ARTIGO: O vazio da “indústria sem chaminé”

Professor critica a falta de diálogo entre comunidade e a UnC                                                                                        

WALTER MARCOS KNAESEL BIRKNER*

 

Os esclarecimentos que a UnC levou aos vereadores de Canoinhas só tornam clara uma coisa: o vazio. Da UnC-Canoinhas não há notícia, sinônimo de novidade, mudança, boa nova. Nada mais há que o mais do mesmo, gerando a mesma sensação de déjà vu. O que, no fundo, explica esse “nada” é um simples e perturbador fenômeno que, no curto, médio ou no longo prazo, destrói casamentos, organizações e países: a ausência do diálogo. Por isso, a “indústria sem chaminé” tornou-se uma edificação ociosa e o sonho da “Cidade universitária” se foi.

 

As explicações sobre a letargia do Campus que foi o carro-chefe da UnC são lacônicas e patéticas, expressão acabada do deserto existencial, estampada no rosto de todo ser humano destituído de autonomia. Por mais coloridos, os retratos fotográficos mostram a aura marrom e cinza dos personagens, cujas palavras não dizem, só encobrem a verdade e revelam a desesperança. No fim de cada encontro de um vazio de sentidos, nada mais que a expressão do amargo fare niente qui. E já disse o filósofo: onde não há orgulho de ser, não há o que fazer.

 

Sim: não há mais o que fazer. Já foi feito e desfeito. Quem está dentro sabe disso e o expressa na face. E quem está fora, ainda se incomoda, se pergunta o que aconteceu, por que aconteceu e o que não evitou esse ocaso. Essencialmente, a explicação não é técnica, é política e a resposta uma só: a ausência do diálogo. Foi o diálogo, interno sobretudo, mas em perfeita sintonia com a comunidade, que resultou na projeção do ensino universitário em Canoinhas. E sua infeliz derrocada começou com um sonoro e terminante “cala a boca”.

 

“O silêncio não é o caminho”, diz a letra de certa música; obediência cega muito menos. Numa “universidade”, em plena sociedade da informação, é contraditório. Em plena ditadura militar, o General Golbery, criador do Serviço Nacional de Informação, dizia que “a crítica é o sal da vida”, para justificar a necessidade do Parlamento e a existência de oposição, para a vitalidade do próprio regime. Nos últimos anos, sempre que alguém se opôs em defesa de Canoinhas, foi defenestrado. Nesses ambientes, só delatores e aduladores se dão bem e o diálogo cessa.

 

No diálogo, produzimos ideias, socializamos experiências, compartilhamos, desenvolvemos linguagem e estabelecemos regras de convivência. É assim que encontramos as soluções de nossos problemas e foi assim que a humanidade fugiu do determinismo biológico. O diálogo é nossa maior expressão evolutiva, mas só é estimulado quando o interesse é republicano. Quando se resume a interesses parciais e ao reducionismo gerencial, vale a lei do silêncio. Em lugar da inteligência, subserviência; no lugar do diálogo, demissões. O bom juiz é ciente disso.

 

Essas demissões são a manifestação mais cruel da ausência do diálogo. Prejudicam a economia local, matam sonhos e possibilidades ao desenvolvimento das cidades. O que seria da civilização cristã sem seus heróis rebeldes, a começar pelo “filho do todo poderoso”? O que seria da civilização sem seus contestadores, da liberdade sem Mandela, da ciência sem Galileu, da democracia sem Ulisses? Que seria da saudosa projeção universitária de Canoinhas sem seus inquietos defensores de outrora? Não há solução sem heróis contestadores e dialógicos.

 

Não haverá solução ao problema posto. O Legislativo fez sua parte e ganhou publicidade. Mas não poderá fazer isso duas vezes sem cair no ridículo, porque sai da conversa do jeito que entrou: sem nada saber, muito menos o que fazer. E aos representantes da UnC coube a oportunidade de demonstrar fidelidade à autoridade maior, que não converge com o interesse de Canoinhas. Se alguma convergência houvesse, vereadores e comunidade não estariam lamentando o ocaso e sim comemorando a instalação de um curso de Medicina.

 

Por fim, a maior ilusão de todas é que a cidade torne a ter representação. Não há representação real, nem haverá um reitor de Canoinhas. Se candidato houver, não receberá um só voto, porque nem o próprio poderá votar; apenas um conselho majoritariamente controlado, que elegerá o candidato do poder. E o poder jamais voltará a Canoinhas. Nessas circunstâncias, qualquer representante de Canoinhas não passará de um fantoche, exatamente o que são os que tergiversam, nunca divergem, muito menos representam os interesses de sua cidade.

 

A promissora “indústria sem chaminé” deu lugar à frustração catatônica e a “Cidade universitária” é um sonho esquizofrênico. É preciso reconhecer que o problema é complexo e a falta do diálogo é somente a causa fundante. As consequências desse prolongado silêncio é que tomaram uma dimensão praticamente irreversível. Talvez a reflexão sobre o fim da “indústria sem chaminé” e da decantada “Cidade universitária” não se encerre aqui. Parece agourento fazê-lo. Mas, reconheça-se, o vazio é imenso, não há heróis e evasivas não o preencherão.

 

*Walter Marcos Knaesel Birkner é sociólogo

Rolar para cima