Desgraça do HSCC vira confete nas mãos de proclamadores do Apocalipse

Há duas questões básicas ignoradas no debate: 1) a prefeitura não tem obrigação de manter o hospital e 2) desde que o SUS nasceu, não paga 100% dos procedimentos hospitalares, deixando o resto da conta para os hospitais

 

 

A REALIDADE SOBRE O HSCC

 

Desde que o JMais noticiou com exclusividade que a administração do Hospital Santa Cruz de Canoinhas (HSCC) não tinha plano B para pagar o 13º salário dos funcionários caso o prefeito Beto Passos (PSD) não repassasse as sobras do ano do poder Legislativo (R$ 500 mil), as trombetas do Apocalipse soaram nas redes sociais. Era a deixa para os insaciáveis pela desgraça alheia deturparem a questão e colherem o que lhes fortalece: raiva, ódio, desrespeito e amargura.

 

 

Ao contrário do que muitos pensam, saúde pública não se resume a um enredo de novela das nove. Não existe a má Laureta, que só pensa em infernizar a vida da doce e sonsa “marisqueira dos infernos”. A coisa é bem mais complexa. A quem estiver interessado em entender essa complexidade para depois poder opinar (o que deveria ser uma lei implícita entre os bons), vamos lá.

 

 

O HSCC é um hospital filantrópico, que não pertence nem ao Município, muito menos ao Estado, nem à União. Foi criado por seres abnegados, que juntaram dinheiro da população para edificar a instituição em 1939. Quando começou a funcionar, tal qual aquele parente rico que vê um primo padecendo na pobreza, o Município se sentiu compelido a ajudar. Depois veio o Estado e a União. Ajudaram, mas nunca encamparam o HSCC, por uma razão muito simples: é um mau negócio para eles, melhor ajudar do que assumir, tal qual alguém que não tem filhos e opta por ajudar um orfanato.

 

 

Como quem ajuda não tem obrigação religiosa de fazer o depósito, por quase oito décadas o HSCC capenga. Os meses em que as contas não fecham são mais frequentes do que os que fecham no azul. Nem todo o mês o dinheiro público vem e nem sempre as campanhas que pedem ajuda da população são o suficiente (alguém sugeriu desconto na conta de luz. Isso já existe. Quem enche a boca ou incha os dedos para sugerir, sequer pensou um dia em ajudar, do contrário já teria o desconto na sua própria conta). Já teve bingões, pedágios, pedidos ao comércio. A população ajuda, mas, vejam só, o HSCC continua funcionando depois que o dinheiro da campanha termina, e aí, precisa de mais dinheiro.

 

 

Apesar de ser filantrópico, o HSCC, como a maioria dos que funcionam no seu sistema, é credenciado pelo SUS, e isso não é exatamente um bom negócio. Pra ser bem atual no exemplo, a cirurgia de emergência feita em Jair Bolsonaro depois que ele levou uma facada no intestino em Juiz de Fora (MG) custou em média R$ 20 mil. Como foi feita em um hospital público, o SUS pagou R$ 1,8 mil pelo procedimento. Quem paga a diferença? O próprio hospital. Com que dinheiro? O que conseguir arrecadar com a comunidade, com a prefeitura ou o Estado. A tabela do SUS está defasada há décadas e está longe de ser atualizada.

 

 

Os Estados são contribuintes importantes dos hospitais, mas, como todos estamos vendo, eles estão na maioria falidos. Santa Catarina prova isso atrasando há meses os repasses que, no caso do Santa Cruz, acumulou justamente R$ 500 mil. Foi assim que se chegou a situação de os R$ 500 mil de sobras dos vereadores serem a tábua da salvação do HSCC.

 

 

Prefeito Beto Passos não tem obrigação de repassar esse dinheiro ao hospital, mas voltando a analogia, a criança que ele ajuda no orfanato está doente e seus mantenedores não têm dinheiro para comprar remédios caríssimos. A vontade de melhorar as estradas o colocou entre a cruz e a caldeirinha. A população, mesmo que de modo enviesado, deixou claro que prefere saúde a estradas. Passos sabe que o HSCC vai sempre precisar de ajuda, com os R$ 500 mil ou não, agora uma retroescavadeira nova pode manter mais estradas em boas condições para enfrentar um verão chuvoso que se avizinha. Seu raciocínio não é de Laureta, como podem perceber.

 

 

Os “revolucionários do Facebook” querem uma auditoria nas contas do HSCC, mas como entidade filantrópica, o hospital já é auditado. Quem desconfia pode pedir ou até mesmo fazer uma auditoria independente,  o que infelizmente não pode ser feito pelo Facebook, obviamente.

 

 

Sabe-se que o Município de Canoinhas repassa ao HSCC mensalmente, através de recursos do governo federal aproximadamente R$ 600 mil referente internamentos (R$ 170 mil), UTI (R$ 114 mil), incentivo hospitalar (R$ 121 mil), Rede de Urgência e Emergência (R$ 65 mil), dentre outros repasses para manutenção dos serviços SUS e aproximadamente R$ 450 mil para pagamento de dois médicos plantonistas (UPA 24h), sobreaviso de sete especialidades para UPA e HSCC, plantão presencial em obstetrícia da maternidade e R$ 36,5 mil para custeio (geral) com recursos ordinários para garantir atendimento dos pacientes de média complexidade e, principalmente, das gestantes no município. Parece muito, mas não é o suficiente. Dizer que a atual administração está mal administrando os recursos requer antes uma consulta ao passado. Já houve administrações passadas que deixaram o HSCC em situação muito pior se queremos desviar o foco do real problema para o administrador.

 

 

Há como aumentar a arrecadação? Cobrar dos médicos que usam o HSCC para fazer procedimentos particulares seria um bom começo, mas, sabe-se que a categoria é forte e tentar mudar um quadro que existe há décadas é complicado. Seria mais fácil os próprios médicos estabelecerem uma taxa de utilização do HSCC. Como isso tem poucas chances de acontecer e a administração do HSCC prefere um pássaro nas mãos  – a taxa de hotelaria e medicamentos usados pelo paciente particular vai toda para o hospital – do que dois voando – o médico pode fazer o procedimento em outro hospital – tudo segue como sempre.

 

 

Alguns sugerem trabalho voluntário para administrar o hospital. Alguém se habilita a administrar a quarta maior empregadora do Município, com problemas pulando a cada segundo, recebendo apenas a graça divina de servir?

 

 

Não há uma solução simples para os problemas do HSCC. Todos passam pela boa vontade popular. Culpar este ou aquele não seria justo diante de uma responsabilidade que tem de ser coletiva.

 

 

DEVOLVEU

Os contratos de serviços assinados com o HSCC foram devolvidos pela própria administração do hospital, segundo a secretária de Saúde,  Zenici Dreher, e não a pedido do Município, como disse em entrevista ao JMais o administrador do HSCC, Derby Fontana.

 

 

PERDA

A secretária de Saúde de Canoinhas, Zenici Dreher, estava às voltas com os problemas com o HSCC quando recebeu neste domingo, 12, a triste notícia de que seu irmão, Dionisio Dreher Filho, havia sido encontrado morto no quiosque que a família mantém na localidade do Caraguatá. A princípio, ele teria se enforcado.

 

 

 

CORRENDO A TUDO

Prefeito Beto Passos (PSD) encaminhou projeto de lei à Câmara de Vereadores pedindo autorização para contrair um empréstimo junto ao Badesc. O dinheiro servirá para pavimentações. Junto ao projeto, Passos protocolou ofício pedindo que os vereadores façam sessão extraordinária ainda nesta segunda-feira, 12, para votar o projeto em regime de urgência.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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