Adair Dittrich chega a Nova Iorque
Sob chuva torrencial chegamos ao The Roosevelt, o hotel que seria o nosso pouso durante os dias em que permaneceríamos em Nova Iorque. Localiza-se no coração de Manhattan na junção da Avenida Madison com a rua 45. Cheiro de coisa antiga. Inaugurado em mil e novecentos e vinte e quatro mostrava realmente, tanto em suas paredes como nas tapeçarias, o estilo da Belle Époque. Eram mil e cem apartamentos quando lá estive. Elevadores rangentes. Com ascensorista. Muito diferente de todos aqueles pelos quais havíamos passado desde a nossa chegada aos Estados Unidos. Sentia-se ali o bem estar de um aconchego.
Após as formalidades junto à recepção e acomodarmos nossas bagagens, imprescindível seria devolver o carro à locadora naquela noite mesmo. Jantamos em um dos restaurantes do hotel que fazia alarde de seu Roast Beef, o Roast Beef Room.
A chuva amainara na madrugada. E o dia amanhecera com um esplendente sol. Fomos, então, conhecer os escritórios da West Virginia Company lá sediado. Geraldo permaneceria na empresa enquanto Regina e eu iniciaríamos nossas andanças pela grande cidade.
Fomos acompanhadas, em nosso passeio, por uma simpática mexicana, funcionária da empresa, que se encarregou de providenciar um city-tour de dia inteiro.

Começamos o passeio pela sede das Nações Unidas. O prédio, que é um projeto do arquiteto brasileiro Oscar Niemayer, estende-se às margens do rio East com vista para a Primeira Avenida.
Fiquei impressionada com a acústica dos locais onde são realizadas as assembleias. Aqueles lambris nas paredes e aquele parquê no assoalho, com o puro aroma da madeira, tão meu conhecido, transportaram-me para a minha vila natal. Tempos depois fiquei sabendo que eram originários de nossas imbuias e de nossas araucárias, transformados na indústria de madeiras que ficava no outro lado da linha do trem. Eram os parquês Brasília da nossa WOSA.
Arte, muita arte, em todos os prédios e nos jardins. Mas o que de fato me emocionou foram os painéis “Guerra e Paz”, de nosso Portinari. E não apenas para mim. Porque uma aglomeração de pessoas, contínua, revezava-se em frente a eles.
Enquanto peregrinávamos fui observando os esqueletos dos arranha-céus em construção. Guindastes levando tijolos para preencher os espaços entre as colunas de cimento armado já montadas. E outras tantas a erguerem-se, mais acima, como em um passe de mágica.

Nosso ônibus, lentamente, percorria o West End, quando a música de Richard Rodgers soa dentro de mim e em minha imaginação vi as cenas de “Assassinato na Décima Avenida”. Aliás, o local foi tema de muitas músicas, não apenas de Rodgers, mas de Gershwin também. Muitos filmes marcantes tiveram aquela região como cenário.
No Queens deparamo-nos com os boêmios que por lá circulam o tempo todo. Sempre trajados com seus ternos cinzentos, de brim, sem gravatas, camisas brancas, com uma garrafa de uísque barato nas mãos, amontoam-se pelas esquinas, falando sozinhos, cantando, sem incomodar ninguém. Sempre com alguém, de bíblia nas mãos, querendo tirá-los do caminho do inferno.
Circulamos também pelos bairros além do rio Hudson, aos quais Manhattan é ligada por magníficas pontes.
Após um dia intenso preparamo-nos para a grande noite que seria um jantar para o qual fôramos convidados por Mr. Wheeler, o presidente da West Virginia Company. Ele já estivera circulando aqui pelas nossas bandas, por mais de uma vez. Eu o conhecera em uma recepção oferecida por Ann e Walt Penny em sua residência na Rigesa (atual WestRock).
Na hora marcada estava o simpático e sorridente Mr. Wheeler, acompanhado de sua esposa, chegando ao salão de nosso hotel onde já nos acomodáramos a sua espera.
Levou-nos a um dos mais luxuosos e impressionantes restaurantes, abertos ao público, que até então eu tivera tido a oportunidade de conhecer. O Four Seasons. Quatro salões. Cada qual decorado com os elementos de uma das estações do ano. Instalamo-nos no Primavera.
Não tínhamos pressa, como explicou Mr. Wheeler ao maître que nos atendeu, pois não iríamos ao teatro após o jantar. Nosso anfitrião sugeria-nos os pratos. Que seguíamos rigidamente. Apresentou, então, o prato principal, com a devida bebida para acompanhá-lo. Ao pedir o vinho, quase fez um discurso. Explicou-nos que pedira o português Matheus Rosé, em homenagem à vizinha cidade de Três Barras, São Mateus do Sul, já que não havia um com o nome de Canoinhas ou do local onde se situava a Rigesa.
Os sanitários do restaurante localizavam-se um patamar abaixo dos salões. Para lá se chegar havia uma escadaria toda em mármore rosado, com corrimões dourados. No entanto, não só as escadarias, mas todo o piso e paredes eram revestidos com material idêntico.
Mr. Wheeler residia num bairro distante. E era dentro de um metrô que ele se deslocava, diariamente, para ir e vir ao seu trabalho em Manhattan.
Na manhã seguinte, logo após o café, fiz um giro pelas ruas no entorno do hotel e as surpresas não paravam. Vontade de comprar tudo para trazer de presente para os meus. Mas, ao ver minha imagem refletida nos vidros de uma vitrine, olhei para os meus cabelos e horrorizei-me. E minhas unhas já se encontravam em lastimável estado. Em Summerville eu já havia passado pelas mãos de uma manicure. Era chegada a hora de novo polimento. Fácil foi encontrar um salão. Se, no anterior, eu já me assustara com o valor cobrado, imagine-se o de Nova York… Mas, era preciso.
Retornando ao hotel, para encontrar meus amigos para o almoço, nova surpresa. Walt necessitava resolver alguns problemas na empresa e Ann o acompanhou em sua vinda para a grande cidade. Foram nossos cicerones. De pronto levaram-nos para almoçar em um restaurante que tinha o formato de um vagão de trem. E decorado como nos tempos do desbravamento do oeste americano. Sentia-me num vagão restaurante como nos bons tempos que eles por aqui trafegavam. E uma carne especial foi servida. Com uma boa cerveja.

Ann era apaixonada por Nova Iorque, cidade onde passara sua juventude, onde estudara, onde fizera sua graduação universitária. Levou-nos por ela, a pé, mostrando-nos vários edifícios e contando sua história. Ao passarmos pelo Lincoln Center, entramos. Em seu interior, galerias de arte, lojas e teatros. No palco de um deles assistimos ao ensaio de um musical que se encontrava em cartaz na Broadway. Os artistas que lá ensaiavam, no entanto, não faziam parte, nem do elenco principal e nem dos da primeira reserva. Somente seriam chamados para substituir alguém do segundo time, caso um artista principal saísse por algum motivo. Não teriam chance de ser chamados, tão facilmente, ao palco principal. Mas ensaiavam. Diariamente. Sem cessar. Sem folga. Sem contrato. Sem garantia de que em algum remoto dia alcançassem o estrelato. Sem esmorecer. Dando o seu melhor. Sem nada receber. Amadores, mas com o sangue do profissionalismo correndo em suas veias.