Adair Dittrich inicia mais uma viagem, desta vez, pelas Américas
Miami! Flórida! A sempre encantada e decantada Miami! Desde há muito tempo já escolhida como estação de inverno pelos abonados americanos que vivem na parte norte dos Estados Unidos e que, fugindo do rigoroso frio, vão abrigar-se sob a sombra das esguias palmeiras que se estendem por aquelas plagas.
Mas, não foi num inverno das bandas de lá que eu a conheci. Foi, sim, num prazeroso verão, enquanto nós aqui, no sul do hemisfério sul, tiritávamos com o intenso frio, com as geadas que se acumulavam nos campos dia após dia, com o gelo que pendurado pelos barrancos permanecia por longo e longo tempo.
Não planejara aquela viagem. Decidida ela foi num repente. Foi a insistência de meus amigos Regina e Geraldo São Clemente que fez com que eu, às pressas, providenciasse um passaporte e arrumasse as malas.
Geraldo era Engenheiro Agrônomo e trabalhava no departamento florestal da Rigesa, subsidiária da então West Virginia. Deveria fazer um estágio na fábrica de papel em Charleston, nas plantações de Pinus elliottii,e de outros pinus, espalhadas pelo estado da Carolina do Sul, culminando com um treinamento nos escritórios da companhia em Nova York.Sua esposa, minha amiga Regina iria come ele. E, como éramos muito próximos, a insistência para que eu participasse desta aventura em terras do norte.
Pelas estradas ainda empoeiradas e de chão batido quase voei para Florianópolis, a fim de providenciar o indispensável passaporte. E, em seguida a Curitiba para adquirir os bilhetes de viagem, o devido visto no consulado dos Estados Unidos e comprar os indispensáveis dólares em cheques de viagem no City Bank.
Estava previamente estabelecido que o trecho entre Miami e Nova York seria realizado por via terrestre, em carro alugado em uma das inúmeras companhias que lá já existiam para este fim. Necessária era então a emissão de diversos bilhetes, um para cada itinerário, a começar de Curitiba.
Mas, o simpático gerente da Pan American convenceu-me, matematicamente, a aceitar uma única passagem de ida e volta para Nova York, com escala em Miami,partindo de Curitiba. E que o trecho Miami-Nova York ficaria em aberto para uso em uma posterior oportunidade. E aberto ainda persiste… porque para lá não retornei.
E ainda mais cortesias ao meu bilhete de viagem foram incluídas. Entre elas uma diária, com jantar e café da manhã no Hotel Normandie, à época um dos melhores de São Paulo. Incluía ainda o traslado de e para o aeroporto de Congonhas, onde eu deveria tomar o ônibus que a empresa aérea disponibilizava para os passageiros que embarcariam em Viracopos, como era o meu caso.
Chegando lá encontro meus amigos, aflitos, à minha espera. Tinham vindo de Belo Horizonte onde haviam deixado seus filhos aos cuidados dos avós e já haviam pernoitado em Campinas onde imaginavam me encontrar… Não sabiam de minhas andanças e pensaram que eu nem mais embarcaria com eles.
E, na noite de São Paulo ainda pude desfrutar de um belo espetáculo teatral da Companhia de Cacilda Becker.
Embarcamos em Viracopos numa gélida manhã de início de Julho, empacotados em nossos casacos de inverno do sul. Para, com eles nos braços, desembarcarmos no calor do verão de Miami.
À medida que a aeronave se aproximava da região equatorial a tripulação oferecia-nos lenços umedecidos para que com eles pudéssemos nos refrescar e enxugar o suor que já começava a escorrer face abaixo.
Sim, cruzávamos o tórrido território amazônico e o avião tinha as condições indispensáveis para dissipar o calor externo. Sim, a cabine era pressurizada. Mas, claro, a história se passou há cinquenta anos. Um avião fabricado há cinquenta anos.Parece-me que ainda com hélices.
Foi um deslumbramento a passagem pela região amazônica. A imensa floresta. E depois o rio. Inúmeros minutos sobrevoando-o. Águas, infindáveis águas a se perderem no horizonte… Imensidão de águas lá embaixo a correr… Águas de emoção a escorrer dos olhos face abaixo… Um mar! O Rio-Mar! O Rio Amazonas em toda a sua imponência!
Naquele tempo os aviões não tinham fôlego para um voo direto intercontinental. Necessário foi efetuar uma escala em Caracas a fim de reabastecê-lo. E é por isto que eu sempre acrescento mais um país sul americano em minhas andanças. Porque, pelo menos, no solo de um aeroporto venezuelano eu estive. Embora, dentro de uma aeronave…
O entardecer já se anunciava quando aterrissamos em Miami. Desembarque em terra estranha, espera pelas malas, pesquisa por um hotel, correria para pegar um táxi, enfim, tudo aquilo que já se espera acontecer ao nos depararmos com outras terras, outras gentes, o burburinho das mais diferentes línguas a se entrelaçarem na busca frenética por informações.
Chegamos ao hotel que haviam sugerido já aos meus amigos. À recepção a necessária identificação para o preenchimento das fichas. Ao dizer o meu nome, o recepcionista só levanta o aro de seus óculos com ar interrogativo. Não entendera a pronúncia. O sobrenome até que escreveu corretamente. O nome tive que soletrar. Em inglês. Aí ficou fácil. Só exclamou; “Oh! Eidér!” E rabiscou Adair na ficha. Desde aquele dia, em cada hotel em que aportássemos, era só eu dizer que meu nome era Eidér e tudo ficava resolvido.
Depois de acomodadas as bagagens, de acomodado o corpo por algum tempo na cama do hotel, saímos a pesquisar um local para comer algo. Não muito longe, em uma lanchonete mesmo escolhemos, num colorido cardápio os pratos, escolhemos os pratos que mais nos chamaram a atenção. Sentamo-nos nas banquetas ao lado de um longo balcão. À frente de cada um de nós os ingredientes para temperar a comida. Polvilhei sobre as batatinhas fritas uma boa quantidade do que eu imaginara ser sal. Era açúcar. A solução foi pedir outro prato. E pagar pelos dois.
Era verão em Miami. Um esplendente sol acorda-me antes que o meu relógio biológico me chamasse para sair da cama. Mas a curiosidade para conhecer a bela cidade era tanta que muito cedo estávamos nós na rua procurando um local para o nosso café da manhã. À nossa frente, sobre o balcão, a indefectível fileira de ingredientes para o tempero. Claro que eu fui direto para aquele que se assemelhava a um açucareiro. Igualzinho ao que minha Nonna Thereza tinha no restaurante da estação de trem de Marcílio Dias. De aço inoxidável, em formato cônico, com uma pequena tampinha móvel na parte superior. Levantei a tampinha e polvilhei o pó branco em minha xícara já plena de café com leite. Gosto horrível. Era sal!!!