Embora não se tenha dados oficiais, maioria dos colonizadores canoinhenses eram de origem polonesa
A comunidade polonesa de Santa Catarina comemora nesta terça-feira, 3, o Dia Estadual da Imigração Polonesa, criado por lei de 2007. A data lembra o dia 3 de maio de 1791, quando foi promulgada a constituição polonesa, considerada a primeira moderna Carta da Europa e a segunda mais antiga do mundo.
Não existem dados estatísticos que definam as etnias predominantes na região de Canoinhas, mas é certo que a polonesa é uma das mais frequentes. Empiricamente se deduz que a maioria dos descendentes canoinhenses pertença a etnia polonesa, ou polaca, como prefere chamar o historiador Fernando Tokarski, que além de ter o sangue polaco correndo nas veias, é obcecado por entender os primórdios da história regional. Entre os muitos estudos desenvolvidos por Tokarski está um relato bem detalhado, baseado numa intensa investigação sobre a origem polonesa na região de Canoinhas. É bom explicar que quando se fala em ‘região de Canoinhas’, compreende-se municípios como Major Vieira, Bela Vista do Toldo e Três Barras, que até metade do século 20 eram distritos de Canoinhas. É inevitável também não relacionar a história da colonização canoinhense à de municípios periféricos como Irineópolis, Porto União, Mafra, Papanduva e Monte Castelo.
OS POLACOS
As etnias eslavas têm predominância no Planalto Norte de Santa Catarina, sobretudo nos municípios de Canoinhas, Bela Vista do Toldo, Irineópolis, Itaiópolis, Major Vieira, Monte Castelo, Papanduva, Porto União e Três Barras. Em Campo Alegre e São Bento do Sul também é marcante a presença dos eslavos, notadamente dos polacos.
Em Canoinhas os polacos se estabeleceram a partir de 1890, vindos do Paraná, primeiro porto de desembarque, a partir dos municípios de Itaiópolis – então no território do Paraná -, São Mateus do Sul, Antônio Olinto e União da Vitória. “Principalmente disseminados nas áreas rurais, os polacos deixaram nítidas marcas na cultura de Canoinhas e da região, difundidas no forte dogmatismo religioso, na arquitetura, no transporte, na culinária e nos costumes”, diz Tokarski no livro Colonização Poloca no Contestado.
Entre as mais marcantes heranças que os poloneses deixaram existem pratos típicos, artesanato e até escolas rurais, onde se ensinava o polonês. Isso até a Segunda Guerra Mundial quando o caudilho Getúlio Vargas proibiu o uso de línguas estrangeiras no Brasil. Isso depois dele mesmo ter contribuído com o nazismo. Essa medida acabou com a Escola Polonesa, que existia em Canoinhas na rua 12 de setembro. O prédio, em seguida, deu lugar a Delegacia de Polícia e acabou sendo consumido por um incêndio anos depois. Alguns heróis da resistência como Ruprechet Loefler, o famoso ‘seu Loefler’ lembra que sua discreta taverna era usada por alemães e poloneses para praticarem sua língua livremente, já que se soletrassem uma palavra estrangeira na rua, corriam o risco de ir parar na cadeia.
MUITOS SOBRENOMES, UMA ÚNICA ORIGEM
Muitos dos nomes e sobrenomes poloneses tiveram suas características morfológicas e fonéticas adulteradas em relação aos originais, “aportuguesando-se como fruto do desconhecimento cartorial e da ignorância da língua polonesa por parte dos descendentes polacos”, revela Tokarski.
Anni Tokarski, presidente da Associação Cultural Polonesa de Canoinhas em 2007, lembra que os sobrenomes poloneses são passíveis de gênero, ou seja, um senhor Tokarski terá uma senhora Tokarska, por exemplo. Anni lembra que como os poloneses que desembarcavam no Brasil não entendiam português e os brasileiros, por sua vez, entendiam nada de polonês, o registro dos nomes ficava a livre interpretação dos cartorários. O uso de cedilha em muitas palavras como o ‘e’, por exemplo, tornavam a interpretação ainda mais errônea.
A assimilação cultural da parte dos imigrantes fez com que a maioria esquecesse o idioma polaco, deixando de transmiti-lo às gerações sucessoras.
Anni fala com a experiência de quem conviveu por oito meses com uma professora polonesa. Raísa não falava uma palavra em português e veio para Canoinhas a fim de participar de um intercâmbio. Acabou voltando antes do esperado, já que o interesse pela língua polonesa é praticamente nulo em Canoinhas.
EVOLUINDO O CONHECIMENTO
“Brasil é muito arcaico”, repete Anni entre risos ao lembrar uma das frases mais repetidas pela professora polonesa. Raísa se referia a visão que os brasileiros, com especial enfoque em Canoinhas, têm de seu país. A abertura da economia polonesa, que desembocou num boom cultural, evoluiu o país em poucos anos. A rápida evolução passa longe dos trajes típicos que vimos anos atrás nos dançarinos do grupo folclórico polonês, comandado por Anni. Não que as danças fossem atrasadas. Na verdade, o objetivo do grupo que durou dois anos, era resgatar e apresentar a história polonesa para os seus descendentes. “Toda dança (folclórica) tem uma história. Falam de amor, trabalho e colonização”, lembra Anni. A lenha, a floresta, a vodka (para abater o frio), eram elementos comuns nos enredos das danças, já que eram comuns no cotidiano das vilas polonesas no início de sua história.
O grupo que chegou a ter 20 componentes acabou sendo extinto por conta da dificuldade em se conseguir dançarinos, lamenta Anni, que mesmo assim não desiste de preservar a cultura polonesa. Ela ajuda a preparar a Festa Nacional dos Tokarski (Fenato), que acontece a cada dois anos.
Um polonês canoinhense
Aos sete anos, Ladislau Babireski, 81 anos, estudava na Polônia, onde nasceu em 1925 e onde vivia com a família, quando um incêndio mudou radicalmente a vida dos Babireski. Era uma das muitas madrugadas frias da Polônia, capazes de cobrir telhados inteiros de neve. A palha colocada em cima da casa, para aumentar o aquecimento, perigosamente próxima da chaminé, facilitou o incêndio que, por pouco, não dizimou a família. “Quando meu pai percebeu o fogo, pulou da cama e me enrolou em um cobertor para fugirmos do incêndio”, conta Ladislau. Do incêndio, o polonês guarda uma infeliz lembrança, um ferimento no pé, causado pelo fogo. “Não morremos queimados, porque Deus não quis (…) Ainda ouço os berros de uma de nossas vacas, queimando na estrebaria, parece um sonho”, recorda.
A tragédia de se ver sem nada, obrigados a recomeçar, levou o pai de Ladislau, José, e sua mãe, Ana, se lançarem em uma ousada investida – embarcar para a América, a terra dos sonhos. Em uma das inúmeras caravanas náuticas que vinham da Europa para a América, os Babireski embarcaram. O desembarque foi no Uruguai. De lá vieram para o Brasil, país onde vivia seu irmão, Henrique. Ele morava em São Sebastião dos Ferreira, localidade canoinhense, a 30 quilômetros do centro.
Foi aqui que, anos mais tarde, Ladislau se tornou um dos maiores produtores de linho da região. O linho produzido na fábrica de Ladislau era carregado nos trens da Estação Ferroviária de Marcílio Dias e de lá seguiam para São Paulo-SP, onde eram confeccionadas roupas que corriam o mundo.
Raízes polonesas
A exemplo de muitos europeus, os poloneses Pedro, então com 18 anos e sua esposa, Maria, pais de Francisco Zaziski, hoje com 89 anos, desembarcaram no Brasil no início do século 20. Fixaram-se em Iracema, na época localidade de Curitibanos, a qual Canoinhas também pertencia. Foi nessa localidade, que hoje pertence a Itaiópolis, que Francisco nasceu em 1917. “Eles desbravaram os sertões de Iracema”, conta Francisco orgulhoso, se referindo aos pais. A vida era simples e a subsistência baseada na agricultura e pecuária. “Trabalhávamos com lavoura, criávamos gado, porcos, nossas ferramentas eram enxadas e foices, não existia nenhum maquinário sequer”, recorda.
Pedro montou uma pequena loja de ‘secos & molhados’, estilo comum de armazéns, na época, caracterizados por vender de tudo, desde comida até tecidos. A erva-mate e o trigo que Pedro plantava, por exemplo, era comercializado na Venda, o que dava maior margem de lucro para Pedro.
Uma das lembranças da infância de Francisco está justamente na Venda do pai. “Nos fins de semana, os poloneses e ucranianos andavam seis quilômetros a pé para ir até a Igreja Ucraniana na cidade. Saiam cedo e voltavam à uma hora da tarde. Chegavam sedentos e com fome na bodega do me pai”, conta.
Depois de passar um temo no Seminário e ver que não era o que queria da vida, Zaziski passou um longo período dedicando-se ao serviço público, no qual se aposentou.
HERANÇA POLACA
- Rígido catolicismo;
- Igrejas com altas torres;
- Casario de madeira com telhado de declive acentuado, varandas enfeitadas com lambrequins (ornamentos entalhados) e o uso da carroça tracionada por cavalos;
- Na culinária, pratos como pierog (pastel cozido com requeijão e nata), kapusniak (costela de porco com repolho), aluski (arroz com carnes enrolado em repolho, popularmente conhecido por charutinho), golonka pieczona (pernil de porco assado), bigos (repolho azedo cozido com carnes nobres), salada de repolho roxo com frutas e maionese, sernik (torta de requeijão), broa de centeio, variadas sopas à base de batatinha, repolho e beterraba, além de diversos outros.
- Em Canoinhas são populares nomes como Alberto, Ana, Estefano, Ladislau, Edvirges e Estanislau, comuns entre os polacos;
- Uso de guirlandas para enfeitar portas e portais nas cerimônias festivas;
ARTIGO
Os polacos na região do Contestado
Fernando Tokarski *
A instalação polonesa na região do Contestado, no norte catarinense, é reflexo dos movimentos imigratórios ocorridos no sul do Paraná, nos derradeiros anos do século 19 e nos limiares do século 20. Da colonização paranaense em Itaiópolis, Rio Negro, Antônio Olinto, São Mateus do Sul, União da Vitória e Cruz Machado, os polacos enveredaram pelos caminhos das araucárias e dos ervais, transpondo os rios Iguaçu, Negro e Canoinhas, ingressando em território catarinense.
Sucessivas análises apontam que essa porção catarinense tem laços diretos com as correntes migratórias colonizadoras européias intermediadas pelo Paraná. Nítida até hoje, essa influência se sobrepõe à catarinense, que apenas se fez notar por meio dos germânicos provenientes de São Bento do Sul e Joinville.
Este ligeiro estudo pretende mostrar que, tão logo os polacos foram assentados em Itaiópolis, então parte do Paraná, e mesmo em Rio Negro, eles avançaram aos sertões da região contestada, instalando-se principalmente nos grandes vazios rurais, onde até hoje estão fincados, sobrevivendo nos minifúndios do lavradio. Um desses exemplos foi o lavrador Valentim Sczimanski, que em 1918, aos 44 anos, vivia na localidade de Água Verde, no rocio de Canoinhas. Antes, ainda em 1899, morava em Rio Negro, onde obteve título eleitoral.
Em 1902, quando Canoinhas tornou-se distrito de Curitibanos, ainda era irrisória a presença de polacos em seu território, que então compreendia os atuais municípios de Papanduva, Monte Castelo, Major Vieira e Bela Vista do Toldo. Porém, já em 1905, há vários registros da presença de polacos.
É o caso de Francisco Piechontkowski, casado com Maria dos Reis, morador do “porto de Canoinhas”, onde em abril daquele ano, “atacada de febre”, morreu sua filha Ermelina, de cinco anos. Seu irmão, Valentim, era carpinteiro e casou com Sophia Suchara. O casal também construiu morada em Água Verde. O pai de Francisco e de Valentim, Gaspar Piechontkowski, morreu na localidade de Salseiro, em 11 de agosto de 1924, aos 80 anos. Sucessivos nomes aparecem então, incluindo Marcin Wozekoski, genro do lapeano Joaquim Vicente de Barros, que em 1906 vivia no lugar Paula Pereira, às margens do Iguaçu.
Na mesma época e no mesmo paradeiro, habitava o lavrador Miguel Tarcheski, nascido em 1861, precursor de numerosa descendência que ali se originou. Já em novembro de 1908, o polonês José Renczkoski, filho de Bognslau, casou na vila de Canoinhas com Anna, filha de Miguel e de Basília Szemczyczym. Todos eram moradores do atual município de Major Vieira.
Ao mesmo tempo, os colonos poloneses André Kaminkiewicz, sua mulher Agnieczka; Estanislau Malachowski e Marcin Bigas apareceram no mesmo lugar. Brás Scientowicz, casado com Maria Beble, e José Mayer, todos nascidos na Polônia, viviam na vila. Mayer morreu vitimado pela picada de uma cobra, em 4 de maio de 1917, aos 45 anos. Há inúmeros outros exemplos, contemplando polônicos que traziam nos documentos procedências que os originavam da Áustria, da Galícia, da Rússia e da Alemanha.
Há o registro de Francisco Sochaczewaska, lavrador oriundo da Alemanha, que deve ter dado origem local à alteração Sokacheski, designação familiar bastante difundida em Canoinhas. Outro exemplo é Bernardo Jarosczewski, nascido Prússia em 1872, que estava em 1898 em Itaiópolis e por volta de 1910 já se encontrava em Rio Bonito, no território de Canoinhas. Jarosczewski morreu em 12 de junho de 1951, aos 79 anos, e está sepultado na localidade de Imbuia. José Weneroski, um viúvo de 36 anos, “natural da Polônia Austríaca”, vivia em Rio Bonito em janeiro de 1919. Outro conterrâneo era Gregório Galant, nascido em 1893, que solteiro residia no mesmo lugar. O carpinteiro Marcin Nowitzki, “nascido na Alemanha”, morreu em Canoinhas em 31 de outubro de 1916, aos 57 anos.
Antes, a primeira carta de aforamento urbano concedida em Canoinhas, foi dada ao polaco João Krozyzanoski, através de ato datado de 22 de fevereiro de 1912. O imóvel, na rua Coronel Albuquerque, localizava-se “de um monjollo para cima”. Na mesma data, o polaco Julião Szraski recebeu a segunda carta acerca de um imóvel situado na mesma rua.
Um dos polacos de maior nomeada nos primeiros anos de Canoinhas foi o comerciante Francisco Rekssua. Era o único polaco que integrava a lista dos jurados da recém-criada comarca. Através de ato governamental, em 7 de outubro de 1913 foi nomeado suplente de delegado de polícia. Porém, morreu assassinado em 2 de junho de 1914, aos 30 anos, deixando a mulher Amália Bianeck, o filho Anselmo, de 13 meses, um nascituro e razoável patrimônio. Curioso é o seu atestado de óbito. Na causa da morte o documento diz que ela foi “natural, proveniente de projectil de arma de fogo”.
Ainda no início do século, o polaco-germânico Estanislau Schumann, fazendeiro, comerciante e farmacêutico nascido em 4 de julho de 1870, radicou-se no povoado de Bela Vista do Toldo, tornando-se, ao seu tempo, uma das mais importantes figuras políticas de Canoinhas. Em 1914, em plena Guerra do Contestado, o casal polaco Ignacio e Bronislava Bialeski eram lavradores na localidade de Pinheiros. Ignacio morreu em 3 de maio de 1960, aos 83 anos.
Porém, nada melhor do que a saga vivida por Luís Szczerbowski em Três Barras. Ali, bem jovem, foi comerciante, professor, fotógrafo e industrial. Retratou a Guerra do Contestado e instalou uma fábrica de cigarros de papel, importando fumo da Turquia. Os primeiros implementos agrícolas da região trouxe da Eslováquia. Foi um autêntico empreendedor. Morreu em 27 de novembro de 1927, aos 44 anos, em conseqüência de hemorragias, depois de por conta própria arrancar um dente. Sua história merece um capítulo à parte.
Por volta de 1911, com a implantação em Três Barras do complexo fabril da multinacional Southern Brazil Lumber & Colonozation Company, a maior serraria da América Latina, uma prodigiosa leva de polacos ocupou-se dos serviços técnicos oferecidos pela empresa. Das centenas de operários, várias dezenas eram de imigrantes poloneses, que a partir dali ampliaram a presença polônica na região. (…)
Em 1912, nos primeiros documentos do município de Canoinhas, são encontrados os nomes dos polacos Miguel Dzewieski, João e Onofre Berezowski, Ernesto Szwaroski e Francisco Felski. O mesmo Marcin Bigas, anteriormente referido, recebeu em 03 de setembro de 1913 um lote urbano na rua Francisco de Paula Pereira. Em 1915, era proprietário de terras na localidade de Ribeirão Raso, no atual município de Major Vieira. Também fez parte dos jurados da comarca, outra vez o único polaco entre os 28 nomes da lista. Contudo, em 10 de dezembro de 1917, através de ato do juiz Gil Costa, foi banido da relação, “por falta de idoneidade”. Bigas morreu em 16 de fevereiro de 1926, aos 64 anos.
Disseminados pelo Contestado, os imigrantes polacos estão aculturados, miscigenados com outras culturas étnicas ou regionais, sobretudo a cabocla e a gaúcha, predominantes na região. Pouco ou nada lembram, principalmente em relação à preservação cultural, os imigrantes polônicos do permeio do século 19 e do início do último século. A deturpação dos sobrenomes é corriqueira, fruto da ignorância cartorial e dos próprios descendentes, desinteressados na preservação da história familiar.
Os costumes e as tradições foram engolidos pela aculturação que se seguiu. A carroça, símbolo da presença eslava na região, é uma das últimas resistências culturais à modernização e à miscigenação dos costumes. As manifestações folclóricas praticamente desapareceram, assim como estão em vias de extinção as manifestações orais, incluindo as cantigas e a fala do idioma e das suas derivações dialetais. Quase sempre, os usos, costumes e tradições polacos, inclusive sua culinária, apenas são lembrados nas festas rememoradoras das formações étnicas regionais e nos desfiles públicos.
* Fernando Tokarski é professor e pesquisador de História do Contestado; membro da Academia de Letras Vale do Iguaçu, de União da Vitória-PR