De volta às raízes

Primeiro casal de médicos cubanos a desembarcar em Canoinhas volta nos próximos dias para seu país, feliz por rever a família, mas triste pelos amigos que deixa

 

“Seria difícil para quem não é médico entender essa questão da missão que o médico assume”, assim tenta explicar a médica canoinhense Adair Dittrich ao intervir na entrevista com os colegas cubanos Luis Enrique Mendel Mendoza e Maria Esmeralda Sanabria Labrada. A pergunta se referia à coragem de se aventurar em um país totalmente desconhecido, como no caso, o Brasil, para trabalhar, juntar dinheiro e voltar ao país de origem.

 

 

Luis e Esmeralda foram os primeiros médicos estrangeiros a desembarcar em Canoinhas pelo programa Mais Médicos, em 2014. Cercado de polêmica, o programa enfrentou forte resistência dos médicos brasileiros, receosos de perderem mercado para os cubanos. Oficialmente, os médicos brasileiros diziam temer pela qualidade do atendimento. Da origem do programa até aqui, os dois temores se mostraram desnecessários.

 

 

Três anos depois de chegar em Canoinhas, o casal está de malas prontas para Cuba. Deve embarcar neste mês. Na verdade, a viagem já deveria ter ocorrido no mês passado, mas problemas de logística adiaram o embarque para abril, em data a ser definida, o que aumenta a ansiedade dos dois, que em Cuba deixaram quatro filhos.

 

 

AVENTURA

A entrevista é acompanhada por Adair porque o casal viu nela uma grande amiga e fez questão de sua presença. “É nossa mãe aqui em Canoinhas”, afirma Luis ao lembrar com carinho que foi Adair uma das primeiras pessoas a abrir as portas de sua casa e de seu coração para os cubanos. “Muita gente olha para nós com receio, depois acaba conversando, entendendo, mas Adair assim que nos conheceu, nos acolheu”, conta Esmeralda.

 

Mas essa história de deixar sua terra natal e se aventurar pelo mundo começa bem antes, na Venezuela, onde o casal se conheceu. Viúva, Esmeralda tinha deixado dois filhos com sua irmã em Cuba. Queria juntar dinheiro e voltar. Luis vinha de um casamento já desestruturado, que tinha na filha sua única alegria. Também havia embarcado para a Venezuela em busca de dias melhores. Os dois se encontraram no país vizinho e logo ficaram amigos. A saudade de casa e as histórias em comum resultaram na iminente relação. De lá pra cá, fizeram tudo juntos. De volta a Cuba tiveram uma filha, hoje com quatro anos.

 

Em 2014, quando souberam do Mais Médicos, decidiram aderir ao programa. Queriam construir uma casa para viver com a filha em comum. Não viam condições para tanto se continuassem clinicando em Cuba. Mesmo com a mordida generosa que o governo cubano dá no salário deles – eles recebem US$ 1.245, ou cerca de R$ 3 mil líquidos, desse valor, US$ 400 vão para o governo – o ganho é maior que em Cuba.

 

Esse desconto, tão criticado pelos brasileiros, não os incomoda. “Sabíamos que seria assim, então aceitamos as regras”, diz Esmeralda. Da mesma forma, a regra cubana que os impede de trazer os filhos para o Brasil foi pré-estabelecida. Apesar da saudade que aperta cada vez mais, eles sabiam que teriam de se privar do convívio com os filhos.

 

POLÍTICA

Luis e Esmeralda têm opinião bem demarcada sobre o governo de seu país. “Hoje a economia cubana não existe, está desgastada, mas não podemos deixar de lembrar que até 1991 (logo após a queda do mundo socialista com o fim da União Soviética) o país era muito bom de se viver”, explica Esmeralda com a certeza de que não teria se formado médica sem o apoio de seu país. Tanto ela quanto Luis estudaram Medicina subsidiados pelo governo. A educação, por sinal, é citada pelos dois como ponto alto de se viver em Cuba, acompanhado do eficiente atendimento em saúde e da segurança.

 

CHEGADA E PARTIDA

Luis e Esmeralda não tiveram necessariamente uma boa recepção em Canoinhas, mas a má impressão foi logo dissipada pelo carinho que receberam de inúmeras pessoas, a começar pela equipe da Secretaria de Saúde da cidade.

 

Quando chegaram foram instalados em um hotel no centro e tinham de ir a pé até um restaurante no Jardim Esperança para almoçar e jantar. Quando ameaçaram desistir do programa, tudo foi resolvido. Apartamento mais próximo do restaurante e um carro da Secretaria de Saúde a postos todos os dias para levá-los para as Unidades de Saúde. Luis foi para a Unidade do Campo d’Água Verde. Esmeralda para a recém-criada U.S do Cristo Rei e, logo em seguida, para a U. S. da Cohab I. Esmeralda também atendeu nas U.S. do bairro da Piedade e do Distrito de Marcílio Dias.Nos postos, ambos fizeram muitos amigos. “No começo sentimos muito o receio das pessoas, mas com o passar do tempo isso foi se transformando em amizade”, conta Luis. O idioma foi a maior barreira. Hoje eles continuam falando num misto de espanhol e português, mas se fazem entender perfeitamente.

 

De modo geral, são extremamente gratos aos canoinhenses. “Ganhamos uma família de amigos em Canoinhas, mas qualquer pessoa que vai para fora de seu país quer voltar para sua terra”, afirma Esmeralda, que se emociona ao se lembrar dos filhos. “Toda criança precisa de uma mãe”, frisa com a esperança de encontrar os filhos que não vê há um ano. Nos últimos quatro anos, foi uma visita por ano para Cuba. Saudade que não cabe no peito.