Volta dos serviços coincide com período mais crítico de contaminação, com avanço de casos e mortes
Assim que foram alertados para os riscos do coronavírus com potencial de matar até 6 mil pessoas em Santa Catarina, os prefeitos da região de Canoinhas se reuniram para traçar uma estratégia de enfrentamento ao vírus. Foi dessa forma que se definiu que o Hospital Santa Cruz (HSCC) atenderia exclusivamente pacientes com suspeita ou confirmação de covid-19. As gestantes deveriam ser atendidas exclusivamente no Hospital Felix da Costa Gomes, de Três Barras. Cirurgias seriam feitas exclusivamente no Hospital São Lucas, de Major Vieira.
Este acordo teve fim em 30 de junho. Como a lotação da ala covid do HSCC não passou de três pacientes até então, optou-se por não renovar o acordo. Uma semana depois de o HSCC ter retomado os atendimentos a gestantes e demais pacientes, coincidentemente, houve uma aceleração no número de casos confirmados e mortes no Estado, duas delas, inclusive, em Canoinhas. O número de internados ainda não passou de três ao mesmo tempo, no entanto. A ala covid tem cinco leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) remunerados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mais quatro respiradores comprados pelas prefeituras signatárias do acordo – Canoinhas, Três Barras, Major Vieira e Bela Vista do Toldo.
O presidente do HSCC, Reinaldo de Lima Junior, explica que mesmo com o retorno das atividades normais, não há risco algum. “Costumo dizer que dentro do Hospital é mais seguro do que fora, seguimos todos os protocolos de segurança”, afirma ressaltando que a ala covid está completamente isolada e a Central de Triagem tem acesso independente. Ele explica que, além da baixa ocupação de leitos, outro fator considerado para retomar as atividades é a queda na arrecadação do HSCC, que chegou a ter 13% de lotação em maio (hoje está em 27%). A maternidade é uma das alas mais movimentadas e que mais gera recursos para a instituição, mas ficou fechada por três meses. Para se ter uma ideia, 175 crianças foram registradas como nascidas em Canoinhas entre abril e junho. Todos os partos e cesáreas ocorreram em Três Barras que, neste mesmo período, teve 55 nascimentos registrados de acordo com os cartórios de Registro Civil.
“Falando de forma geral, o HSCC estava ocioso. O número de casos de covid até 30 de junho era mínimo. Optamos por retomar, mas não quer dizer que seja uma decisão definitiva. Estamos avaliando, não quer dizer que não repensemos essa decisão”, destaca Lima.
Ele ressalta ainda que as prefeituras de Major Vieira e Bela Vista do Toldo estavam ajudando a pagar a despesa, mas sem ter ocupado leitos em nenhum momento. Major Vieira é uma das poucas cidades do Estado sem registrar nenhum caso de covid-19.
AVANÇO
A região Sul do País é apontada como o alvo principal do coronavírus no momento no Brasil. A taxa de contaminação no Planalto Norte é grave e o número de mortos vem crescendo em uma intensidade que não indica que Santa Catarina tenha alcançado o pico.
Essa situação levou a preocupação das autoridades locais. Com a lotação de 100% de vagas de UTI em hospitais de Florianópolis e Joinville, pacientes com covid-19 podem ser encaminhados para Canoinhas e outros hospitais com vagas de UTI credenciadas pelo SUS. O Hospital São Vicente de Mafra já recebeu dois pacientes de São Francisco do Sul nesta semana. “Essa é a maior preocupação. Em reunião nesta semana com a Comissão Intergestores Regional (CIR) que reúne secretários de Saúde da região do Planalto Norte e Nordeste ficou claro que não podemos segurar leitos”, explica a secretária de Saúde de Canoinhas, Kátia Oliskovicz.
A gerente administrativa do HSCC, Karin Adur, também admite que o HSCC pode receber pacientes de fora, mas a direção vai condicionar o recebimento ao fornecimento de medicação necessária para manter o paciente entubado (leia mais a respeito abaixo).Karin lembra que não virão mais recursos extraordinários para ajudar no combate à covid. Somente o dinheiro dos leitos SUS.
Se o Estado tivesse cumprido o que prometeu, Canoinhas teria uma estrutura melhor. Em abril falava-se em até 28 leitos de UTI para o HSCC preparadas para atender pacientes com covid-19. Passados dois meses, o Hospital não passou dos cinco leitos, mais os quatro respiradores doados pela Vakinha virtual feita pela comunidade, empresários e pela WestRock. “O Estado se ofereceu para credenciar mais cinco leitos, mas só com respiradores, sem os monitores que custariam entre 10 e 12 mil reais. Teríamos de comprar esses monitores”, explica Lima, justificando porque o HSCC declinou. Sobre as vagas SUS, Lima lembra que com três pacientes internados, hoje Canoinhas teria apenas duas vagas que poderiam ser ocupadas por pacientes de outras regiões. O SUS paga R$ 8 mil por dia para manter as cinco vagas.
Lima reforça que hoje o HSCC tem dinheiro para tratar a covid, mas estão faltando recursos para o custeio geral do hospital que tem perto de 200 funcionários. “Estamos atrás de emendas parlamentares”, conta, reafirmando a necessidade a abrir a instituição para outros pacientes.
PREOCUPAÇÃO
Hoje a taxa de ocupação no Estado é de 67,43%. Ao todo são 522 leitos de UTIs do SUS, sendo que 352 destes estão ocupados. Para o presidente da Federação Catarinense dos Municípios (Fecam), prefeito de Major Vieira, Orildo Severgnini (MDB), os números preocupam e exigem rapidez dos governos federal e estadual para a habilitação de novos leitos. Os municípios aguardam a liberação de 56 novos leitos pelo Ministério da Saúde.

Severgnini destaca que ao lidar com um vírus desconhecido é delicado e nem sempre as ações realizadas ocorreram com agilidade. “Tínhamos noção que teríamos uma grande demanda de UTIs, mas esbarramos na burocracia do governo federal para poder credenciar esses leitos e agora estamos pagando um alto preço por isso”, destacou o presidente.
Para Severgnini, alguns processos em relação ao preenchimento de documentação pelas autoridades sanitárias, por exemplo, poderiam ter sido agilizados para evitar o colapso na saúde do estado.
Com o alto índice de ocupação dos leitos, a Federação tem acompanhado e orientado os gestores a realizarem ações em conjunto e regionalizadas para evitar um colapso em todas as regiões. “Já temos exemplos de municípios que têm pacientes sendo transferidos para outras cidades. Essa precisa ser a linha de atuação. Mais uma vez, os prefeitos precisam se ajudar e trabalhar em parceria para evitar um caos maior e não ficarem isolados, pois isso complicará ainda mais o desempenho de ações contra vírus”, pondera Servegnini.
Outra medida adotada pelos municípios é a locação de leitos de hospitais e clínicas particulares para poder atender a população. “Os prefeitos estão fazendo tudo o que está ao alcance deles para não deixar a população perecer. Não estamos esperando só pelo governo do estado ou governo federal”, afirma.
OCUPAÇÕES POR REGIÕES
Das sete regiões de saúde em Santa Catarina, quatro apresentaram aumento na taxa de ocupação nesta semana. É o caso da Foz do Rio Itajaí, da Grande Florianópolis, do Planalto Norte e Sul.
Foz do Rio Itajaí
60 leitos
60 ocupados
Ocupação de 100%
Grande Florianópolis
89 leitos
74 ocupados
15 disponíveis
Ocupação de 83,15%
Planalto Norte e Nordeste
93 leitos
68 ocupados
25 disponíveis
Ocupação de 73,12%
Sul
51 leitos
36 ocupados
15 disponíveis
Ocupação de 70,59%
Vale do Itajaí
83 leitos
58 ocupados
25 disponíveis
Ocupação de 69,88%
Meio Oeste e Serra
77 leitos
25 ocupados
52 disponíveis
Ocupação de 32,47%
Grande Oeste
69 leitos
31 ocupados
38 disponíveis
Ocupação de 44,93%
Fonte – Dados atualizados e disponibilizados pela Secretaria Estadual de Saúde até a tarde de quinta-feira, 9.
ISOLAMENTO
O avanço da doença ressalta a necessidade de isolamento. Estudo divulgado nesta sexta-feira, 10, pelo Tribunal de Contas (TCE-SC) mostra que na macrorregião do Planalto Norte até o dia 24 de junho, eram 2.346 casos confirmados na região contra 2.550 estimados para o mesmo período. A diferença nas mortes registradas versus o total de mortes estimadas foi de 32,9% (49 mortes observadas contra 73 mortes estimadas). “Todavia, assinala-se que, nos últimos dias, a tendência tem sido de a curva de casos confirmados da região se aproximar da curva estimada, de forma que, mantida essa tendência, a curva real de casos da região em poucos dias ultrapassará a curva sintética”, alerta o estudo.
Os dados gerais do Estado apontam que o isolamento social foi capaz, até o momento, de reduzir em 52,7% o número de mortes, muito em função das medidas mais restritivas adotadas na Grande Florianópolis e ações na região Sul, que puxaram o percentual para cima. Mesmo assim, a estimativa é de que Santa Catarina tenha até o dia 14 de julho cerca de 35,2 mil casos e registre perto de 500 mortes – o estudo avaliou dados coletados até o dia 24 de junho, quando o Estado já registrava um viés de alta no números. No entanto, nesta quinta-feira, 9, Santa Catarina registrou a segunda pior taxa de isolamento social do país, com um índice de 37,03%. Atrás, ficou apenas o estado de Tocantins, com 34,22% de taxa de distanciamento. A média nacional nesta quinta foi de 39,03%. Os números são do monitoramento feito pela empresa In Loco, com base em telefones celulares da população.
O relatório também aponta que quase 70% dos registros de casos feitos pela Secretaria de Estado da Saúde (SES) constam como pacientes sintomáticos e que o tempo médio de internação por covid-19 em UTIs de Santa Catarina é de 12,84 dias. Adicionalmente, 6,08% dos casos confirmados levaram à internação e 1,96% das pessoas infectadas necessitaram de UTI.
SEDATIVOS
Além da lotação de UTIs, há outro obstáculo para os hospitais. Faltam sedativos no mercado e o pouco que tem está com preços extorsivos. Sem estes sedativos não tem como entubar pacientes graves com covid-19. O problema também vem sendo enfrentado pelo HSCC conforme relatou a coluna de Edinei Wassoaski de 28 de maio.
Nesta quinta-feira, 9, a deputada federal catarinense Carmen Zanotto (Cidadania) fez um apelo às autoridades.