Cartas de amor de um passado distante…

Adair Dittrich escreve sobre o fascínio pelas cartas

 

 

Cartas não eram cartas apenas. Cartas moviam amores, cartas dissolviam vidas, cartas levavam anseios, cartas traziam esperanças, cartas entregavam desilusões.

 

 

Cartas… a mais romântica forma que dois seres encontravam para derramar seus enlevos, suas juras de amor, seus segredos, seus múrmuros de solidão e de saudade.

 

 

E eu tinha uma amiga que poética e magistralmente escrevia. E muitas cartas de amor ela escreveu. Para apaixonadas criaturas distantes que através de sua pena conseguiram se encontrar. Cartas que meninas dóceis, humildes e acanhadas jamais teriam coragem de escrever para os meninos de seus sonhos. Cartas que nenhum garoto, na sua maneira encabulada de se exprimir e menos ainda de em algum papel escrever uma declaração de amor para a mulher que amava, nesta amiga minha encontrava solução.

 

 

E assim, muitos foram os que, através dos poemas em prosa de Isis Maria Baukat realizaram os seus sonhos de amor.

 

 

Desde criança ela derramava seus pequenos poemas por papéis em branco que pelos caminhos encontrava. O adolescer a encontrou derretendo corações apaixonados pelas cartas encomendadas que de sua alma errante explodia.

 

 

Cartas que formaram correntes. Cartas que sedimentaram amores. Cartas que galvanizaram elos rompidos. Cartas de apaixonadas amigas a amores distantes. Cartas de amigos a conquistar a mulher de seus sonhos.

 

 

Já não mais adolescente continuou, nos cantos por onde andou, a rabiscar seus poemas.

 

 

Um dia ela me contou haver recebido um pedido inusitado. Era uma história especial, que eu encontro entre muitos desabafos perdidos no tempo. Uma história muito linda de amor. Uma história de amor que não se acabou quando uma das pessoas que deste enredo fizeram parte sumiu na distância dos mares revoltos.

 

 

Tudo findou. E um coração dilacerado sozinho ficou olhando o espaço em sua frente, como se naquele imaginário mar a pequena canoa fosse sumindo, sumindo, até se tornar um minúsculo ponto no longínquo horizonte e desaparecer. Tragada pelas ondas colossais movidas pelo vento sem fim ou içada para além de meridianos invisíveis.

 

 

Escurecia lentamente, num crepúsculo que jamais vira em sua vida. E, pondo-se o sol, a estrela que tantas vezes, do alto do mais alto morro, juntos haviam visto, apareceu. Bela e radiante Vênus lá estava a brilhar como se fosse o seu amor a lhe dar adeus com os seus últimos raios.

 

 

Era agora um alguém a vagar sem mais sentir o afago de uma mão ao lado. Sem nunca mais ouvir as doces palavras de amor que por tantos dias ouvira. E as lágrimas brotaram. De início, lentas. Depois, aos borbotões. Escondido e encolhido em seu quarto, o amor, em incoercíveis soluços,explodiu…

 

 

E então viu. Ao lado, o negro baú. Carregado de coloridos e finos papéis cheios de saudade. E encontrou as palavras que seu amor lhe escrevera:

 

 

 

“O que resta são as tuas cartas e as minhas cartas…

Palavras!

Promessas que não podem ser cumpridas…

alguma coisa estranhamente bela, afinal, em nossas vidas!”*

 

 

E assim passava as suas noites. Relendo as doces palavras que apaziguavam seu coração amargurado. Porque as cartas tinham vida. As cartas tinham memória. As cartas foram o embalo que este alguém teve para continuar a sua vida.

 

 

Tantos papéis cheios de rabiscos, nos quais de sua vida ele contava, entre as coisas que nos escaninhos de seu amor também encontrou.

 

 

Em dias de imensa tristeza sua caneta deixava palavras de dor e de saudade sobre papéis molhados de lágrimas salgadas de dor. Palavras assim doridas que imaginava aos páramos poder chegar:

 

 

Estou hoje apenas com um pranto em minha alma. E as razões não estão aqui. Não aqui nesse tão vasto chão de enegrecidas terras vãs.

 

 

É o verão que termina. É um dia nublado que tirou o sabor dos olhos que só queriam ver um dourado entardecer e de ternuras um luar prateado.

 

 

Difícil escrever sobre algo em especial quando o pensamento apenas se volta para outras esferas, para a saudade, para as coisas não vividas porque o tabu da intolerância cerceou o amor.

 

 

Mas a saudade de ti é uma coisa tão grande, tão impregnada em mim que séculos se passarão e ainda estarás aqui dentro, no meu âmago, murmurando as palavras todas que só tu sabias murmurar em teus escritos ímpares.

 

 

*Texto entre aspas escrito por Isis Maria Baukat

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