A época, o clima, o tudo e o todo em torno de um monumental evento como é a Copa do Mundo de Futebol faz com que a vida e o pensamento só girem em torno deste tema.
E a memória se volta para um tempo distante e se embrenha nos sótãos e porões onde se acumularam histórias. Histórias vividas, histórias ouvidas, histórias convividas.
No bojo desse navio que singra tantos mares revoltos surge uma luz que vai, aos poucos, clareando cada canto escuro e cada espaço sombrio destes sótãos.
Não vou falar desta Copa do Mundo de Futebol, nem sobre o que se passa ou se passou à luz das arquibancadas ou em outros bastidores onde tramadas e estudadas foram todas as táticas e todas as técnicas.
Do que eu quero falar hoje e aqui são das lembranças de outrora, daquele prazer imenso que o futebol-arte, o futebol-esporte nos trazia em cada domingo pelas ondas de um rádio.
No ano em que eu nasci acontecia já a segunda edição desta série de vinte eventos mundiais. E foi na Itália. Que foi a campeã. E que ficou mais uma vez com a taça “Jules Rimet” em mil e novecentos e trinta e oito.
Quatro anos antes de eu nascer, em mil e novecentos e trinta, desenrolou-se a primeira no gramado que ficou famoso como o Estádio do Centenário, ali, bem ao sul, no vizinho que fica aos nossos pés. E a Celeste Olímpica foi a primeira campeã. Título que o Uruguai viria a repetir no que era a nossa mais triste lembrança. A lembrança da Copa de mil novecentos e cinquenta. E após esta derrota eu ficava a perguntar aos entendidos em futebol: “por que não tem returno?” Eu queria, de qualquer forma, que a Copa continuasse e que no returno o Brasil ganhasse…
Da edição seguinte eu pouco ou quase nada lembro. Rádio era um luxo que estudante morando em Pensionato não tinha. E com os estudos e as famosas provas do meio do ano quase nada ficamos sabendo a não ser que a nossa seleção logo voltaria para casa.
Mas, na de Cinquenta e Oito já tínhamos rádio e as notícias chegavam na hora. Havia um moleque de dezessete anos que jogava no Santos a quem chamavam Pelé e que estava fazendo furor em campo. Era o iluminado da bola nos gramados da Suécia. Enquanto fazíamos as provas, os professores vinham trazendo as notícias das intermináveis séries de gols e de vitórias.
Estávamos já no último ano da Faculdade de Medicina. Um grupo nosso que desde o começo do curso juntava as moedas para uma viagem aos países do Cone Sul estava num voo de Foz do Iguaçu para Assunção, no Paraguai, justamente no horário do jogo da final da copa. E as comissárias de bordo nos traziam o andamento da partida. O grito de vitória nos foi trazido pelo próprio comandante do avião. E a comemoração começou ali mesmo, nos céus do país vizinho.
Continuamos a festa em terras paraguaias em um prédio da Embaixada onde ficava instalado o nosso Adido Militar.
E a taça veio para o Brasil. Pela primeira vez.
Mais outra copa ouvida agora ao pé do rádio. E novo campeonato ganho pelos canarinhos.
A seguinte é que não foi boa. Desânimo do povo, acuado naquele mil e novecentos e sessenta e seis em que o silêncio era a ordem do dia. Temerosos nós éramos até de ouvir as notícias que o rádio transmitia. E foi nesse triste clima que mais triste ainda ficamos com a derrota nos campos de futebol da Inglaterra. Um Pelé lesionado… um locutor esportivo que dava as notícias por tabela porque até a transmissão direta fora interrompida. E o caos, o silêncio maior.
Mas depois chegou o famoso ano de mil e novecentos e setenta. Já com televisão transmitindo os jogos ao vivo e a cores em tempo integral. Festas, algazarras, desfiles em carros pela nossa cidade a cada final de jogo. Um povo que se levantava das masmorras da ditadura para aplaudir a seleção canarinho em cada esquina, em canto de nosso Brasil. Com a música tema que não sai de minha memória mas que não sei por onde anda e nem o que aconteceu com ela que não se toca mais, que não a ouço mais. Era aquela dos noventa milhões em ação. Aquela que cantava “Pra frente Brasil do meu coração”.
Eram sombreros mexicanos em verde-amarelo. E Las Mañanitas e Adelita cantadas em ritmo de samba no México e aqui.
E, definitivamente, a Taça “Jules Rimet” ficou no Brasil. O primeiro a conquistar três títulos.
Por que o futebol mudou?
São as memórias mais antigas que trazem a nostalgia de um tempo em que o nosso futebol-arte, o nosso futebol-moleque era ovacionado em todo o mundo.
Tenho saudade daquele futebol dos dribles, das firulas, das jogadas folha-secas, dos passes mágicos daqueles mágicos que faziam balé em campo.
Por que mudaram para futebol-duelo, futebol-quebra-canela, futebol-coice?