Como se fazia um Jornal (II)

Sempre que alguém ou alguma coisa, pela vez primeira, se instala em novo local, necessário se faz que diga a seu entorno onde está e a que veio. Diferente não foi comigo quando aqui cheguei, muitos anos depois de formada, muitos anos depois de minhas andanças em residência médica, muitos anos depois em tentativas de trabalhar em locais mais prósperos que a nossa então pequena e precária ainda cidade.

Mas, para o ninho antigo, para o aconchego materno sempre voltamos. E retornei a casa, para fazer morada.

E ao “Barriga Verde”, nosso hebdomadário, no dizer de seu diretor Albino Budant, eu me dirigi para contar aos canoinhenses a que vim e onde ficava o meu consultório. E, de imediato, ele me intima a escrever qualquer coisa, uma crônica, um texto, a cada semana, pois, conhecia meus rabiscos de, quando eu era estudante ainda, no jornal “O Dia”, de Curitiba.

Nem insistir precisou. E então, semanalmente, ali eu inseria meus rabiscos, crônicas, choros, tentativas de mostrar ao mundo algo com a minha ótica… e assim se passaram alguns anos até que Albino nos disse adeus.

Nesse tempo o meu chegar à gráfica onde se compunha e imprimia o jornal era apenas até a sala de Albino, no pavimento superior. Da oficina o ruído apenas …

Depois … depois quando não mais havia o Albino o “Barriga Verde” ficou oculto, ficou no abstratismo, junto com a nossa saudade. Foi quando eu aprendi como funcionava o metálico coração de um pequeno jornal.

Um grupo de pessoas que o queria de volta reuniu-se e adquiriu a “Empresa Jornalística Barriga Verde”. Entre elas, eu.

E, num belo domingo colocamos o “Barriga Verde” a lume outra vez. Com a jornalista e professora Annemarie Leber Sachweh como Chefe de Redação.

Com emoção eu escrevia “Canoinhenses, nós voltamos …”, uma tentativa de editorial inserido na primeira página. Com a promessa de estar à mesa do café da manhã, de todos os nossos leitores, em cada manhã de domingo. Tarefa difícil, quase impossível de ser cumprida.

Impresso em papel fabricado pela Rigesa ainda vejo, emocionada, esta nossa primeira edição, a edição do retorno do “Barriga Verde”, emoldurada e instalada em parede de honra, em importante sala da empresa, em Tres Barras

Foi assim que conheci de perto e vivi as agruras de se fazer um jornal, em cidade pequena de interior, ainda na década de setenta do século passado.

Havia uma linotipo e havia uma impressora plana. E os tipos avulsos, que precisavam ser pinçados, ainda, um a um, para a complementação da montagem do jornal. Sendo uma única linotipo, já muito antiga, já meio desgastada e consumida pelos anos de uso, já com peças improvisadas no lugar das originais que não mais eram encontradas, vivia dando pane e nos deixando a ver navios num horizonte sem mar. A esse tempo técnicas outras já estavam sendo utilizadas nos grandes jornais dos grandes centros e as linotipos começaram a ficar obsoletas. Mas era ainda o nosso jeito de se fazer um jornal.

Lembro-me do meu correr insano para Curitiba, em cada fim de semana, levando a matéria datilografada e os quilos de chumbo que seriam usados para compor as linhas, as frases, os parágrafos, os novos textos. Tudo para não deixar nossos leitores sem a edição de domingo de nosso “Barriga Verde”.

Na gráfica indicada encontro um velho amigo e companheiro que tinha sido linotipista em “O Dia”. Velho amigo Airton, trabalhando e dirigindo ali algo que agora era seu. E esmerando-se em bem compor as linhas que formariam as colunas de nosso pequeno jornal.

Desde que foi inserido o cunho e a arte jornalística de Annemarie, nosso semanário sempre apresentou uma diagramação perfeita e especial. Diagramação desenhada que, segundo o jornalista, e mestrando em Comunicação, Edinei Wassoaski inerente é, a poucos jornais, até hoje, no mundo.

E as imagens divulgadas, com raras exceções, eram todas de Egon Thiem, de Egon, o fotógrafo. E Egon, quando, com sua mágica lente captava algo diferente, algo especial, levava para publicarmos. Como nosso trabalho no jornal, o dele também era o de amador. Fazia pelo prazer de ver suas fotos publicadas.

Assim como as fotos, também havia ilustrações elaboradas com os desenhos de José Ganem Filho, o nosso artista plástico.

Desenhos e fotos também precisavam ser transformados em clichês a fim de serem impressos. E mais alguma coisa que precisava ser feita em cidade grande.

Não tínhamos um local para redação. Cada colaborador trazia suas laudas prontas. E nunca deixamos de publicar uma página literária especial. Com textos dos talentos de nossa terra.

Eram tempos difíceis. E difícil e oneroso era colocar o jornal na rua em cada domingo. Porque os nossos já minguados bolsos não conseguiam suportar o ônus de arcar com os custos que o fazer o jornal acarretava.

Eram tempos tão diferentes dos hojes. E, num dia cinzento, com negras nuvens toldando a visão, com lágrimas inundando os olhos, abdiquei. Foi meu adeus ao Barriga Verde.

 

 

 

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