Um dia a mais em Lima…
Era chegada a hora de nossa despedida de Lima. Antes de tomarmos o café da manhã já estávamos com nossas bagagens na recepção. Na ficha do hotel constava o nosso próximo destino. O gerente pergunta-nos se iríamos em um ônibus de turismo ou se alugáramos um carro a fim de nos dirigirmos a Cuzco. Claro que não, foi a resposta do Professor Danilo. Deveríamos tomar um voo que sairia naquela manhã. E foi só ali, naquele momento, que ficamos sabendo de uma triste realidade. O voo daquele dia da semana, com destino à velha Cuzco, havia sido cancelado. E nossos planos para conhecê-la, assim como a Machu Picchu, também. E não era algo recente. Teríamos que aguardar mais dois dias para que pudéssemos voar até os locais de nossos mais antigos sonhos.
Mas, havia mais alguns senões. Deveríamos chegar em La Paz, com folga, antes do dia do início de nosso congresso. Ainda mais, sendo o professor Danilo, um dos palestrantes convidados. E ele ainda deveria participar de reuniões preliminares entre os diversos departamentos da Confederação Latino Americana de Sociedades de Anestesiologia.
Mudaram-se os planos. A velha Cuzco e seus complementos ficariam para ser visitados em algum dia de um futuro remoto. Para mim, um remoto futuro que ainda não chegou.
Foi algo inesperado. Fora do planejado. Em um tempo em que até as comunicações telefônicas eram precárias, o gerente encarregou-se de providenciar o cancelamento de nossas reservas, tanto para o hotel de Cuzco como para o trem que de lá nos levaria a Machu Picchu.
E mais outras coisas ainda estavam no ar. Precisávamos ver se conseguiríamos viajar para La Paz, num voo direto, no dia seguinte. Avisar ao pessoal do congresso de nossa antecipada data de chegada. E garantir reservas no hotel onde ficaríamos hospedados.
Nestas alturas os quartos que ocupáramos já estavam destinados a outros hóspedes. Deixamos as bagagens na recepção e fomos deambular pela cidade. Sempre haveria muito ainda para lá se conhecer.

Estávamos sem o nosso guia Alberto. Despedimo-nos dele na véspera. Tomamos um táxi e dirigimo-nos ao centro histórico, a fim de visitar o famoso Mali, o Museu de Arte de Lima.
Localizado em meio a um exuberante jardim, destaca-se um enorme palacete, em estilo neorrenascentista, construído no século XIX. O resto daquela manhã passamos visitando as diversas salas onde tudo, em matéria de arte, pode ser encontrado. Há a de arte pré-colombiana, a do período colonial, a de pratarias, outras de arte contemporânea.
Enquanto nos extasiávamos diante de um magnifico quadro de um dos artistas peruanos fomos abordados por um senhor muito simpático que se propôs a nos orientar para que o melhor daquela visita pudéssemos aproveitar. Tratava-se de um professor da Universidade de Lima que se dizia encantado pelo Brasil. Simplesmente, chegou-se ao nosso lado logo que percebeu sermos brasileiros.
Como ele estava com seu automóvel, propôs-se a nos levar para conhecer outros locais da cidade. Com ele estava uma filha que estudava medicina.
Feliz, muito falante, foi percorrendo as ruas dos mais diversos bairros, explicando-nos sobre os detalhes das mais variadas construções. Que eram datadas de tal época. Quem de importante na história do país lá tinha vivido. Passamos defronte do imponente prédio, em estilo colonial, onde se localizava a Embaixada do Brasil. As horas corriam, rapidamente. O gentil professor queria ainda nos oferecer um almoço em algum restaurante que apresentava a melhor culinária limenha.
Muitas lombadas em todas as ruas por onde passávamos. Que ele, sorrindo, dizia lá chamar-se polizia muda. Porque necessário era conduzir o carro em baixa velocidade.
E assim, em baixa velocidade andávamos, cruzando uma rua mais estreita, quando, de súbito, voa uma bola de futebol bem na nossa frente. E atrás da bola, em igual velocidade, um garoto. A frenagem, brusca e repentina não foi suficiente. E o menino, a correr, choca-se no canto dianteiro direito do veículo. E caído fica no asfalto. Descemos, de imediato, do carro. A criança não se movia. Nem pensamos. Colocamo-lo, deitado, no banco traseiro, com a cabeça em meu colo e os pés no colo de Laura. Agora, sim, não se respeitava mais o limite de velocidade. Às pressas chegamos ao pronto socorro de um hospital.
O professor peruano, que tinha a cor própria dos nativos andinos, aparentava, neste momento, ter uma face acinzentada. Uma tão falante pessoa emudece, de súbito. Seus olhos argutos e vivos tornaram-se baços e só miravam o chão. Queria que disséssemos algo que o consolasse. Que a criança seria salva. Que deveria ser algo passageiro. Mas éramos ali tão expectantes quanto ele. Todos os procedimentos usuais e urgentes estavam sendo feitos. Danilo explicou-lhe todas as possibilidades prognósticas. Nas quais incluiu um possível rompimento das artérias que compõem o Polígono de Willis.
Com o desapontamento escrito em sua face, o desolado professor peruano deixou-nos no hospital e foi em busca dos familiares do menino que, provavelmente, morava na casa de onde surgira voando aquela fatídica bola. Retornou com os agoniados pais, em prantos.
Claro que o nosso almoço foi transferido para as calendas gregas. Ficamos fazendo companhia ao nosso amigo, na recepção do hospital, até sabermos que o garoto retornara de sua rápida viagem ao mundo do inconsciente.

Avantajava-se a tarde quando retornamos ao hotel depois de visitarmos, ainda um outro museu, o Larco, considerado um dos principais da capital. Também tem um aconchegante jardim com uma preciosidade de cactos. Conseguimos apreciar boa parte das obras nele expostas.
O dia não fora cansativo no sentido de cansaço físico. Mas fora pleno de aventuras. Ao retornarmos ao hotel, necessário era agora levar nossas bagagens aos novos apartamentos que nos foram destinados. O plano era jantarmos no restaurante anexo e recolhermo-nos cedo. Porque Danilo e Laura queriam descansar das peripécias do dia. Eu, não.
Ao descermos do elevador encontramo-nos com o nosso amigo americano que lá nos aguardava. Antes de me dirigir para o novo quarto deixara um bilhete no escaninho de Richard, na portaria.
Levou-nos, uma vez mais, para um aprazível restaurante à beira-mar. Para completar, fomos assistir a um concerto de uma orquestra sinfônica.
Mas, mais havia para despedir-me de Lima. Deixamos meus amigos no hotel. E saímos para a noite enevoada da beira do Pacífico. Em uma boate ficamos dançando e conversando até percebermos que os garçons já colocavam as cadeiras em cima das mesas.
No outro dia pousávamos no aeroporto de La Paz.