Debutando nas Cataratas

Adair Dittrich narra viagem a Foz do Iguaçu                                                                                                                                                                                                         

 

Éramos apenas dezoito. Dezoito espíritos de ansiedade carregados, e emoções carregando, à espera da hora do embarque em um avião com destino ao nosso oeste nunca antes sequer imaginado ou vislumbrado.

 

Desde a nossa entrada na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paraná sonhávamos com a fantástica viagem que seria o acme dos trabalhos de nosso humilde grêmio acadêmico que aspirava tão somente de intercâmbio universitário ser.

 

Éramos muitos, então, ávidos por conhecer outras terras, outros costumes, outras culturas antevendo o ano em que seríamos doutorandos. Doutorandos em Medicina, como são chamados os alunos do último ano do curso.

 

Mas, muitos foram as horas que nos separaram desta nossa eufórica entrada nas salas de aula e anfiteatros da Faculdade do dia em que, finalmente, em um avião entrávamos para dar início à viagem de nossos sonhos.

 

Colegas que deram o incentivo inicial já haviam encontrado o amor de sua vida e para outras viagens de sonhos haviam encetado o seu voo.

 

Outros em serviços médicos ficaram envolvidos, já como internos, aspirando a uma residência e não ousaram de seus afazeres se desligar.

 

Outros mais em empregos outros fixaram raízes a fim de poderem concretizar o sonho de se tornarem médicos.

 

Éramos dezoito, então, ali, no saguão de embarque. Estávamos no mês de julho. Pleno inverno. E nossos planos de viagem iam para além de nosso oeste. Iríamos conhecer a Patagônia, bem ao sul do continente e as nevadas montanhas argentinas. Volumosas bagagens com roupas que não nos deixariam passar frio acumulavam-se ao nosso lado.

 

Fora uma corrida muito grande logo após o término de nossas provas semestrais em junho. Correr para casa. Dar o devido adeus aos nossos. Correr atrás de indumentária nova, linda e adequada para uma viagem de tal envergadura. Correr também atrás do mais importante era preciso. Correr atrás dos tostões que precisaríamos levar conosco para os incontáveis extras.

 

Os que nos antecederam em viagens como aquela nos aconselharam a levar a nossa própria moeda, o velho Cruzeiro que era ainda a primeira moeda que apareceu após os antigos Mil Reis. Sim, porque nos países que visitaríamos fácil e razoável seria o câmbio. Naquele tempo precisaríamos de dez cruzeiros para comprarmos um peso uruguaio, de três para um peso argentino e de um para o guarani, a moeda paraguaia. Alertaram-nos, no entanto, que deveríamos levar as novas de cem cruzeiros, com novas cores e novos desenhos. Corremos então aos bancos para consegui-las. O que não foi nada fácil.

 

Enfim, munidos de nossas roupas quentes e das novas notas de cem cruzeiros, estávamos nós num voo rumo ao nosso primeiro destino: Foz do Iguaçu.

 

Em pleno ar uma algazarra só. Alguns colegas eram neófitos em viagens aéreas. Outros já do espaço muitas horas acumulavam em seu currículo.

 

Estávamos em plena euforia com os gols de nossa seleção de futebol na copa de 1958 realizada na Suécia. Naquela copa em que aparecera um menino de dezessete anos que brilhava mais que a medalha de ouro que depois ostentaria em seu peito. E o Comandante do avião a nos relatar o andamento da partida nos gramados do velho mundo. Mais uma que o Brasil venceria. E a próxima sereia a final. Contra os donos da casa.

 

Já estávamos sobrevoando a Foz. E o comandante deu-nos um presente voando sobre e através das cataratas. Deslumbramento total. Cessa a algazarra. Calam-se os tambores… Silêncio absoluto. Apenas o rugido das águas a se despencarem dos rochedos. Todos inebriados ante a magnificência do espetáculo que a natureza proporciona há alguns milênios.

 

Chegada era a hora de tomar o caminho rumo ao solo. De aproximarmo-nos do aeroporto. E um colega, decano da turma, João Bezerra Neto, tenente reformado da aeronáutica, recebeu do Comandante da aeronave a honra de fazer a aterrissagem nas terras do oeste, nas terras das Cataratas do Iguaçu. Brilhante e inesquecível aterrissagem de nosso amigo que se tornaria depois um reconhecido cardiologista em Joinville.

 

O entardecer já nos encontrou no hotel, onde jantamos. E o nosso primeiro programa a cumprir seria uma visita ao Consulado do Paraguai sediado em Foz. Foi uma bela noite em agradável conversa com o Cônsul, seus assessores e sua família. O intuito maior dessa visita era o de auscultar as possibilidades de uma menos onerosa hospedagem em Assunção, nossa próxima parada.

 

O dia seguinte, em seu todo, foi destinado ao desfrute das cataratas.

 

Não, lá não havia ainda as facilidades, nem os passeios e muito menos o conforto que hoje se vê. Subíamos e descíamos aquelas barrancas com as nuvens de águas a nos inundar de felicidade.

 

Ouvir e ver as águas em estrondosos e crepitantes sons atirando-se dos penhascos como se fosse ali o seu último suspiro e vê-las depois, ao longe, surgirem em mansidão é, simplesmente, o maior e mais esplendoroso espetáculo da terra.

 

 

Não existiam ainda as extensas passarelas que hoje, altaneiras, lá se encontram. Nem elevadores. Escadas, sim, algumas escadarias e um belvedere avançando pelo espaço acima das águas.

 

Não há como descrever a brincadeira dos raios que o sol enviava até as águas. Um cenário luminescente, um cenário de luzes e cores dançantes inebriando a alma e fazendo com que torrentes de lágrimas de emoções resvalassem de meus olhos embevecidos. Incontáveis miríades de arco-íris nascendo na imensidão das águas borbulhantes transmutavam-se, imergiam em um espaço e noutro de imediato emergiam. Fantasmas coloridos a brincar em liquefeitos jardins onde eu tenho certeza milhares de duendes e gnomos dançavam sob o som da flauta de Pan, sob o som das vozes da floresta.

 

O entardecer invernal avançava célere quando retornamos ao hotel, molhados e exaustos, com o êxtase da contemplação das águas que rugem estampado em nossa alma.

 

Na manhã do outro dia visitamos o encanto que era o Hotel das Cataratas incrustado na floresta e de onde saímos com o sonho de no futuro lá retornar e nos deixarmos ficar por muitos e muitos dias.

 

Com tantos sonhos na cabeça fomos, naquela tarde, tomar o avião que nos levaria para Assunção.

 

Com nova revoada em torno das deslumbrantes águas que em cataratas se jogam dos penhascos para o abismo sem jamais morrer.

 

 

 

 

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