Leia nova coluna de Adair Dittrich
Em mais um dia de sol esplendente naquele verão austro-suíço saímos para outros cantos e recantos conhecer. Fomos primeiro até St. Gallen, um nome há muito ouvido em minha vida. St. Gallen, tão citada pela suíça Irmã Maria Felícitas nas histórias que no internato do Sagrado Colégio Coração de Jesus de Canoinhas nos contava. Lá tomaríamos outra composição ferroviária para Zurique. Enquanto a aguardávamos demos um rápido giro no entorno da gare.

Sempre com um mapa e um roteiro à mão descobrimos que em poucos minutos poderíamos apreciar, pelo menos por fora, a imponente Abadia de St. Gallen, o prédio da Biblioteca, onde só se entra trocando o calçado por pantufas e o grande mercado que também nos deslumbrou. Mas, St. Gallen era apenas um incidente em nosso itinerário e o trem que tomaríamos para Zurique logo partiria.
Estas viagens em trens naquela região só deslumbrantes panoramas deixaram em minhas retinas. Entre lagos e montanhas o serpentear do comboio fluía mansa e velozmente. Em rápidos lances Zurique despontava a nossa frente. A irrequieta e sempre movimentada Zurique. A manhã ainda estava em seu início e andávamos pelas ruas plenas de pessoas apressadas elegantemente trajadas. Circunspectos senhores de terno e gravata. Senhoras com elegantes tailleurs. Porque estávamos em Zurique. Porque deveriam ser banqueiros ou bancários de alto nível com passos rápidos a se locomoverem em torno de seu trabalho sem fim.

E uma sequência de prédios, com os mais diferentes nomes de Bancos, sucedia-se a nossa passagem pelas calçadas. Algo, inusitado para mim, chamou-me deveras a atenção. Os bancos tinham vitrines. Vitrines! Sim! Imensas vitrines. Glamorosas e muito bem decoradas vitrines. Como qualquer outra loja ou magazine a exibir os produtos que têm para oferecer aos consumidores. Impregnadas de cifras, cifrões e números. Com sorridentes manequins, de ambos os sexos, trajados com apuro e bom gosto. Vendendo a imagem da abundância. Vendendo riqueza. Vendendo ilusões. Vendendo ações. Vendendo aplicações. Deixando à mostra o empedernido, inanimado e impessoal mercado que move o mundo.
Pelas portas de vai-e-vem de cada imponente edifício um emaranhado de pessoas a entrar e a sair sem parar. E isto eu percebi apenas “en passant”. Porque outras coisas em Zurique eu queria ainda ver.
Mas, não eram apenas as vitrines dos Bancos que chamaram a nossa atenção. No caminho para o lago Zurich um desfilar de afamadas joalherias e lojas de moda como Dior, Prada, Chanel, Tifany, H. Stern, Armani com suas obras de arte para vestir e enfeitar o mundo.

Variada é a arquitetura da cidade. Construções do período medieval, uma intensa maioria no afamado estilo suíço passando por moderados e circunspectos prédios que imperaram no século XIX, imponentes despontam pelas ruas e praças. No centro histórico impressionou-me a Catedral de Zurique, a Grossmünster, com suas duas torres.
Não me demorei muito a vagar pela cidade. Porque algo dentro de mim me impelia ao Liechtenstein. Já minha companheira de viagem preferia conhecer Berna. Na Zurich Bahnhof nós nos separamos e cada uma pegou seu comboio que para diferentes direções seguiria.
Em quase toda a extensão em que o trem corria predominavam as azuis águas de lagos que por aquele território se emaranham. Em plano mais distante as montanhas. Mais uma fascinante viagem.

Na cidade de Sargans o trem me deixou. Deste ponto levei alguns minutos para ir a pé até a Sargans Bahnhof onde outra composição férrea levar-me-ia para Vaduz.
Então estava eu em Liechtenstein, um país a mais, um principado a mais na minha contagem de terras visitadas. Um carimbo a mais, não obrigatório, em meu passaporte. Um nome grudado no fundo da memória através de uma música, através de uma polca que tão popular por aqui ficara.
Vaduz deu-me a impressão de que em poucos minutos a tudo eu poderia ver. Porque a poucos quarteirões tudo se resumia.

Muitas horas após o café da manhã tinham corrido e apenas um suco de frutas durante a viagem no trem eu tomara. Em busca de algo para comer eu fui. E logo encontro uma alegre praça cheia de mesas ao ar livre. Carregadinha de flores. Com músicos enchendo o ar de melodias. E após as palmas e vivas e pedidos de bis alguém corria, de chapéu na mão, entre as pessoas, a coletar moedas. Que, creio eu, agradavam muito mais a eles que todas as ovações recebidas.
Eu não queria um suntuoso prato para almoçar. Imaginava apenas alguns frios com pão e um caneco de cerveja de pressão. E foi o que pedi. Não era um prato. Era uma enorme tábua com uma tão grande quantidade de salames, salsichas, presunto, os mais variados tipos de queijos e pães com múltiplos sabores e formatos. E um caneco de cerveja que parecia um vaso.
Ainda bem que na Europa toda ninguém é dono exclusivo da mesa que ocupa em um café ou em um restaurante. Logo outras pessoas vieram sentar-se a meu lado e fui oferecendo a elas os ingredientes de minha monumental tábua de frios. Que eles foram, prazerosamente, comendo como aperitivo, enquanto aguardavam que o prato por eles pedido fosse aviado.

Como já tivessem circulado e visto tudo em Vaduz forneceram-me importantes dicas e roteiros. Pelas ruas então eu fui andando e logo pude me deslumbrar com a visão de um castelo de arquitetura gótica, incrustado entre as montanhas, o castelo dos Príncipes de Liechtenstein. Depois com a famosa Casa Vermelha onde funciona uma fábrica de cerveja e que, em priscas eras fora um convento.
Visitei, claro, a catedral de São Florin, seu padroeiro, e o famoso Museu dos Selos Postais. O prédio da prefeitura chama a atenção pelas linhas diferentes de sua arquitetura.
Era hora de tomar o Post Trem até a cidade de Buch e, novamente, fazer um trecho e alguns minutos a pé para embarcar no comboio rumo a Rheineck Bahnhof. Em pouco mais de uma hora, desfilando por deslumbrantes paisagens de tirar o fôlego, lá eu chego. E parecia que havíamos combinado o horário de reencontro. Salto de um trem e logo minha amiga Jucy de outro desembarca.
Tínhamos que chegar à St. Josefs Haus e fazer o arranjo em nossas malas cujo conteúdo e peso muito aumentaram desde que de Ahrweiller saíramos e de onde grandes volumes para casa já havíamos enviado. E das Irmãs nos despedirmos.
Ainda as encontramos em sua hora de recreação. Pudemos com elas conversar e naquela noite de muitas fomos já nos despedindo. Foi nosso adeus às Irmãs Paula e Carolina. Que presentes ainda nos deram. Nossos dias naquela casa tinham sido maravilhosos. Embora somente as noites lá houvéssemos passado. Nos poucos dias que dela fizéramos o nosso porto de arribação muito vimos e muito desfrutamos daquele pedaço incrustado entre os Voralberg e as montanhas suíças.
Um carinho extremo e inigualável que muita falta nos faria nos próximos dias antes de nosso embarque de retorno a Canoinhas. Na manhã seguinte sairíamos cedo a fim de tomarmos o trem rumo a Genebra.