Alongar, Meditar, Malhar…

Leia a crônica do fim de semana de Adair Dittrich                                                                                 

 

Acordar e espreguiçar-se. Acordar e esticar pernas e braços. Um reflexo tão natural, incondicionado, de­ todos os seres do reino animal, tanto quanto o de comer ou de dormir.

O pequeno e indefeso recém-nato já alonga todo o seu corpinho tão logo abre os olhos após um sono feliz.

Felinos e caninos mal saindo de sua modorra diuturna já estão espichando seus membros dianteiros e traseiros.

E o nosso alongamento diário, em cada retorno de nossas andanças pelo mundo dos sonhos, ficou esquecido nas distâncias dos tempos que nos separam de nossa infância. Porque não é mais um reflexo incondicionado. Condicioná-lo é preciso.

Ah! Os nossos tão esquecidos exercícios largados para um último lugar em nossas agendas sempre tão lotadas de afazeres mil!

Claro que os nossos músculos sentem um desconforto no início de seu trabalho. Mas, se tudo está normal conosco, se não há uma patologia que impeça o exercitar-se, nada impede que se comece.

O desconforto e a dor muscular são causados pela produção orgânica de ácido láctico. Mas, se nosso organismo produz uma maior quantidade de ácido láctico causando dor após forçados exercícios físicos, produz também um peptídeo com potente efeito analgésico. É a nossa endorfina que começa a mostrar seus efeitos antiálgicos e euforizantes após vinte e cinco minutos de caminhada e ou pedaladas. Quem consegue alcançar este tempo sente depois uma felicidade interior muito grande gerando a vontade de permanecer em atividade física.

Lembro-me de meu tempo de criança nas aulas de ginástica na Escola Elementar de minha vila. Todos os alunos no pátio, sob as ordens da professora, ritmicamente, naquele abaixar-levantar, rodar e marchar, a exercitar o corpo, sem nem saber os porquês.

Depois, já no Colégio Sagrado Coração de Jesus, em Canoinhas, a evolução dos movimentos agregados a um maior discernimento e conhecimento do que se fazia.

Em nosso Sagrado Colégio já existia um belo e gramado campo de Educação Física. Com pista de corrida em seu entorno. Com quadra de voleibol. Com cancha de areia para salto em distância e salto em altura. Com cavalo com alça e cavalo sem alça na lateral do campo. Construídos com grossas tábuas de imbuia. Havia ainda todo o material necessário para ginástica rítmica. Tínhamos fitas e arcos. E uma bola diferente. Que era parecida e da mesma cor do couro das bolas de futebol ou voleibol. Diferenciava-se delas por ser uma bola sólida e pesada. Era a Medicine Ball para condicionamento físico.

Nossa professora era severa. Eu diria que era até mais severa que as freiras. Se os exercícios não fossem realizados como ela ensinava sentíamos seus verdes olhos a nos fuzilar.

Era uma artista naquilo que fazia. Sempre com sua camiseta branca adornada com os arcos olímpicos e o apito no pescoço pendurado por grosso cordão verde-amarelo. Tinha a tez sempre tisnada pelo sol de todas as estações. Porque levava sua vida sempre ao ar livre.

Era ela Dona Cecy Cesconetto.

Nosso uniforme de Educação Física é que era o caos. Enquanto as meninas do Almirante Barroso desfilavam seus curtíssimos calções nós éramos obrigadas a ostentar uns calções-saiotes-modelo-idade-média. Quase impossível descrevê-los. Sua cor era preta. Com pregas-machas costuradas que desciam desde a cintura até alcançar a região inguinal ou das pregas glúteas. Deste ponto em diante as pregas não mais eram costuradas, mas, soltas. E o calção-saiote separava-se em duas partes que desciam até os tornozelos tendo por acabamento uma bainha por onde passava um elástico. Puxando-se esta parte com elástico até para cima dos joelhos, os calções-saiotes dobravam-se sobre si mesmos formando uma saia em balonê ou em balonas. Como eu disse, difícil de descrever.

Imagine-se com aquela indumentária jogar vôlei, fazer exercícios físicos e até conseguir o salto em altura e o salto em distância…

Nós não ríamos. Não nós. Era o nosso uniforme. De Educação Física.

E praticávamos exercícios físicos não só na hora da aula de ginástica. Em todas as tardes (se não chovesse), após o jantar, em nosso grande recreio que se estendia até as sete horas da noite, nós nos deleitávamos na cancha de vôlei ou nas mais inusitadas brincadeiras de correr e pular.

Quando entrei no Curso Científico, em Joinville, teve início a época do sedentarismo em minha vida.

Éramos apenas quatro garotas lá estudando. Sem possibilidade de competirmos com os rapazes nos jogos de futebol ou basquete.

As circunstâncias da vida obrigaram-me a uma transferência para Curitiba. Onde fiquei deslumbrada com o complexo esportivo do grande Colégio Estadual. Aulas de natação estavam inseridas em nossa grade curricular. Até um maiô azul fazia parte do uniforme. Em algumas tardes até lá ficamos esperando que as aulas começassem. O inverno começou antes.

Como os estudos preparatórios para o exame vestibular estivessem já se intensificando necessário foi procurar um colégio mais próximo do pensionato onde eu morava. E acabou-se a longa caminhada de ida e volta desde a Praça Ruy Barbosa até o Passeio Público. Nas manhãs era só atravessar a rua e já me encontrava em minha nova escola. Nas tardes andava mais um quarteirão e chegava ao local de nosso cursinho preparatório.

As caminhadas só se reiniciaram após meu ingresso na Faculdade. Não era uma longa distância a percorrer. Mas já era alguma coisa, analiso eu hoje. Este pouco só ocorreu até o nosso então terceiro ano. As maratonas vieram a seguir. Tínhamos aulas espalhadas quase por todo o território curitibano. Não tínhamos ainda um Hospital de Clínicas.

A esse tempo eu já morava na rua Cândido Lopes, a dois passos da Policlínica de nossa Faculdade aonde as monumentais aulas teóricas eram ministradas. Mas, para a parte prática o circuito era sempre feito a pé. Locais distantes uns dos outros e não combinaram o horário de nossas aulas com as empresas de ônibus…

E assim cruzávamos Curitiba desde o Hospital Psiquiátrico Nossa Senhora da Luz lá nos confins da rua Marechal Floriano até a Maternidade Victor do Amaral nos altos da Avenida Iguaçu. Deixávamos as doenças tropicais no Instituto Oswaldo Cruz situado no alto da rua XV de Novembro para corrermos até o Hospital de Crianças Cesar Perneta na distante Silva Jardim.

Sem falar que a maioria de nossas ações centralizava-se na Santa Casa de Misericórdia de Curitiba.

As caminhadas eram tantas e as distâncias tão grandes que saíamos da Faculdade de Medicina mais atletas que médicos, segundo assegurava um colega nosso.

Mas, as caminhadas continuarão. Em próxima coluna.

 

 

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