Ministério Público de SC reage à proposta e promove mesa redonda nesta quinta-feira, 21, sobre o tema
Está em tramitação na Câmara dos Deputados um projeto de lei que, sob o argumento de tratar de uma política de conservação da fauna, fomenta o tráfico de animais, incentiva a prática de maus-tratos e coloca em risco de extinção os animais silvestres no Brasil. A proposta é do deputado catarinense Valdir Colatto (MDB).
Para debater a proposta, o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) promove na quinta-feira, 21, a partir das 18h30, uma mesa redonda na sede da Procuradoria-Geral de Justiça, em Florianópolis.
O evento faz parte de uma mobilização nacional de defesa e proteção da fauna encampada pelo Grupo Especial de Defesa dos Direitos dos Animais (GEDDA), coordenado pelo MPSC. A mobilização pretende mostrar à sociedade a importância de proteger os animais silvestres e de dizer “não” à caça aos animais. “Esse projeto afronta o princípio da vedação do retrocesso socioambiental, implícito na Constituição Federal”, afirma o presidente do GEDDA, promotor de Justiça Paulo Antonio Locatelli.
O Projeto de Lei foi apresentado por Colatto na Câmara dos Deputados em 10 de outubro de 2016 e pretende, se aprovado, revogar a Lei n. 5.197/67, que dispõe sobre a proteção à fauna e trata da caça profissional e amadora de animais silvestres no país. O projeto autoriza a caça até mesmo em unidades de conservação ambiental, com uso de armas, e retira do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) o porte de arma.
“Essa proposta é inominável, um desastre ambiental”, comenta o chefe de fiscalizações do Ibama de Brasília, Roberto Cabral Borges, um dos participantes da mesa redonda. “Enquanto o Ibama contará apenas com binóculos, os caçadores estarão armados e com o respaldo da lei”, complementa.
O chefe de fiscalizações do Ibama também demonstra preocupação com a destinação que o projeto dá aos animais silvestres apreendidos: cativeiros ou abate. Atualmente, a destinação é a soltura no habitat. “Estabelece-se assim um dilema moral difícil de ser resolvido por um agente ambiental. Quer dizer que, se eu souber de um animal que está sofrendo maus-tratos em um ambiente doméstico e se eu apreendê-lo, ele poderá será destinado a um local ainda pior. Em cativeiro, pode ser maltratado ainda mais”, pondera.
Para a promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo Vânia Tuglio, também uma das integrantes da mesa redonda, outro ponto preocupante é a alteração da natureza jurídica dos animais silvestres que o projeto propõe. “Hoje eles (os animais) são bens do Estado, estão sob sua tutela. Esse projeto de lei diz que os animais não pertencem a ninguém, ou seja, quando você tira a proteção do Estado desses animais, a legislação permite que eles sejam apreendidos e mortos a qualquer momento, por qualquer pessoa, em qualquer circunstância”, diz Vânia.
Vânia comenta, ainda, que a proposta não deixa claro que tipos de armas e armadilhas poderão ser utilizados. “E o risco maior é que nós já temos hoje um aumento de 75% de espécies animais em extinção. O Brasil vem perdendo, sistematicamente, espécies. Nosso bioma, embora seja muito biodiverso, é extremamente frágil, porque nós temos uma quantidade muito pequena de espécimes por espécie”, complementa.
“A ARTE DE CAÇAR COM CÃES”
O projeto de lei prevê também a prática de reservas cinegéticas. Segundo o deputado federal Nilto Tatto, relator do projeto na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara (CMADS), o termo “cinegética” se refere à “arte de caçar com cães”. “É um termo arcaico que, adjetivando a palavra ‘reserva’, procura ser mais simpático que ‘fazenda de caça'”, ressalta. Pela proposta, o empréstimo, a doação ou troca de material zoológico dentro do país não precisam de autorização dos órgãos ambientais.
Com parecer contrário do relator na CMADS, o projeto voltou para a Comissão de Meio Ambiente por solicitação do Deputado Augusto Carvalho e na quarta-feira, 13, foi retirado da pauta. Em comum acordo entre o relator e o autor da proposta, o projeto de lei passará por uma audiência pública, em Brasília, que deve ser realizada até o final de junho. Somente após a audiência o projeto voltará a tramitar.
“Parece uma coisa de séculos passados e que, ainda por cima, vai contra tudo que a população tem pedido”, avalia Tatto. Para ele, o projeto de lei ultrapassa as questões ambientais e pode agir no aumento direto da violência no campo. “O texto flexibiliza a legislação de porte de arma para caçadores, e isso tem consequências não só na fauna, mas também no aumento da violência no campo por questões fundiárias. É inconcebível que um projeto de lei permita o aumento da violência nesse meio que já carece de segurança”, afirma.
CONTRAPONTO
Colatto nega que seu projeto libere a caça. O parlamentar publicou em seu perfil no Facebook um vídeo em que defende o projeto. No vídeo, Colatto argumenta que a proposta “não libera a caça” e que os princípios do projeto são a preservação do patrimônio genético e a biodiversidade, a soberania nacional da diversidade, a precaução, o respeito à biossegurança e a proteção ambiental, entre outros. Não é esse, no entanto, o entendimento do relator do projeto, das organizações ambientalistas, do Ministério Público e, inclusive do Ministério do Meio Ambiente que, em nota técnica, afirma que “o objetivo maior do projeto, realçado pela justificativa anexada, é a liberação da caça no Brasil”.