalidade virou uma das maiores polêmicas do ano no Congresso Nacional. O projeto que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos é de 1993, mas só agora tem condições de ir à votação no plenário. Na quarta-feira, 17, a comissão especial instalada na Câmara dos Deputados para discutir a proposta de emenda constitucional (PEC) da redução da maioridade penal emitiu relatório favorável à medida. O relatório restringe a medida apenas para os crimes hediondos, homicídio doloso, lesão corporal grave, lesão corporal seguida de morte e roubo qualificado. A intenção do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, é de colocar o projeto em primeira votação no próximo dia 30.

Dados da Polícia Civil apontam que em Santa Catarina, 12% dos crimes cometidos entre 2008 e 2015 partiram de adolescentes. Neste ano, 33 adolescentes (14,1% do total) se envolveram em crimes contra a vida.

Em Canoinhas, os dados são semelhantes. Segundo o 3º Batalhão de Polícia Militar (BPM), a cada três dias, um adolescente é flagrado cometendo uma infração. A Polícia chama de crime um furto, por exemplo, quando cometido por maior de idade. Para o adolescente, chama de ‘ato infracional’. O dado corresponde, igualmente, a 12% do total de crimes registrados em 2014 na cidade, quando das 1.240 ocorrências registradas, 112 tiveram envolvimento de menores. “Não parece um número muito significativo, mas se considerarmos que dos quatro homicídios registrados no ano passado, um foi cometido por um menor, a taxa sobe para 25%”, pondera o comandante interino do 3º BPM, major João Marcos Dabrowski de Araújo.

 

POLÊMICA

Pela legislação atual, independente do crime cometido, o menor de 18 anos é encaminhado à Delegacia. O delegado reporta o caso à Justiça, que define a medida socioeducativa, que pode variar de prestação de serviços à comunidade (caso de furtos e envolvimento com drogas) à privação de liberdade em um Centro de Internamento Provisório (CIP) nos casos de crimes hediondos. Enquanto manter os CIPs é responsabilidade do Estado, cabe ao Município garantir a execução das demais punições. Em Canoinhas, o responsável por esse trabalho é o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas). Dos quatro municípios da Comarca, Canoinhas é o único que tem Creas.

Na semana passada, o promotor de Justiça, Eder Viana, firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com os outros três Municípios da Comarca fixando prazo para instalação de um Creas. Canoinhas também precisa se adequar à lei de 2012 que determinou as diretrizes das medidas socioeducativas no País. Falta, por exemplo, um advogado acompanhando a execução das medidas.

Para Viana, o sistema atual de punição a adolescentes infratores é ineficaz, porque sequer chegou a ser implementado totalmente. “O Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) data de 1990 e prevê todos os direitos e obrigações para todo mundo na tutela da criança e do adolescente, mas só em 2012 tivemos a lei que estabelece um sistema nacional para aplicação de penalidades para os adolescentes que, por sinal, não é totalmente cumprida”, explica.

Para o delegado regional Wagner Meireles, o sistema atual faz com que a sociedade tenha a sensação de que nada está sendo feito contra adolescentes infratores. “O fato de que o adolescente vai para a Delegacia e é liberado em seguida não significa que ele não será punido. Essa condição é necessária. Se é um menor de 18 anos flagrado praticando furto, ele muito provavelmente não vai ficar apreendido, no caso de ser um crime que não envolva violência contra a pessoa, mas a punição acontecerá”, garante.

Para Meireles, a questão da maioridade penal passa pelas vertentes jurídica e social. “Isso envolve a estrutura do Estado Brasileiro, investimento em educação e na família. Todas essas questões levam ao debate e não há consenso”, opina.

 

FAMÍLIA

As autoridades canoinhenses concordam que está na família a raiz do problema envolvendo menores infratores. “Os próprios pais abandonam os filhos. Ontem mesmo um policial militar me contou que passa por uma casa e um adolescente xinga a Polícia do lado da mãe. Precisamos combater isso daí. O problema é que o Estado não tem condições de se envolver na família. A sociedade tem de se reunir não pensando só em repressão, mas em educação”, opina Meireles.

Viana diz que não passa uma semana sem ouvir de pais de adolescentes infratores que eles não podem com a vida do filho. “Quando isso ocorre já temos um grande problema. A família é onde o adolescente cresce, aprende e é orientado. Aí, a família chega na frente do adolescente e diz que não consegue mais educá-lo”, lamenta o promotor.

Para o major Araújo, tem de haver mudanças, “mas não sei se a redução para 16 anos vai dar o resultado que esperamos. Tem de pensar que se temos 10% do total de ocorrências envolvendo menores, teremos 10% de excesso de lotação nas prisões. Outra questão é que o adolescente que cometeu 50 furtos não pode ser comparado com o adolescente que comete um furto”, compara.

 

Em 1961, deputados visitam o Instituto Macedo Soares, no RJ, que recebe menores infratores, e encontram instrumentos de castigo, como palmatórias/Reprodução/Jornal O Globo
Em 1961, deputados visitam o Instituto Macedo Soares, no RJ, que recebe menores infratores, e encontram instrumentos de castigo, como palmatórias/Reprodução/Jornal O Globo

HISTÓRIA

A evolução da justiça brasileira em relação a crimes cometidos por adolescentes

1603 * 20 ANOS

Era a idade da maioridade penal, sendo que, dos 17 anos até esta idade, eram elaboradas punições em gradações diferenciadas. Antes dessa faixa, eram impostas penalidades bem mais brandas.

 

1830 * 21 ANOS

Com o Código Criminal do Império, o primeiro deste tipo, foi definido um novo marco para a maioridade. Porém, jovens com idade inferior podiam sofrer punições se o juiz entendesse que o autor tinha discernimento sobre a infração cometida.

 

1890 * 9 ANOS

Apesar de a maioridade continuar sendo 21 anos, o novo código do período republicano firmou que jovens a partir dos 9 anos já poderiam ser classificados como menores infratores. Ainda assim, valia o critério de discernimento, caso quem cometeu a infração estivesse fora da faixa etária.

 

1921 * 18 ANOS

O atual marco para maioridade penal foi estipulado em lei no início do século passado. Porém, as interpretações sobre os menores infratores sofreram diversas modificações desde então. A principal delas ocorreu na década de 1980, com a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

 

 

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