Antonio Souza Costa, que morreu aos 85 anos, por 46 anos foi funcionário da Prefeitura de Canoinhas, dos quais quatro como prefeito, falou em entrevista publicada originalmente no jornal Correio do Norte em 2006 sobre a estrutura do poder na cidade e relembrou grandes histórias do passado
Durante a inauguração da Delegacia Regional de Canoinhas, o governador Luis Henrique (PMDB) fez questão de ter ao seu lado Antonio Souza Costa. “Sempre fui cabo eleitoral dele. Ele me considera muito. Já cheguei a não obedecer ao diretório para votar nele”, conta Antonio, 80 anos (à época da entrevista), que pode ser simplesmente chamado pelo nome que o popularizou e o elegeu prefeito em 1989 – Ico Costa.
Por 38 anos, Ico foi servidor público. Seja no atendimento ao público, como chefe de gabinete de três prefeitos consecutivos, alcançando a façanha de conquistar a confiança até de um prefeito da oposição ou, mais tarde, como vice-prefeito de José João Klempous e o ápice, o cargo de prefeito por quatro anos, Ico sempre trabalhou dentro da estrutura do poder público municipal. Mas sua história começa bem antes, e remonta aos tempos em que essas terras eram habitadas por índios, quando sua família chegou por aqui.
ÍNDIOS E JAGUNÇOS
O avô paterno de Ico veio de Florianópolis no final do século 19. João Pedro da Costa tinha sido nomeado por seu primo, Caetano Costa, um influente político, para o cargo de fiscal das tropas de gado que cruzavam a Serra do Espigão, nas proximidades de Monte Castelo.
Por aqui, João Pedro conheceu sua mulher e viveu uma verdadeira via crucis quando foi flechado por um índio enquanto trabalhava na Serra. A precariedade da região acabou fazendo com que João Pedro, agonizante, tivesse que ir até Passo Ruim, próximo do então distrito canoinhense de Papanduva e um médico foi trazido de Rio Negro-PR para retirar a flecha das costas de João Pedro que, milagrosamente, viveu ainda por muitos outros anos.
Não que os índios tenham flechado João Pedro por que eram criminosos. Eles se sentiam ameaçados com a presença do branco na região. Até hoje ninguém explica como a grande população indígena que vivia por essas terras até meados do século 19, desapareceu.
No início do século 20, com a Guerra do Contestado, o perigo mudou de face, mas foi ainda mais agressivo. Ico lembra das histórias que seus pais, Donato e Maria de Deus, contavam.
“Meu pai contava que na época da Guerra do Contestado vivia com a mãe em uma fazenda. Para defender seu patrimônio da gana dos jagunços, mamãe sempre matava um boi e dava aos jagunços para eles matarem a fome. Certo dia os jagunços arrebanharam meu pai, contra sua vontade, para lutar ao lado eles. A sorte dele foi que no acampamento dos jagunços, papai cortou o pé ao cortar lenha e acabou ficando de molho. O acampamento tinha guarda e tudo mais, mas um dia papai conseguiu driblá-los ao dizer que ia buscar um boi para eles comerem e aproveitou a liberdade para atorar o mato e fugir para casa”, conta.
INFÂNCIA
Ico nasceu no então distrito de Canoinhas, Major Vieira, em 1925, mas viveu até os 10 anos em Serro Verde, no município de Lapa-PR, com os avós maternos. Quando voltou para Major Vieira, foi logo estudar no centro de Canoinhas, no Colégio Almirante Barroso. O pai de Ico alugou uma casa no centro da cidade para que Ico e os irmãos pudessem estudar. “Tirei o diploma ginasial e fui trabalhar na lavoura em Barra Mansa”, lembra. Era a época de ouro da erva-mate e Donato resolveu se aventurar no ouro verde trocando 100 cabeças de gado por um erval na Barra Mansa.
“Mas meu pai não teve tanta sorte. No ano em que ele comprou o erval, 1935, a arroba da erva custava 18 mil réis. No ano seguinte esse valor caiu para 1,5 mil réis”. Mas Donato não desanimou. Transportava a erva-mate produzida na localidade de Barra Mansa até a Cooperativa do Mate no centro de Canoinhas, da qual foi um dos fundadores, por longos 50 quilômetros, de carroça. Eram dois dias de viagem para ir e voltar. “Nós pernoitávamos na carroça mesmo em potreiros de amigos”, recorda Ico.
A luta para viver da erva-mate deu certo e logo em seguida, Donato abriu um pequeno comércio na Barra Mansa. A chamada ‘economia de escopo’ já era praticada por Donato. Ele trazia erva-mate e algumas verduras para Canoinhas e levava alimentos para revender em sua mercearia na Barra Mansa. “Nossos principais clientes e fornecedores eram os Irmãos Zugman, que tinham um grande armazém onde hoje está o Supermercado Novo Mundo”, recorda.
DEPOIS DA GUERRA
Em 1946, um ano depois do fim da 2.ª Guerra Mundial, Ico serviu o Exército em Porto União. Em 1947 deu baixa e voltou para a lavoura em Barra Mansa onde casou com Estelita Pacheco, com quem teria cinco filhos, quatro mulheres e um homem já falecido. No entanto, Ico largou a enxada para pegar no giz. “Virei professor na Escola Isolada da Barra Mansa em 1953”, conta. Em contrapartida continuou os estudos no Almirante Barroso até completar o ginasial.
Em julho de 1956, o prefeito de Canoinhas, dr. Haroldo Ferreira, por quem Ico nutre imensa admiração, levou Ico de vez para a cidade para ser inspetor do ensino fundamental. Nessa função, Ico trabalhou por dois anos até ser chamado por Haroldo para ser seu chefe de gabinete. “Me orgulho de ter sido chefe de gabinete de Haroldo e de dois de seus sucessores, inclusive o Benedito Therézio de Carvalho que era do partido da oposição (UDN)”.
A CANOINHAS DO PASSADO
Os estudos de Ico não pararam. Na década de 1960, cursou a Escola Técnica do Colégio Comercial. “Nessa época a cidade era muito diferente. Na rua Paula Pereira só tinha a nossa casa e a do Alexandre Novak, que era topógrafo da Prefeitura. Para frente tinha o potreiro dos Roeder, a loja Stiebler perto do Cemitério Municipal e adiante ainda tinha o potreiro do João Sabatke (para saber mais sobre os Sabatke leia matéria da edição passada com Ecilda Farias). Dava para se contar as casas no centro. Todo mundo se conhecia. Para a direita de nossa casa, adiante, tinha o açougue do Anastácio Buba. Quando éramos crianças e morávamos no centro para estudar, papai trazia um boi a cada dois meses para o Buba carnear. Toda semana pegávamos dois quilos dessa carne para passar a semana”.
UMA VIDA DEDICADA AO SERVIÇO PÚBLICO
“Milito no PMDB desde aquela época de sua fundação”, conta Ico dizendo que se orgulha de sua fidelidade partidária. “Deveria ser proibido por lei pular de partido em partido”, sentencia.
Sobre a Prefeitura, Ico guarda um imenso carinho. “Fiz minha campanha para prefeito em 1989 atendendo nos guichês da Prefeitura. Em 38 anos, sempre zelei pelo patrimônio público. Trabalhei em todos os setores, menos com a tesouraria”, lembra.
Sobre a experiência de comandar o município – primeiramente na retaguarda como vice-prefeito entre 1983 e 1988 e depois como prefeito entre 1989 e 1992 – Ico diz que valeu a pena. “É muito bom conquistar algo ao lado dos amigos”.
Sobre seus sucessores, Ico diz que boa parte dos maquinários que comprou para resolver os problemas de pavimentação na cidade foi vendida.
Sobre o atual prefeito, Ico faz uma comparação com o grande amigo e ex-patrão Haroldo Ferreira. “Admirava muito o Haroldo Ferreira. Além de ser um médico humanitário que consultava de graça os pobres e ainda era capaz de dar um troco para eles comprarem remédio, era um grande político. Ganhasse os perdesse ia na casa de todos os companheiros de luta e agradecia pela ajuda. Já o Leoberto não agradece às bases do partido e ainda traz gente de fora para trabalhar na Prefeitura”, sentencia Ico com a autoridade de quem dedicou mais de 40 anos de sua vida ao município e que, por isso, sabe do que está falando.
DESPEDIDA
Ico morreu aos 85 anos, em 2011, quando saía do seu carro nas proximidades de sua casa no bairro Boa Vista. Ele desmaiou e foi levado às pressas para o Hospital Santa Cruz, mas já não havia mais tempo. A causa da morte foi atestada por médicos como natural.