Coronavírus, ignorância e algumas considerações

Liberdade acarreta também responsabilidade

 

 

 

Alaércio Bremmer Maia*

 

“Nada no mundo é mais perigoso que a ignorância sincera”

Martin Luther King

 

 

 

Até o momento em que começo a escrever este texto, o Brasil contabiliza em números oficiais 75.366 mortes decorrentes do novo coronavírus, 1.966.748 infectados e ocupa a segunda posição no ranking dos países com maior número de mortes pela covid-19 (ficando atrás apenas, dos Estados Unidos). Estes números tendem a aumentar ainda mais, e o novo vírus encontra um terreno fértil, frente a um país, com um governo que mostra a mais completa ineficácia e incapacidade para combatê-lo, bem como para gerir as consequências econômicas e sociais dele advindos. O cenário é caótico. Faltam leitos de UTI em hospitais, equipamentos médicos, medicamentos e EPIs para profissionais de saúde. No campo econômico, pequenas e médias empresas definham ante a falta de medidas mais efetivas que as auxiliem diante deste contexto difícil, assim como são muitos os brasileiros que enfrentam dificuldades por conta da série de atribulações enfrentadas (atrasos, recusas, etc…) para se conseguir o parco auxílio emergencial concedido pelo governo federal. A imagem do Brasil no exterior, por sua vez, esfacela-se e é a pior possível, devido a já citada ineficácia do governo em gerir a crise sanitária.

 

 

 

 

Não só o governo federal se mostra inepto no combate ao novo coronavírus, fazendo com que, por conseguinte, ele (o coronavírus) se estenda ainda mais no tempo, tornando o contexto acima descrito ainda mais caótico, como também, seu representante máximo, o presidente Jair Bolsonaro, atrapalha e torna pior o que por si só já é horrível, quando surge com falas estúpidas, relativizando e minimizando a doença e seus efeitos. Exemplos acerca disso não faltam: o presidente já classificou o novo vírus como “fantasia da mídia”, “histeria” e “gripezinha”. Para além das declarações recheadas de ignorância, o presidente, que tem no conflito a base de sua política (tendo em vista que não apresenta nada de construtivo), conflitou com autoridades de saúde e cientistas ao propor medidas controversas e sem eficácia na contenção do vírus, como o isolamento vertical (quando só indivíduos do dito grupo de risco ficam isolados), a imunidade de rebanho e a tão citada e polêmica cloroquina. Entrou em embates também com a imprensa, ao dizer que ela era responsável por causar pânico na população. Não podemos esquecer ainda, da batalha travada com governadores e prefeitos, transformando a pandemia em disputa política e ideológica – tudo o que não precisávamos nesse momento.

 

 

 

 

 

Estas falas e atitudes ignóbeis por parte do presidente da república (negando ou relativizando a gravidade da questão),longe de afetarem e dizerem respeito unicamente ao mesmo, acabam incentivando e estimulando outras tantas ações e falas ignorantes, e é aí que mora o problema – ao relativizar e minimizar o vírus e suas consequências, e transformá-lo numa questão política e ideológica, ele não só confunde a população acerca de quais são as medidas mais corretas a serem adotadas, como também, gera uma onda de relativização, negacionismo e individualismo no campo social, o que se torna especialmente complexo num momento em que, mais do que nunca, as particularidades de cada um deveriam ser postas de lado e um senso de comunidade e união favorecidos, dado que, o sucesso para o enfrentamento de tão grave crise, depende, de modo fundamental, desses dois fatores. Isso é o que nos mostra pelo menos, os países que obtiveram maior êxito no enfrentamento ao vírus, como por exemplo, Portugal, onde uma das condições de peso para a contenção da situação, foi a adesão quase que integral da população às medidas de isolamento, distanciamento e higiene colocadas pelas autoridades políticas e de saúde.

 

 

 

 

Este senso de comunidade foi tudo o que o Brasil não construiu, e se hoje temos um número recorde de mortes, isso se deve, em parte, a falta dele e ao negacionismo e individualismo que vieram em seu lugar, a partir das falas e atitudes do chefe do poder executivo. Basta dar uma rápida passada pelos jornais ou dar uma olhada a sua volta para constatar o que ora falo: buzinaços em frente a hospitais, agressões a profissionais de saúde, festinhas clandestinas, e até mesmo, o não cumprimento de medidas simples como o uso de máscaras.

 

 

 

 

Os indivíduos que agem dessa forma, ostentadores de uma ignorância crua e sincera, alegam, na sua grande maioria, agir assim (desrespeitando decretos, medidas sanitárias e de distanciamento social) em prol da defesa de suas liberdades individuais e garantias constitucionais, as quais, nenhum governador ou prefeito “ditador” seriam capazes de tirar (curiosamente, boa parte destes “defensores da liberdade e da constituição” de agora, até algum tempo atrás, defendiam ferrenhamente ditaduras e posturas notadamente anticonstitucionais). Como crianças mimadas que contrariam os pais simplesmente pelo mero prazer de contrariar, gritam por uma suposta “liberdade”, sem atentar para aquilo que tão bem nos lembra o filósofo existencialista francês, Jean Paul Sartre, de que liberdade acarreta também responsabilidade; não só acarreta responsabilidade, como seria, ainda de acordo com ele, a maior de todas as responsabilidades. Quando escolhemos agir de uma determinada forma, nossas escolhas não trazem consequências unicamente para nós, mas também, para todos aqueles que se encontram a nossa volta, daí a importância de se pensar cada uma delas, e daí a responsabilidade que estas nos impõem. A atual pandemia nos mostra a verdade desta tese. Infelizmente, em nosso país, os defensores da (pseudo) liberdade, esquecem disso, bem como de outras palavras e conceitos tão ou mais importantes nesse momento, como a já referenciada responsabilidade, mas também, os vocábulos alteridade, empatia e solidariedade.

 

 

 

 

 

Em meio à maior crise sanitária do século, envoltos numa conjuntura complicada, imersos em teorias da conspiração, fake news e relativismo, sem um ministro da saúde a altura, sem políticas públicas eficazes, com um presidente que prefere negar a realidade a encará-la de frente, e com uma sociedade polarizada, incapaz de se unir e colaborar no enfrentamento de um problema em comum, o Brasil vive um dos momentos mais difíceis da sua história. Com um número de mortos e infectados que não para de crescer, é doloroso pensar que tais números poderiam ter sido consideravelmente menores, assim como tal  crise já poderia estar razoavelmente controlada, se tivéssemos tratado esta questão com a seriedade que ela nos exigia, e não como uma mera “gripezinha”. Com o coronavírus, aprendemos da pior forma possível e pela dor, que a ignorância também é capaz de matar.

 

 

 

Alaércio Bremmer Maia é acadêmico de filosofia pela Universidade Estadual do Paraná

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