CINE FÓRUM: O Preço do Amanhã


Sandro Bazzanella. Professor de Filosofia; Coordenador do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado. Líder do Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Ciências Humanas – Cnpq; Coordenador do Grupo de Estudo em Giorgio Agamben – Universidade do Contestado. [email protected]  

Danielly Borguezan. Professora de Direito; Advogada. Mestranda do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Ciências Humanas – Cnpq;  Membro do Grupo de Estudo em Giorgio Agamben – GEA e bolsista do Programa do Fundo de Apoio à Manutenção e ao Desenvolvimento da Educação Superior – FUMDES. [email protected] .

 

o_preco_do_amanha_2011_gLogo nos argumentos iniciais do filme “O Preço do Amanhã”, apresenta-se a seguinte sentença: “O tempo é a moeda agora”.  Desse modo, é possível reconhecer que em todos os povos e civilizações se apresenta uma percepção, uma noção de tempo. Aqui nos remetemos às reflexões de Heidegger (1889-1976) em sua obra intitulada: “Ser e Tempo”(1927).

A percepção de nossa existência se dá partir das categorias de espaço e tempo. O ser é lançado no tempo. Talvez, a questão central, possa assim se apresentar: O tempo existe para além das representações humanas? Seria o tempo apenas representação humana, demasiadamente humana?  Para além das representações humanas o ser simplesmente é uno, eterno, imutável? Mas, como explicar que tudo a nossa volta se modifica, esta em movimento? Seria o tempo, condição humana de compreender o movimento, o devir, o sempiterno vir-a-ser? Ou dito de outra forma, a vida se manifesta ciclicamente, movimentando-se de seus impulsos iniciais, para o desenvolvimento de suas plenas potencialidades e, por fim, caminha para sua aniquilação. E este movimento em si mesmo caótico, sem sentido, de caráter teleológico, que representamos como tempo, marcando-o por meio das estações do ano, ou a partir de crenças em entidades transcendentes, que garantiriam a continuidade temporal de nossas existências numa outra vida.  Talvez o que se pode reconhecer é a necessidade humana de representar o tempo por meio de sua mensuração matematizante, nos esforços da física de representá-lo geometricamente, na relação das distâncias entre pontos numa linha infinita.

O paradoxal de nossas frágeis existências reside no fato de que nosso tempo é limitado. Temos apenas uma vida. Uma vida. Pura imanência, que se representa num espaço e num tempo limitados. E é sob estas condições temporais finitas, que procuramos desesperadamente concretizar sonhos, desejos, realizações e, sobretudo, felicidade. Nesta direção, refletir sobre nossas existências individuais requer que nos reconheçamos em nossas relações temporais com outros seres humanos, submetidos a tirania de Chronos, o deus da mitologia grega que devora seus filhos recém nascidos, evitando que se cumprisse a profecia que anunciava a perda de seu trono para um deles. Assim, Chronos – o tempo – exige e consome nossas vidas na facticidade cotidiana do drama da existência humana.  E o fará até que nossas forças não consigam mais sustentar a fragilidade da vida, de uma vida.

Sob tais pressupostos, procurar compreender o mundo em que estamos inseridos, ou o mundo que representamos e, no qual nos movemos, implica em reconhecer as formas hegemônicas de conceber, compartilhar e organizar as relações na vida em sociedade, bem como as relações com o mundo, as relações de produção e consumo em que estamos inseridos.

Nesta direção, o filósofo italiano Giorgio Agamben (1942-) chama atenção para o fato de que um dos equívocos de Karl Marx (1818-1883), foi pensar e propor uma sociedade comunista sob a concepção temporal do capitalismo. O tempo que a sociedade comunista requer para sua consecução é outro. Não poderia ser o tempo burguês do trabalho produtivo, e do consumo frenético. Assim, na perspectiva de Agamben, pensar a existência que vem, requer necessariamente que se pense no próprio tempo, o tempo que vem, no movimento do tempo que resta.

Talvez se possa sugerir que o filme: “O preço do amanhã” apresenta-se como metáfora do contexto de mundo em que vivemos e de sua concepção de tempo.  Estamos inseridos num contexto societário marcado por rápidas e urgentes transformações científicas e tecnológicas, que na análise do pensador norte-americano David Harvey (1935-) comprimem o espaço e o tempo em que circunscrevemos nossas existências. Ou dito de outra forma, nossa percepção de tempo e, por extensão nossas relações em todas as suas dimensões são marcadas pela urgência, pela pressa, pela ansiedade em aproveitar a miríade de oportunidades, que se apresentam em nossas sociedades de massas de plenos produtores e consumidores. Novamente Giorgio Agamben nos chama atenção para o fato de que o homem contemporâneo esta privado da possibilidade de vivenciar experiências existenciais. Ou seja, o que é permitido aos seres humanos neste contexto de tempo que se apresenta líquido na análise do sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-), talvez seja a restrita possibilidade de fazer experimentos. Um experimento se caracteriza pela velocidade vertiginosa com que eventos se apresentam na cotidianidade, um após o outro. Tudo se passa como se não houvesse como frear, retardar, diminuir a velocidade dos fatos, dos acontecimentos em que estamos inseridos.

Nesta direção, é sintomático que atribuímos à inúmeras situações a denominação de evento. Assim, se apresentam eventos climáticos,  políticos,  econômicos, culturais, educacionais, entre tantos outros.  Então, cabe a pergunta: o que é um evento? Talvez se possa dizer que um evento é um acontecimento que se realiza num átimo de tempo, pensado, executado para ter a duração da fração de tempo em que ocorre o evento, nada além desta condição.  A durabilidade de um evento é o próprio evento.  No ritmo temporal vertiginoso em que nos encontramos, se torna inoportuno que um evento possa se alongar para além da fração de tempo que pode consumir ou de permanecer na memória das pessoas. É preciso que os fatos, os acontecimentos se sucedam sem deixar rastros, marcas ou grandes lembranças.

Na esteira dos argumentos de Marx, mas não necessariamente apostando em suas prerrogativas teóricas, conceituais e práticas rumo há uma sociedade comunista, vendemos uma parte de nosso tempo de vida no mercado do trabalho, para dispor de tempo para a sobrevivência, para o consumo e, replicação reiterada da vida produtiva e de consumo.  Novamente, contamos aqui com a perspicácia filosófica e analítica de Agamben, no sentido de pensar o tempo como um dos dispositivos que apreendem e conformam a vida humana, num determinado contexto societário e de mundo. Assim, retomemos o argumento inicial do filme: “o tempo é a moeda de troca” equipara-se à peremptória frase que pode ser considerada o slogam do século XX: “times is money”, tempo é dinheiro.

Assim, é sintomático que a tradução para o português do filme assim se apresente: “O Preço do Amanhã”, o que nos conduz necessariamente aos seguintes questionamentos: Quanto custará viver o amanhã? Quais os esforços vitais que teremos que colocar em jogo na luta pela sobrevivência amanhã? Quem conseguirá chegar ao fim do dia de amanhã? Quem sucumbirá a tais esforços? Quem sobreviverá? Quem efetivamente viverá? Sobreviver não é o mesmo que viver. Viver requer que se consiga compartilhar experiências, compartilhar o tempo necessário para contemplar, apreciar, deliciar-se com o mundo. Sobreviver ao dia do amanhã requer de certa forma submeter-se a insustentável leveza dos experimentos. Milhares de oportunidades, centenas de possibilidades, insistentes apelos para que se “aproveite a vida” em sua brevidade, induzem as pessoas a proclamar como regra de vida: “viver o dia de hoje como se fosse o último”. Aproveitar a vida como se fosse a última chance de assim fazê-lo.

Sob tal perspectiva, o preço do amanhã nos lança num mundo desértico. O que se espera do dia seguinte, se chegarmos lá é calor, sede, luta pela sobrevivência, busca incessante por instantes de prazer. Teremos apenas o tempo necessário para consumirmos o que pudermos consumir. Nada deve durar mais que o tempo do consumo.  Se o tempo diurno do deserto impõe aos seres que nele habitam a capacidade do cálculo, de uso e consumo de todas as oportunidades que se lhe apresentarem o tempo noturno não será diferente. Será frio na intensidade oposta ao calor infernal do dia. A noite a condição gélida do deserto se apresentará imponente. No breu árido em meio as dunas, outras oportunidades irão surgir. Porém, a escuridão da noite exige maiores cuidados, não se sabe exatamente o que é e como é aquilo que se apresenta. O cálculo tem que ser preciso. Não há tempo para apreciar, para refletir, é preciso agir, custe o que custar.

O preço do amanhã é próprio de um mundo carente de oásis, de um necessita de pouca de sombra, de água fresca, do colorido da vida, do tempo necessário para ter a possibilidade de se fazer uma experiência com o mundo, com a existência, consigo mesmo e com os outros. O oásis é a possibilidade de nos darmos conta de que o tempo pode ter outra cadência que permita aos seres humanos outra visão de mundo.

Estamos de tal forma acostumados com o cálculo de custo benefício do tempo em que nossas vidas se inserem, que nos submetemos a toda forma de mensuração.  Temos tempo para tomar café, trabalhar, almoçar, estudar, dormir, entre outras possíveis atividades.  Nossas “rotinas” cotidianas se movem no seio de um tempo cronologicamente estabelecido, controlado, vigiado e cobrado.  A medida de nossa disciplina na condução do tempo se manifesta na efetividade de nossa ação produtiva e, portanto no retorno financeiro que o mesmo nos permite alcançar.  Esta condição temporalmente metrificada na qual estamos submetidos, atinge todos os campos da vida humana, a ponto de judicializarmos fases da vida humana, imputando a cada uma dela direitos e deveres, conforme nossa cronologia.

A obra cinematográfica: “O preço do amanhã” a partir de sua perspectiva fictícia nos insere na discussão do tempo. Melhor, nos lança dentro de nossa concepção temporal, nos convoca a refletir nossa condição de seres humanos, lançados na contingência de nossas existências consumindo-a de forma irrefletida no caudal vertiginoso do tempo cronométrico a que estamos submetidos.  É um  belo convite á reflexão do que pode significar uma vida na pura imanência de um tempo concebido como o tempo necessário para a experiência, para a contemplação da existência, para a afirmação da amizade, da felicidade, da vida no oásis.

 

Ficha Técnica: Direção: Andrew Niccol. Elenco: Justin Timberlake, Amanda Seyfried, Cillian Murphy, Olivia Wilde, Alex Pettyfer, Matt Bomer, Johnny Galecki, Vincent Kartheiser, Elena Satine. Nome Original: In Time. Ano: 2011. Duração: 109 min. País: EUA. Gêneros: Ação, Ficção científica.

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