Cervejaria Canoinhense completa 110 anos

Criada em 1908, o mais antigo comércio de Canoinhas funciona hoje três vezes por semana

 

 

Em 2018, uma das mais antigas cervejarias do Brasil completou 110 anos. A Cervejaria Canoinhense foi fundada em data incerta, mas como há uma placa no local indicando o ano da fundação, disso se tem certeza.

 

 

Hoje, a Cervejaria abre às quintas, sextas e sábados à tarde, mas não produz mais as famosas marcas Mocinha e Nó de Pinho. “Por enquanto estamos vendendo somente o estoque, depois vamos ver”, diz Gerda Loefler, viúva de Rupprechet Loefler, o mestre cervejeiro falecido em 2011 aos 93 anos.

 

Há 13 anos, o jornal Correio do Norte publicou uma reportagem com Rupprechet. Nela ele conta toda a história da Cervejaria (leia abaixo).

 

 

Acima, uma reportagem publicada pelo programa Globo Rural, da TV Globo, em 1996, conta a história da cervejaria e entrevista Rupprechet.

 

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O segredo da vida longa e saudável*

 

Rupprecht Loeffler, conta o segredo de se viver bem aos 88 anos e relembra passagens marcantes da história de Canoinhas

 

Existem muitos exemplos de vida em Canoinhas. Muitos deles, estamos descobrindo por meio dessa série de reportagens. Rupprecht Loeffler, no entanto, não é novidade para ninguém, é exemplo. Aos 88 anos, trabalhando diariamente, sem ligar para os problemas e bebendo dois litros de cerveja por dia, Loeffler esbanja saúde. “Apenas minha coluna que não ajuda, mas no mais estou muito bem. Meu médico se espantou na última consulta. Perguntou-me o que faço para manter a saúde, disse a ele que tomava um litro de cerveja por dia e ele me disse que eu devia tomar dois litros por dia”, conta Loeffler, entre risos.

 

 

Seguindo a risca a recomendação médica, Loeffler deu um tempo nos seus afazeres na cervejaria que herdou do pai, para nos receber na manhã de uma segunda-feira.

 

 

Educado, simpático e bem-humorado, como todos que o conhecem sabem, Loeffler foi buscar na sua chegada a Canoinhas, em 1924, quando tinha sete anos, as lembranças mais remotas sobre o município, chamado então de Ouro Verde.

 

 

“Essa região (início do bairro Jardim Esperança, onde se localiza a famosa Cervejaria do seu Loeffler), era tomada pelo mato, existiam poucas casas”, lembra.

 

 

Otto, pai de Loeffler, trouxe a família de Corupá-SC, para Canoinhas. Vendeu uma cervejaria que tinha na terra da banana, para comprar a cervejaria, em Canoinhas, de Luis Kassemoder, que por sua vez havia comprado o comércio de Pedro Werner e Roberto Backman. Pasmem, a cervejaria que vocês estão acostumados a ver na rua 3 de Maio, está lá há 97 anos. Inaugurada em 1908 pelos sócios Werner e Backman, a cervejaria passou para as mãos de Kassemoder logo depois da Guerra do Contestado, em 1914.  Por quatro anos, de 1910 a 1914, a cervejaria ficou fechada. Os sócios tinham medo de serem saqueados pelos guerrilheiros durante a Guerra do Contestado. Kassemoder vendeu a cervejaria para Otto em 1924. No entanto, desde 1908 o comércio permanece praticamente intacto. “Construí somente a casa onde moro, ao lado da cervejaria”, explica Loeffler.

 

 

 

IMIGRANTES

Os pais de Loeffler chegaram ao Brasil, vindos da Alemanha, em 1897. “Na Alemanha havia muita gente, aqui se tinha mais chances de se fazer a vida”, conta.

 

 

Loeffler lembra que Canoinhas, em 1924, estava cheia de imigrantes, que vinham de toda a parte. Foram eles, os responsáveis pelo surgimento da indústria canoinhense, com destaque incomparável para a indústria do mate e da madeira. Loeffler relembra industriais importantes da madeira como Roberto Elke, que tinha uma serraria nas proximidades da estrada que leva ao distrito da Fartura. Arnaldo Krüger, Maneco e Joaquim Fernandes, José e Willie Groskopf, são nomes que vem, sem muito esforço de memória, a boca de Loeffler, ao citar os grandes madeireiros de Canoinhas.

 

 

Entre os ervateiros, Loeffler destaca o trabalho de Otto Friedrich e os irmãos Zaniolo, nas localidades de Rio dos Poços, Pinheiros e Palmital.

 

 

Loeffler recorda o grande colonizador do distrito de Marcílio Dias, Bernardo Olsen, “amigo do meu pai, um homem muito inteligente e trabalhador”.

 

 

“O transporte da erva e da madeira era feito por navegação fluvial, no rio Canoinhas. Navios vinham do rio Iguaçu, deixavam mercadorias em Canoinhas e levavam erva e madeira, além da nossa cerveja, é claro”, recorda Loeffler. A “Lancha Rosa” era a mais famosa embarcação comercial que abarcava no rio Canoinhas.

 

 

 

CERVEJA & HISTÓRIAS

A famosa cerveja “Nó de Pinho”, fabricada desde 1930, sustentou o sucesso da Cervejaria Loeffler, além, é claro, do famoso chope, oferecido pela cervejaria. Aqui, por seis semanas, de forma absolutamente artesanal, Loeffler junta 200 quilos de cevada, quatro quilos de lúpulo, álcool e outros ingredientes, menos conservantes, para produzir 1,5 mil garrafas de cerveja por mês.

 

 

Tanto esforço não compensa tanto financeiramente como ajuda a manter uma das poucas tradições canoinhenses – tomar cerveja na Cervejaria do seu Loeffler.

 

 

Tradição que quase foi interrompida em 1945, quando um empregado imprudente deixou a cevada fermentando para ir a um baile. Resultado – a alta temperatura provocou um incêndio que destruiu uma das repartições da cervejaria e acabou com o carro de passeio de seu Loeffler, um Chevrolet “quase novo”. O estrago só não foi maior porque Loeffler acordou e molhou as paredes da cervejaria para que o fogo não se alastrasse.

 

 

MOVIMENTOS POPULARES

As escolas cumprem o papel de educar as crianças sobre a história do País, mas poucas ligam a história nacional à do município. Isso poderia ser perfeitamente feito se os professores ouvissem pessoas como Loeffler que relembra claramente o dia 5 de outubro de 1930, dois dias depois de Getúlio Vargas investir em um movimento vitorioso contra o presidente da República eleito, Julio Prestes. Nesse dia, as tropas aliadas a Getúlio tomaram Canoinhas, depuseram o prefeito republicano, Oswaldo de Oliveira, e elevaram ao poder um prefeito getulista, Emilio Ritzman, instaurando o medo e a desordem. Com uniforme cáqui e lenço vermelho no pescoço, era impossível não reconhecê-los. “Eles vinham até minha cervejaria, compravam e ‘pagavam’ com um vale onde atribuíam a dívida a Getúlio. ‘Getúlio paga’, me diziam. Até hoje espero receber”, lembra Loeffler.

 

 

O historiador Fernando Tokarski confirma as palavras de Loeffler e diz que não é somente ele quem espera por receber de Getúlio. “Os soldados de Vargas se hospedavam no Hotel Scholze e também ‘pagavam com vales do governo’, que até hoje não foram substituídos por dinheiro”, conta.

 

 

Além disso, as tropas de Getúlio soltaram presidiários, roubaram e mataram vacas leiteiras para fazer churrasco e recrutaram jovens canoinhenses, “a laço”, como conta Tokarski, para defender Vargas contra os “paulistas”, que defendiam o governo republicano. “Muitos canoinhenses morreram nessas batalhas”, lamenta Loeffler.

 

 

Cinco anos depois, em 1935, eclodiu o movimento integralista, contra o governo de Vargas. Em Canoinhas, Luis Sakr era chefe dos integralistas. “Os integralistas canoinhenses eram bastante ativos. Faziam reuniões e organizavam passeatas.”, recorda Loeffler.

 

 

No entanto, o movimento foi abafado em 1938, quando integralistas como Jacob e Francisco Fuck chegaram a ser presos por serem contrários ao governo. A camisa verde e a insígnia, símbolos do integralismo foram banidos, e uma ditadura velada foi instaurada no país.

 

 

Em 1945, com o escândalo do Holocausto, os alemães que viviam em Canoinhas foram proibidos de falar a língua-pátria. “O delegado, que era meu amigo, veio até mim e pediu que eu fizesse uma sala reservada para os alemães beberem e falarem alemão, se eles falassem alemão em público, seriam presos”, recorda Loeffler.

 

 

O cervejeiro lembra que um casal de senhores, já idosos, passou 24 horas na prisão por terem sido pegos falando alemão na rua.

 

 

 

PAIXÃO PELA CAÇA

Loeffler recorda com saudades as caçadas que fez ao lado do irmão, Guilherme. As lembranças estão empalhadas por toda parte na cervejaria. Macacos, bugios e pássaros, dão a cervejaria um ar bucólico e nostálgico. “Hoje a caça é proibida”, lamenta Loeffler.

 

 

Perguntado sobre a sequência de seu trabalho à frente da cervejaria, Loeffler não titubeia e transfere aos filhos a responsabilidade. “Meus filhos e depois meus netos irão tomar conta da cervejaria”, revela.

 

 

Uma tradição tão bonita e importante para a memória do município como a cervejaria do seu Loeffler, onde tantos adultos de hoje relembram com saudades da infância, onde tomavam a famosa gasosa do seu Loeffler, merece ser mantida, como forma de conservar a nossa própria história.

 

*Publicada em 2005 no jornal Correio do Norte

 

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