A caminho de Charleston

Adair Dittrich relembra viagem pelos EUA                                                                                                                                                                                                                                                       

 

 

 

 

 

Em uma ensolarada manhã fomos deixando Miami para trás. Nossa intenção era pegar uma rodovia que margeasse a costa leste da Flórida, a fim de que pudéssemos desfrutar o panorama das praias, das enseadas, dos costões, do mar…

 

Puro engano. Após algum tempo, ziguezagueando entre estreitas e simples estradas, intensamente sinalizadas, permitindo que apenas em baixa velocidade por ela se transitasse, percebemos que esta tão almejada paisagem ficava escondida atrás de espessa vegetação e um sem fim de casas de praia de todas as espécies e tamanhos. Não havia rodovia margeando o mar. Aquele panorama era exclusivo dos que vivam nas pequenas construções ou grandes mansões que por lá grassavam num desfilar sem fim rente ao mar.

 

 

Para que pudéssemos chegar em tempo aos locais, que, ainda durante a luz daquele dia queríamos ver, preciso seria mudarmos para uma rodovia rápida, que, no entanto, não teria os encantos que havíamos planejado desfrutar.

 

Desde o momento em que entramos na free-way, a paisagem movia-se assustadoramente. Mesmo assim pude observar a imensidão de água que cobre a Flórida. Cruzamos inúmeros rios, muitos lagos, e claro, passamos ao largo dos decantados pântanos coalhados de crocodilos. Só que nem o brilho dos olhos daqueles répteis eu vi.

 

No caminho, Cabo Canaveral. Pudemos entrar em parte de suas dependências externas, apreciando de perto as variadas instalações que compõem a estrutura da base de lançamento de foguetes que singram o universo para muito além da estratosfera.

 

Deixamos a costa e tomamos rumo oeste porque não poderíamos deixar de apreciar o estupendo espetáculo aquático de Cypress Garden e deliciarmo-nos com aqueles encantadores lagos e jardins.

 

O deslumbramento já começa na entrada com a luxuriante flora, arquitetonicamente delineada. Ciprestes e carvalhos brancos entremeiam-se a uma enorme variedade de exóticas plantas. Cascatas de orquídeas espalham-se entre o variado arvoredo. Flores dos mais variados tamanhos e cores cobrem toda a extensão por onde se anda.

 

Tivemos que nos apressar, a fim de não perdermos o balé e as acrobacias aquáticas. Foram duas horas de entretenimento com música da melhor qualidade. Tenho bem vivo, em minha memória, os minutos de encantamento que lá passei. Virtuoses do esqui dançavam sobre as águas. Apresentações de campeões de natação, de saltos ornamentais, de danças sobre e sob as águas. Luzes, cores e a garra de pessoas que treinam diuturnamente para apresentar o melhor do melhor. Um deslumbrante lago carregado de cores, sons e movimentos.

 

Pelas alamedas deparamo-nos com muitas das encantadoras Southerns Belles, garotas vestidas com trajes sulistas típicos da época da Guerra da Secessão. Após findar o espetáculo das águas e nos deslumbrarmos com as múltiplas facetas que apresenta este fantástico jardim de ciprestes, continuamos o nosso caminho.

 

Meu amigo Geraldo era o mestre do volante do qual só se desgrudava quando era tomado pelo cansaço. Então parávamos em alguma das múltiplas áreas de descanso que abundam ao longo de todas as rodovias de lá. Ou quando era hora de procurarmos um local para o nosso pouso. Anoitecia quase e estávamos numa estrada que passa ao largo de Lake City da Flórida. A algumas milhas dela encontramos o aprazível Quality Courts Motel. Um relaxante banho e as delícias da Town House Cafeteria que se situava ao lado refizeram nosso físico e nossa alma.

 

Após o estafante dia era chegada a hora de dormir na imensidão da estrada. Era a hora de juntar os trapos perdidos no tempo e enviar notícias para o mundo que por aqui deixáramos.

Cartões postais de alguns dias já, na lista para serem enviados. Em um deles eu falava para minha mãe sobre as estupendas rodovias que eram de dar, literalmente, água na boca, de tão embevecida que eu ficara ao por elas trafegar. E o calor, apesar de estarmos em uma latitude, equivalente em graus, à do sul do Rio Grande do Sul, era similar ao verão da orla carioca ou santista. Com ar condicionado em todos os ambientes, inclusive nos automóveis.

Suave música ambiente para se ouvir ao deitar. E no embalo dela eu vagueei até a hora em que os raios de um sol de verão foram buscar-me para, com eles, usufruir de um novo dia.

Uma piscina em frente aos meus aposentos convidou-me, sorrindo, para nela mergulhar. E lá, um pouco dentro da cálida água, um pouco debaixo do sol, fui deixando-me ficar até que vi meus amigos, já quase prontos para a nova jornada. Foi o tempo de uma ducha, desfrutar de um desjejum na cafeteria e procurar uma igreja para não perdermos a missa dominical. E, depois, cair na estrada rumo a Charleston.

 

Deixáramos as planícies da Flórida e as do sul da Georgia e percorríamos agora terrenos bem acidentados. Foi uma delícia andar por este novo estado. Quilômetros e mais quilômetros de áreas de reflorestamento cobertas com as mais variadas espécies de pinus. Mas também observamos magnólias e pessegueiros em profusão.

 

O que me chamou muita atenção foram os bangalôs de madeira ao longo de toda a rodovia, aglomerados quando se chegava próximo de alguma vila e ou cidade. Construídos com tábuas curtas e estreitas colocadas em sentido horizontal, encaixadas umas às outras e sempre com uma varandinha na entrada lateral.  Impressionante o imenso número de pessoas que tiveram seus ancestrais trazidos da África, para trabalhar como escravos, circulando por toda a parte.

 

Foi nos arredores de Savannah, bem na costa, no extremo norte da Georgia que fizemos nossa parada para o almoço. Lembro-me que ao sairmos da rodovia, o trecho de acesso ao restaurante era em terreno não pavimentado. Vimos alguns carros saindo do local, balançando muito. Eram velhos carrões, talvez já com os molejos e amortecedores gastos, sendo conduzidos pelas garçonetes que trocavam de turno naquela hora. Fiquei pasma. Em que local de nosso Brasil, naquele ano de mil e novecentos e sessenta e sete, alguma garçonete teria um carro, mesmo que fosse muito usado… E lá, todo mundo andava naqueles enormes veículos de quatro portas, com oito cilindros, ou mais, consumindo o absurdo de um litro de gasolina a cada três ou quatro quilômetros… E o combustível sempre muito em conta.

 

Entrar em Savannah, era uma obrigação. A cidade transpira arte. Transpira um mundo de coisas belas espalhadas pelas alamedas arborizadas, pelos velhos casarões, pela arquitetura eclética. Vagamos algum tempo por ela. Um lugar para retornar. Uma cidade que marcou, embora o tempo nela passado tenha sido tão efêmero.

 

Mas, Charleston esperava por nós. Lá chegamos à noitinha. Hospedamo-nos em um hotel nos arredores da velha cidade. Lembro-me que era bem diferente dos demais que conhecera até então. Em tonalidade marrom bem escura parecia ser construído todo em madeira. Com vários andares, muitas varandas e escadarias do lado de fora.

 

Já não precisaríamos mais do carro que por tantos dias nos servira e o devolvemos em uma das agências da locadora ali sediada. Enquanto tomávamos o nosso café da manhã, no dia seguinte, nossos sorridentes anfitriões Walt e Ann Penny chegaram para nos conduzir à aconchegante morada deles na vizinha Summerville.

 

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