Outros sítios arqueológicos e as danças peruanas
Nossa jornada fora intensa. E proveitosa em todos os sentidos. Conhecimentos e imagens novas acumularam-se em nossas mentes. Imaginara que, depois de um leve descanso e de um reconfortante banho, um sossegado jantar, ali no hotel, mesmo, encerraria o dia.
Mas, após deliciar-me com novos pratos da culinária de além dos Andes, decidi que precisaria andar um pouco pelo entorno do hotel. Não me demorei muito. Ao voltar procurei por uma aconchegante poltrona no enorme salão de entrada e por um jornal com notícias sobre o Brasil. E lá se encontrava o nosso Estadão. Feliz e ávida tomei-o em minhas mãos. E em todas as páginas só via um interminável desfile dos “Lusíadas”, de Camões, inserido em meio às notas e às notícias. Notas e notícias sem sabor e sem cor. Porque a pimenta e o sal e os pigmentos que ali deveriam estar os ratos roeram. Estávamos em 1969. Censuravam-se, às vezes, até receitas de bolo. Porque nelas poderiam estar embutidas mensagens secretas…
Folheei algumas publicações locais, que pouco ou nada de interessante tinham. Até que me deparei com a revista americana Time. Em língua inglesa, claro. Eu poderia entender, quase bem até, esta língua nos livros em que estudava, mas, para uma leitura que falava do cotidiano, já seria pedir demais. No entanto, sempre se encontram alguns artigos interessantes, mais amenos, mais fáceis de se entender e fui em frente. No exato momento em que levantei os olhos, senti, mais que vi, uma pessoa, a meu lado, interessando-se pelo que eu lia. Que até comentou comigo assuntos lá inseridos. Em bom inglês. Com pronúncia americana. Havia pensado, certamente, que entabularia um longo papo com alguém de sua terra. Ledo engano. Assim mesmo a conversa prosseguiu, entre o espanhol meio torto dele e o meu inglês capenga.
Meu amigo americano era executivo de uma multinacional instalada em Lima. As horas correram animadas, ali mesmo, no bar, ao lado do saguão. No dia seguinte teríamos longas caminhadas pela frente. E ele precisaria estar cedo em seu local de trabalho. Ao nos despedirmos aconselhou-me que não deixasse de apreciar um maravilhoso espetáculo de danças e músicas típicas peruanas que estava sendo apresentado por um grupo de grande notoriedade em Lima.
A noite fora curta para a minha mente saborear tantos acontecimentos inusitados. Quando percebi o dia já clareara. O café da manhã foi rápido, pois, logo o nosso sorridente guia Alberto chegaria para nos conduzir para outros sítios encantados.
Sugeriu ele que fôssemos, primeiramente, a Pachacamac, local onde, a cada dia eram encontradas novidades nas escavações feitas nas ruínas do que foram os impérios da era pré-colombiana.
Seguimos pela rodovia que costeia o mar, em direção ao sul. Deslumbrante espetáculo de brancas espumas ao quebrar das ondas de encontro aos rochedos. Logo tomamos a direção de onde nasce o sol e a imponência do que foram templos e pirâmides surge à nossa vista.
É realmente o mais importante complexo arqueológico de Lima, de onde dista apenas uns trinta quilômetros. Especialistas no assunto lá se encontravam para nos contar tudo o que se precisaria saber a respeito. Nem que fossem apenas pequenas pinceladas. Havia um roteiro definido para que se pudesse ver e conhecer as partes principais. Foi então que nos deslocamos por entre ruas de norte a sul e de leste a oeste e nos extasiamos diante das milenares construções, muitas datadas de épocas anteriores até ao império inca.
Fiquei, realmente, estarrecida ao observar aqueles monumentos que quase íntegros se mantiveram através dos séculos e dos terremotos. Passamos por entre ruínas de templos e de pirâmides, entre conjuntos de casas de adobe, além de muitas praças. E todos os locais com seus nomes característicos. Há o Templo do Sol, o Templo Pintado e o Velho Templo e mais o Acllawasi e o Taurichumpi com sua nomenclatura que deve remontar aos idos incaicos.
Claro que vendedores ambulantes lá se encontravam oferecendo-nos peças genuínas dos deuses antigos, conseguidas diretamente nas escavações…
Cansados de percorrer aqueles sítios e sentir o espírito incaico que neles permanece impregnado, retornamos à capital. Onde continuamos a nossa infiltração por um mundo que desde a adolescência me fascinava.

Após almoçarmos continuamos a nossa peregrinação em torno das histórias milenares. Encravado em Miraflores, um dos bairros mais visitados de Lima, um parque com monumentos fantásticos. Eram as ruínas de Huaca Pucllana, Lá se destaca uma pirâmide com 25 metros de altura, que, segundo um arqueólogo que lá dava suas explanações acerca do que se via, servia como centro de rituais religiosos.
A coletânea de peças do museu que faz parte deste conjunto deixou-nos embasbacados. Existem itens em tecido, em cerâmica, esculturas feitas nos mais variados tipos de pedras. Objetos usuais nas casas onde habitavam as pessoas naquelas priscas eras podem dar uma leve ideia de como era a vida que se levava então.
Mas, não só ruínas queríamos ver. Ainda tínhamos o resto da tarde para perambularmos pelas históricas construções da Plaza de Armas ou Plaza Maior. E para lá o nosso guia nos levou.

Imprescindível seria visitar a imponente Catedral, com uma arquitetura quadrangular e duas torres laterais que chamam a atenção por sua beleza frontal. Segundo eu me lembro de ter lido em algum lugar ela engloba uma mistura de estilos entre o gótico e o neoclássico. Ficar olhando para a sua fachada é outro espetáculo ímpar.
Mas, conhecer o seu interior foi algo muito mais extasiante. São incontáveis os arcos que lá se se estendem de uma abóboda a outra. Diversas capelas e nichos onde uma pessoa pode permanecer por horas como se solitária fosse em suas preces e meditações.
Também admiráveis as pinturas nas paredes, os afrescos, o imponente altar-mor folheado a ouro. Captado dos tesouros incas, provavelmente. Também há um museu com relíquias da época colonial, e o túmulo do desbravador Pizarro.

O Palácio Arquiepiscopal de Lima já é uma construção da segunda década do século passado. Estilo típico do período colonial espanhol, mas lembro-me que me parecia um palácio onde moravam os sultões dos impérios mouriscos.
Fazendo parte deste bloco ainda há o Palácio do Governo e o Municipal de Lima. Todos com a característica pintura em tom mostarda. Nossa visita a estes prédios já foi bem mais rápida, pois as sombras crepusculares do entardecer já se faziam presentes.
Seria nossa última noite em Lima. Necessário era arrumarmos nossa bagagem. Tínhamos um voo bem cedo na manhã seguinte. Para Cuzco. Havíamos programado visitar aquela bela cidade e de lá, em trem, seguirmos até Machu Picchu, a fim de aumentar os nossos conhecimentos em ruínas incaicas.
Na recepção do hotel, uma surpresa. O amigo americano que eu conhecera na véspera estava lá a nossa espera. Com convites em mãos para um imperdível espetáculo para aquela noite. Era o tempo exato de nós nos arrumarmos, descansarmos um pouco e lá fomos assistir algo que jamais imaginara ver em matéria de música e de dança típica das regiões andinas.
O local parecia ser quase a céu aberto. Com um grande palco instalado em uma concha acústica. Iluminação digna de espetáculos da Broadway. Trajes indescritíveis. Um colorido brilhante em peças desenhadas de acordo com o que rezam as lendas incaicas, com o que prega o espírito espanhol que ali se misturou, com o suave ruflar de babados de cetim… Com seus típicos chapéus e mantas. Com uma espécie de bombacha e botas. Bailarinos clássicos impregnando com a arte dos deuses do Olimpo a dança mais tradicional das terras incaicas.
E a música ao fundo. Com violoncelos, violinos e flautas. Com guitarras, tambores e metais.
“La danza de Tijeras” foi a que mais me impressionou. Dançar com aquelas tesouras que pareciam dar o ritmo é coisa de acrobatas.
Após o espetáculo, a ceia. Que seria o nosso último jantar em Lima.