Com as melodias húngaras vibrando ainda em meus neurônios estávamos na gare de Viena aguardando a partida de nosso comboio para Bonn. E as nossas novas amigas, conterrâneas catarinas, que conhecêramos no Aliscafo sobre o Danúbio desfrutavam de suas últimas horas na Europa. Seguiriam para Frankfurt onde tomariam o avião que as levaria de volta ao Brasil.
Exímias conhecedoras do idioma alemão, auxiliaram-nos em nossas transações em Westbahnhof. Por longo tempo já haviam permanecido na Alemanha completando um curso de língua e literatura alemã no Instituto Goethe.

Havia tempo ainda para jantarmos no aprazível restaurante da bela estação de Viena. E, em perfeito alemão a garota morena solicita a conta. Que veio, devidamente registrada, em um cupom fiscal. Tão curta e fácil frase para tão importante solicitação que pedi que a repetisse para mim. Dali em diante, muitas vezes, dela eu iria precisar. E gravei aquele “Bitte, was kosten?” para a vida.
Assim como nós, elas também haviam deixado a grande bagagem no guarda-volumes da estação. E rodando os nossos carrinhos fomos em busca do píer de embarque.
Dentro da noite nosso comboio avançava rumo noroeste, primeiramente dentro da Áustria ainda e depois em plena Alemanha.
Cortesmente, o chefe de trem pedira os nossos passaportes antes que dormíssemos. Para não perturbar o nosso sono. Obrigatório era apresentá-los na fronteira entre os dois países. Sorrindo nos devolveu quando o comboio já estava quase parando na estação de Bonn.
Foi tão rápida a permanência do trem, que quase não deu tempo de colocarmos para fora as nossas bagagens. E, sorridentes e de braços abertos, lá estavam a nossa espera meu colega Alberto Wunderlich e sua esposa Ana, residindo há anos já em Ahrweiler.
Como Alberto foi parar em Ahrweiler, Alemanha e toda a sua vida profissional, desde o nosso tempo de faculdade, ele narra, com brilhantismo, em “Memórias de um Médico”, livro levado a lume em 2006.
Alberto abriu um espaço na extensa agenda de sua clínica em Ahrweiler, para passear conosco pelos mais variados recantos daquele pedaço da Europa.

Era de manhã, bem cedo ainda, quando chegamos a Bonn e rumamos direto para a cidade deles, para a casa deles. Depois de semanas na estrada e em hotéis, pudemos, enfim, desfrutar de um aconchegante ambiente doméstico no lar de meus velhos amigos.
Um revigorante banho e um delicioso café da manhã e em seguida a mais importante tarefa da temporada. Colocar nossas fatigadas roupas na máquina de lavar. Nossas roupas que já estavam ganhando vida e quase sozinhas saindo a vagar pelas ruas …
Nem tempo houve para que pudéssemos ficar nos embevecendo com a casa, o jardim e a clínica que Alberto e Ana já nos chamam. Era hora de partirmos para o nosso primeiro grande passeio.
Ahrweiler situa-se às margens do rio Ahr, quase em sua foz no Reno. De carro fomos até Koblenz, uma vizinha cidade que fica bem na confluência do Mosel com o lendário rio. Lá embarcamos em um belo, espaçoso, magnífico e panorâmico barco que, lentamente, seguiria, pelo caminho das águas, até Meinz.
A mim me parecia que o rio cavara um profundo leito entre as montanhas por onde, solenemente, se esgueirava.
Rochedos escarpados com constante desfilar de profundas reentrâncias e pujantes saliências.
Devagar flanava o barco para que a tudo se pudesse apreciar. Vilas, aldeias, cidades sucediam-se de margem a margem.
Nele almoçamos e desfrutamos de iguarias tradicionais da região renana elaboradas com requinte e apreciei então um vinho oriundo daqueles vinhedos que pelas encostas vislumbrávamos. Tapetes verdes nas encostas estendidos. As encostas da margem direita do Reno. Onde primeiro chega o sol de cada manhã. As encostas onde grassam os últimos vinhedos do norte da Europa.
Enquanto meus olhos encontraram as íngremes escarpas em uma das curvas mais estreitas do rio, senti o drama dos afoitos e frustrados gauleses que, desde priscas eras, tentaram, inutilmente, subindo o Reno, invadir a Germânia. Vi a estratégia dos que bloqueavam as invasões do alto daqueles penhascos.

Fomos apenas até a cidade de St. Goar. Na outra margem o grande rochedo, o famoso rochedo de Loreley, onde há uma escultura da jovem triste que lá habitou. Dizem que a escultura não faz jus à descrita beleza da sofrida moça da lenda que afundava barcos atraídos àqueles redemoinhos por seus lúgubres e sonoros lamentos.
Retornando a Koblenz, imperativo era dar um giro por ela. Admirar as calçadas sempre limpas. E as pedras das calçadas. E cada pedra em seu lugar. Uma pedra sempre unida a outra. Sem perigosos ou feios pertuitos entre elas.
E Ana nos levou para um café às margens do Reno. Onde, entre tantas tortas e bolos eu não sabia qual escolher. E o café … era um muito bom e forte café. Um expresso, claro!
No retorno à casa em Ahrweiler era o tempo de nos introduzirmos em todos os cantos e vermos a beleza de lar que Ana e Alberto construíram.
Um jardim de sonhos nos fundos do terreno.
Um jardim com floreiras contornando todo o muro circundante. Floreiras com belos desenhos em baixo relevo, uma arte do próprio artesão-médico Alberto. Com especial irrigação. Era só o abrir de uma torneira e cada jardineira recebia o seu devido quinhão de água que jorrava através de um furo no escondido cano que ao muro acompanhava.
Um jardim com dossel de buganvílias róseas e lilases colorindo e sombreando um pequeno terraço nos fundos. Um florido terraço onde servidas eram as refeições no decorrer de toda a estação quente.
Na manhã seguinte, após tomarmos o café naquele aprazível espaço fomos ainda comer cerejas fresquinhas. Que colhemos encarapitadas nos ramos de uma cerejeira que ficava no fundo do quintal.
Enquanto Alberto levava seu automóvel para uma revisão, a fim de prepará-lo para nossa grande jornada a Paris, Ana nos levou para conhecermos Bad-Neuenahr e sua estância balneária. No grande e aprazível local dos banhos, pudemos, instaladas em confortáveis poltronas, ao ar livre, desfrutando dos magníficos jardins, ouvir uma pequena orquestra de cordas e nos deliciarmos com um variado programa de conhecidas melodias clássicas e populares de todos os tempos.
Ao retornarmos à casa, uma surpresa. Alberto estava de carro novo. Diagnosticaram, na oficina, um problema em seu velho Audi que não teria solução imediata. Resolveu, de imediato, que o melhor seria um novo para a nossa grande jornada.

E foi nele que embarcamos a fim de conhecermos o Autódromo de Nurburgring.
Seria o terceiro circuito de Fórmula Um que visitaríamos na Europa. O primeiro, no entanto, em que, dentro de um carro eu percorreria o caminho que tantos famosos pilotos do passado percorreram.
Já existia, em pleno funcionamento, a nova pista, mais curta, com um pouco mais de cinco mil metros. Mas, naquele horário em que lá chegamos pilotos de carros da Fórmula 3 realizavam um treino livre.
O plano de Alberto, no entanto, era nos levar para percorrermos os atuais vinte e dois quilômetros da antiga pista que até hoje é usada para as disputas das corridas das 24 horas de Nurburgring.
Paga-se por volta efetuada dentro do circuito.
E, dentro da floresta, que a mim me parecia encantada, voávamos. O prazer de correr dentro de um espaço somente teu, sentindo e ouvindo o vento enquanto a velocidade aumenta a cada segundo. Correr, voar em uma pista limpa e lisa, sem obstáculos, sem buracos, sem ultrapassagens, sem nada e nem ninguém na contramão foi o sonho realizado.
Inesquecíveis horas e inesquecíveis dias que Alberto e Ana nos proporcionaram.
E, na companhia deles, muito ainda por vir.