Foi numa tarde do mês de agosto de mil e novecentos e setenta e três que fui apresentada “Aos Filhos do Éden” (*), livro que veio a mim pelas mãos de uma das meninas que nele colocaram alguns de seus sonhos feito poemas em verso, alguns de seus sonhos feito poemas em prosa.
Naquele tempo eu deixava os meus rabiscos largados nas páginas do jornal “Barriga Verde”, quando seu diretor era o jornalista Albino R. Budant.
E a menina chegou naquela tarde ao meu canto da praça, com seus belos grandes olhos abertos e na humildade do seu jeito de ser pediu-me que o lesse e, se possível, se eu julgasse, se desse, se eu pudesse, que escrevesse algumas linhas sobre o livro naquela coluna minha do nosso velho Barriga Verde.
“… se fosse possível, se eu julgasse, se desse, se eu pudesse…”
E ali mesmo, no meu consultório da grande praça da cidade, entre uma consulta e outra avidamente comecei a lê-lo.
E assim anoiteceu e já em casa, em meu quarto cheguei ao final. E deslumbrada. Tentei lê-lo devagar, criticamente, para não cair na tentativa de elogios inexplicáveis.
Mas quem resiste a poemas?
Obrigada, Sueli Meister pelo presente e presença daquela tarde e pela amizade que perdurou.
A seu pedido, amiga, hoje, em “Reflexões” o mesmo texto da época.
“Aos heróis da vida, não da guerra…
Aos débeis mentais que os lúcidos fizeram…
Aos pobres em cultura, mas ricos em amor…
Aos criminosos que a lei obrigou…
Aos mendigos que os ricos tornaram…
Aos fracos que os fortes fizeram…
Aos retardados que os inteligentes construíram…
dedicamos nosso livro,
como pequena compensação
aos seus infortúnios”.
“Este é o início de um livro em Branco e Preto.
Profundo, agressivo, poético e real.
A dedicatória e o conteúdo.
Estou a dissecá-lo, aos poucos. Já repassei todas as palavras e desenhos por diversas vezes. Mas, penetrá-lo, em profundidade, é algo a se fazer lentamente, em horas de repouso e calma, para que se possa, aos poucos, ir se amalgamando no espírito de seus autores.
Zezé Ganem fez os desenhos. Linhas jogadas em retas e curvas num harmonioso conjunto de formas anatômicas e geométricas que se entrelaçam pelos interstícios dos poemas em verso e prosa.
As meninas escritoras de Canoinhas conseguiram levar ao prelo os seus escritos. E escritos que devem ser lidos. Que merecem ser lidos. Escritos que devem ser decalcados, Que precisam ser dissecados.
A espiritualidade, a revolta, o grito, o riso e o pranto, o sorriso e a dor, tudo é cantado. E contado. E com muito amor.
Ali eu vi lamentos e prelúdios, muitos joões e marias, a morte de um jangadeiro, a estória de muitas meninas, de bonecas, de crianças e bruxinhas de pano de rara beleza.
Poemas abstratos em forma concreta se é que abstrato possa ter forma. Em poesia tudo é possível. “A gente nunca sabe”.
São mãos que se chamam, estrelas que choram, o mundo das máquinas, do homem-robô, do homem-cálculo a tirar a poesia do universo, a esquecer as neblinas azuladas das manhãs luminosas.
São flores que secam no turbilhonamento atômico.
“Grito de alerta às canções rasteiras”.
Um encontrar de poemas em latas de lixo. Pedidos de paz à sombra de coqueiros numa rede em frente ao mar.
Repúdio à guerra em terra sangrenta “onde a rosa esqueceu de ser flor e a criança cresceu sem infância”…
E, trilhando nos passos de “Aos Filhos do Éden”, fui repisando seus ditos e escritos e me esqueci de ser eu.
Do que vim fazer aqui.
De escrever sobre o livro.
Que é um poema de amor.
Um pedido de amor.
“Que os homens não mais se odeiem e possam perceber que trazem dentro de si a verdade”, mensagem que vem no conto de abertura. No conto de Gláucia Helena Natividade Seleme.
Na poesia de Isis Maria Baukat “que vai para os que amo… para os caminheiros deste chão… levando a ternura de sempre, da vida”.
No abstratismo de Sueli Meister que vê ser o amor a “réstia de esperança neste mundo imundo”.
Na sonhadora Sônia Léa Coutinho Pieczarcka que viu uma pequenina estrela apaixonada transformar-se em lágrima de amor.
E, novamente eu me esqueci de ser eu. Do que quis dizer no início, ou no meio ou no fim destes escritos meus.
Fui relembrando de que queria se vocês. Afundar-me neste maravilhoso mundo de imagens e palavras. Enfim, escrever também. Até mudar este sonho, transformando-o no meu quotidiano, poema-tentativa, poema-esboço de se tirar a dor.
E me senti realizada ao ler “Aos Filhos do Éden”.
Era o meu pensamento derramado pela pena de vocês.
Obrigada, Meninas escritoras, por este presente dado a Canoinhas. Canoinhas merece. – ADAIR.”
(*) “Aos Filhos do Éden”.
Composição: Helvética Composições Gráficas Ltda. Curitiba. PR.
Impressão: Gráfica Editora 68 Ltda. Mafra. – SC.
Direitos Autorais reservados ao
Colégio Comercial de Canoinhas,
Canoinhas/1973.