A poucos dias de eleger o novo presidente da República o Brasil se vê a frente de um risco à democracia: a proliferação das fake news
José Ernesto Wenningkamp Jr*
Era 8 de outubro de 2016, uma terça-feira, os Estados Unidos elegiam o seu novo presidente. Donald Trump era eleito o 45º presidente. No decorrer dos dias que antecederam a eleição inúmeras notícias falsas começaram a surgir e a ser disseminadas nas redes sociais. As fake news, como são conhecidas para alguns especialistas, foram o pontapé inicial para a vitória de Trump sobre a republicana Hillary Clinton.
Na terça-feira, 2, o Instituto Ipsos, com sede em Paris, na França, apresentou uma pesquisa de mercado que envolveu 27 países, incluindo o Brasil. O País ganhou um novo título, o povo brasileiro é o maior consumidor e disseminador de fake news no mundo. São 62%, seguidos por Coreia do Sul e Arábia Saudita (58%), e Peru e Espanha (57%).
Infográfico: José Ernesto- EmFoca / Dados: Ipsos
A disseminação de notícias falsas ocorre principalmente pelas redes sociais, em sua maioria em grupos no Facebook e Whatsapp. Em pesquisa encomendada pela TV Globo e pelo jornal Folha de S. Paulo, o Datafolha apresentou também na terça-feira dados referentes ao consumo e disseminação de notícias vindo dos eleitores nas duas redes sociais.
Acesso a Redes Sociais segundo o Datafolha. Infográfico: José Ernesto – EmFoca
Infográfico: José Ernesto – EmFoca
Segundo o Datafolha, 40% dos eleitores de Jair Bolsonaro compartilham as notícias de política que leem na plataforma. Ciro Gomes e Fernando Haddad, 22% e, por último, o tucano Alckmin, com 13%.
Infográfico: José Ernesto – EmFoca
Foram apresentados, ainda, na mesma pesquisa, que 31% dos eleitores do candidato do PSL, compartilham o que leem no Facebook, seguidos pelos pedetistas que somam 22%, os petistas 21% e os tucanos, 14%.
A pesquisa Datafolha ouviu 3.240 pessoas durante a terça-feira. A margem de erro e de 2 pontos percentuais para mais ou para menos. O levantamento foi registrado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob a identificação BR-03147/2018.
A última semana
Líder nas pesquisas de intenção de voto desde a impugnação da candidatura de Luís Inácio Lula da Silva (PT), o candidato do PSL, Jair Bolsonaro, viu os seus números crescerem ainda mais após a manifestação contrária a sua candidatura no domingo, 30. As manifestações organizadas por mulheres que criaram a rashtag #EleNão, ocorreram em 26 estados mais o Distrito Federal.
Com adesão de milhares de mulheres, homens e crianças, as manifestações sofreram com manipulações de imagens por partidários da campanha de Bolsonaro. A situação tomou ares tão grandes que imagens veiculadas por sites de notícias sofreram ataques. O portal do jornal O Globo teve a autenticidade de uma imagem da manifestação na Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro, questionada. Segundo apoiadores do candidato a imagem era de uma manifestação antiga, pois segundo eles aparecia ainda na foto a imagem de um prédio desabado em 2012.
Imagem da manifestação ocorrida na Cinelândia - Rio de Janeiro Reprodução: jornal O Globo
Infográfico: José Ernesto – EmFoca
Somados apenas os votos válidos, Bolsonaro possui 39%, segundo o levantamento apresentado na quinta-feira, 4.
A voz do jornalista
Os veículos de comunicação, em cada nova postagem em suas plataformas, são bombardeados de críticas, seja desmerecendo o trabalho jornalístico ou apresentando dados falsos sobre o que a reportagem apresenta.
Professora do curso de Jornalismo do Centro Universitário de União da Vitória (Uniuv), Ângela Farah lembra que hoje nas redes sociais, tudo acaba vindo muito fácil para o leitor, desde a construção do texto até a sua leitura. “Se uma matéria for construída de forma completa, ela não é tão fácil de ser compreendida, você precisa ler ela toda para entender o que o jornalista foi buscar de informação. Já as fake news são produzidas de fato a dar a informação quase no título, impactando o leitor”.
A professora lembra que discussões de 2014 sobre feminismo ressurgiram após o movimento de domingo passado. “As discussões sobre o que é e o que faz o feminismo lá em 2014 ressurgiram a partir do movimento #EleNão, mas baseadas em cima de notícias falsas”.
Um dos jornalistas responsáveis pela reportagem que apresentou o caso dos Diários Secretos dentro da Assembleia Legislativa do Estado do Paraná, Gabriel Tabatcheik hoje é jornalista do portal Jota e reside no coração da política brasileira, Brasília. O paranaense, que também é advogado, lembra que a profusão de notícias falsas se dá por meio da internet, não há diferença entre estar em União da Vitória ou em Brasília. “A difusão se dá por meio principalmente do WhatsApp, o que eu observo é que a disseminação das fake news se dá dessa maneira, existem grupos de simpatizantes das campanhas presidenciais, aí nesses grupos você tem essa profusão de notícias falsas”.
O jornal El Pais, em 2017, produziu uma reportagem sobre o marqueteiro André Torretta que se associou a Cambridge Analytica, polêmica agência que trabalhou para Trump, e assim importou métodos que o atual presidente estadunidense utilizou na eleição de 2016. Tabatcheik lembra que o marqueteiro tinha a ideia de fazer o uso desse método, mas com uma outra “pegada” sugerindo assim o WhatsApp. “Esse aplicativo você não tem como rastrear a procedência da informação, então essa informação chega por meio de amigos e parentes, que acabam sendo do seu convívio, ganhando assim um falso ar de credibilidade”.
“Vem de uma pessoa querida que acaba passando para frente de boa intenção, isso se torna viral, e é um grande problema que temos”
Gabriel Tabatcheik
Reprodução: Agência Pública/ Truco
A Sociedade
“As fake news não são exclusividade dessa época”. O historiador com especialização em Sociologia Política, Wanilton Dudek, faz o uso dessa frase como premissa para iniciar a conversa sobre o que ocorre atualmente. Ele lembra que em momentos de revolução política como a que o Brasil passa desde 2013, eclodindo com o impeachment de Dilma Rousseff, a participação de fake news se faz ainda maior na sociedade. Hoje com um agravante: as redes sociais.
A autoconfirmação que cada pessoa precisa sobre aquilo que acredita é reforçada quando aparece uma notícia a seu favor, nesse momento as fake news têm papel importante. “Elas são perfeitas nisso. Como isso vem sendo espalhado nas redes sociais, vem mostrando que as pessoas querem apenas com isso afirmar as suas ideologias”.
“Afeta diretamente o debate, pois anula qualquer chance de se haver um debate”
Wanilton Dudek
Dudek faz ainda uma ressalva. Se o resultado em primeiro ou segundo turno for igual aos das pesquisas apresentadas até hoje, dando a vitória a Jair Bolsonaro, poderá se ter a confirmação de que as fake news afetaram diretamente a eleição de 2018.
Reprodução: G1
Chegar até a fonte
No artigo 5º da Constituição Brasileira de 1988, que acaba de completar 30 anos há os deveres e direitos fundamentais de cada cidadão brasileiro ou do coletivo, dentre eles a liberdade de informação, porém, quando a notícia é falsa, a situação se torna mais complicada. O advogado Lucas Carneiro Sloboda lembra que chegar até a fonte da notícia é algo mais complexo. “Chegar até a fonte é geralmente muito difícil, mesmo sendo vedado o anonimato nas manifestações de pensamento, conforme o inciso IV do mesmo artigo, tendo em vista que a propagação e muito rápida e equivocada”.
Se a justiça conseguir identificar a pessoa ou entidade fomentadora da fake news que viole a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem de determinadas pessoas a elas é assegurado o direito a indenização por danos morais, com fulcro no artigo 5º da constituição, inciso X, bem como nos artigos 186 e 927 do Código Civil, explica o advogado.
Sloboda lembra ainda que além de danos morais, a pessoa que se sentir injustiçada por alguma notícia falsa, é assegurado também o direito de resposta aos alvos das notícias. “Há o direito de resposta para que possam se esclarecer os fatos pelo mesmo meio de comunicação pela qual a fake news foi divulgada”.
Consultar a fonte e se informar em veículos sérios podem ajudar a conter o crescimento das fake news. Tabatcheik comenta que o veículo até pode ter uma ligação política, mas ao mesmo tempo sabemos que o que está escrito ali é de fato verídico, pois foi construído por jornalistas. Ele lembra que muitas pessoas acabam acessando notícias “pagas”, e ao serem redimensionados a tela de assinantes, questionam o veículo como sendo partidário. “O jornalista Pedro Burgos, teve um insight maravilhoso sobre como as fake news pegaram forte. Quando você entra no site e você não é assinante, você é bloqueado, o jornalista lembra que viveu isso com familiares que acessavam o site e ao chegar na página bloqueada diziam que aquilo era falso”.
Brasil X EUA
Segundo dados apresentado por uma pesquisa das universidades norte-americanas de Darthmouth, Princeton, Exeter, publicado no Brasil pelo portal Jota, as fake news tiveram impacto limitado nas eleições estadunidenses. Segundo o levantamento que foi realizado com mais de 2.500 americanos, apenas 27,4% da população com mais de 18 anos teve acesso a pelo menos uma notícia falsa durante as semanas finais da eleição. Isso representa 65 milhões de eleitores no país. Segundo a pesquisa o consumo de fake news é um “complemento” às notícias, em vez de um substituto.
Reprodução: Agência Lupa
Serviços de checagem de Informação
https://apublica.org/checagem/
https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/
https://g1.globo.com/fato-ou-fake/
*José Ernesto Wenningkamp Jr é aluno do curso de Jornalismo da Uniuv e escreveu essa reportagem para o site EmFoca, na disciplina de Estágio Supervisionado